Terceira escola a desfilar no Grupo Especial já na madrugada deste sábado, o Salgueiro apresentou conjunto estético impecável de Alex de Souza. Fantasias luxuosas, alegorias grandes e bem acabadas se destacaram na apresentação da escola. A comissão de frente e o casal de mestre-sala e porta-bandeira também brilharam. Contudo, a escola pecou algumas vezes em evolução e a grandiosidade de alguns figurinos pode ter atrapalhado a leitura do enredo, o que pode tirar a agremiação da briga pelo título. A escola se apresentou em 70 minutos. * VEJA FOTOS DO DESFILE
Comissão de Frente
No primeiro ano como coreógrafo do Salgueiro, Patrick Carvalho trouxe 15 componentes na Comissão de Frente da escola, sendo oito mulheres e sete homens. Batizada de Akikanju Ijó, que significa ‘Dança dos Heróis’, em Iorubá, a apresentação se inicia com o próprio solo do Salgueiro. Em cerca de 2m50s de apresentação, o quesito apresentou grande trabalho. Com roupas metálicas, a dança começa por alguns segundos no chão, e logo em seguida todos sobrem para exibição no tripé.
O elemento solta fumaça e os componentes que estavam em cima, descem, e surgem iaôs, que dançam sobre areia jogada ao ar. Na sequência da encenação, Mercedes Baptista, pioneira como mulher negra no balé, aparece dançando e sobe em um queijo erguido por um punho em riste. Por fim, os componentes seguem a dança com bastante sincronia e mais fumaça é liberada. O segmento teve ótima apresentação e arrancou aplausos do público durante os vários atos.
Mestre-Sala e Porta-Bandeira
Um dos grandes casais a pisar na Sapucaí nos últimos anos, Marcella Alves e Sidclei vieram nas cores da escola, representando a tradição de ancestralidade da agremiação. As plumas brancas no figurino da Porta-Bandeira remetem a antigos carnavais, que mantém a tradição da agremiação da legitimação da festa preta. Junto a eles, os Guardiões representaram os guerreiros da escola, em vermelho e branco, com estandartes em homenagens a grandes nomes do Salgueiro, como Laíla, mestre Louro e Anescarzinho. Com a parte de cima prateada, os dois tiveram apresentação impecável em todos os módulos, com sincronia e troca de gestos e olhares. Os dois faziam movimentos difíceis parecer fáceis em cerca de 2m10s de apresentação.
Harmonia
Um dos pontos altos do desfile do Salgueiro foi o canto. A escola cantou do início ao fim, todas as alas não economizaram na voz. O samba também pegou na Avenida e foi bastante entoado pelas arquibancadas. As alas coreografadas também estavam com a obra na ponta da língua e cantou bastante junto aos movimentos. Destaque para as alas 2, ‘Quilombolas’, 9, ‘Omolokôs, 12, ‘Festa de Iemanjá’, e 23, ‘Afoxé’.
Enredo
O início do desfile do Salgueiro relacionou a história da própria escola com a luta contra o preconceito racial, no qual a agremiação foi pioneira a partir da década de 1960. Os primeiros momentos do Salgueiro na Avenida tiveram bastante vermelho e branco, e alusão a grandes personagens negros da escola e do Brasil. Já no segundo setor, o Salgueiro abordou as religiões de matrizes africanas, com a presença de alas em representação de orixás, caboclos, omolokô e um grande carro com cores e esculturas de Iemanjá.
Em seguida, o Salgueiro levou para a Sapucaí as manifestações negras em seus vários campos, como a culinária, a dança, a música, a arte e o esporte. No quarto setor, a Academia do Samba reforçou a resistência negra através do canto e da dança, com alas em alusão à escolas de samba, ritmos africanos, blocos afro e gêneros oriundos das comunidades cariocas, como o samba, o charme e o funk. O Salgueiro encerrou desfile com os movimentos sociais de combate ao racismo e de resistência preta, como o AfroReggea e o Nós do Morro. A grandiosidade de algumas fantasias, no entanto, atrapalhou a leitura do enredo em determinados momentos.
Evolução
Calcanhar de Aquiles do Salgueiro nos últimos anos, a evolução foi um pouco problemática para a escola novamente. Logo no primeiro módulo, a agremiação abriu um pequeno buraco entre a ala ‘Palmares Salgueirense’ e o Abre-Alas. No setor 6, outro pequeno buraco se abriu na frente da segunda alegoria. Ao fim do desfile, algumas alas aceleraram o passo no setor 11 sem necessidade, o último carro passou rápido pela cabine, mas a bateria não imprimiu correria e se apresentou por completo.
Samba
Criticado no pré-Carnaval, o samba funcionou muito bem no Sambódromo. Alas e arquibancadas cantavam bastante a obra, que tinha como pontos alto o refrão, o refrão do meio, e de ‘Sambo pra resistir’ até ‘O povo me chama assim’. Uma leve queda de ‘Hoje, cativeiro é favela’ até ‘Lutaram por nós, contra mordaça’ foi percebida, mas sem atrapalhar o desempenho da obra. Emerson Dias e Quinho também fizeram grande trabalho no carro de som e impulsionaram a escola do início ao fim.
Fantasias
Logo na primeira ala, o Salgueiro relembrou grandes enredos pretos da escola, como em 1960, que teve tema ‘Zumbi dos Palmares’. Batizada de ‘Palmares Salgueirense’, a ala traz um estandarte com a logo dos enredos e fantasia com referências africanas em vermelho, preto e branco. A ala das baianas também chamou atenção pela riqueza de detalhes em dourado, vermelho e preto, que representavam as Camélias do Leblon, com buquês de flores nas mãos. A ala 8 também se causou impacto visual, com fantasias grandes e em dourado. Com rostos pintados, o ‘Terreiro de Candomblé’ trazia os orixás para a Sapucaí.
A mistura do prateado com o branco na ala 12, Festa de Iemanjá também foi um dos destaques do conjunto de fantasias de Alex de Souza. A ala 17, ‘O Negro e o Futebol Carioca’ fez uma referência ao futebol ao levar fantasias com alusão ao Bangu e Vasco da Gama, clubes pioneiros na luta contra o racismo nos gramados. Símbolo de resistência cultural negra no país, o bloco Cacique de Ramos foi representado pela ala 25 com fantasia grande e muito bonita nas cores da agremiação.
Apesar do luxo, e da riqueza de detalhes, algumas fantasias soltaram adereços. Muitos búzios, enfeites de palha e outros adereços foram vistos espalhados pela Sapucaí. No setor 6, um componente da ala ‘Irmandades Religiosas’ passou sem a parte da cabeça da fantasia. Durante passagem pela última cabine de jurados, uma componente da ala ‘Tias Baianas’ também passou sem a cabeça da fantasia. Ao perceber os jurados e ser alertada pelas arquibancadas, colocou rapidamente o elemento do figurino.
Alegorias
Com o nome ‘Salgueiro, o Griô do Samba’, o primeiro carro da escola reafirma a agremiação como uma das percursoras da temática negra nos desfiles. Com muito vermelho, branco e prata, trouxe também na alegoria elementos que remetem à africanidade, como zebras, elefantes, lanças e escudos. O grande destaque, além do acabamento e beleza do carro, fica por conta da escultura de Djalma Sabiá, fundador da escola, que morreu há dois anos. O ‘Griô’ ensina jovens negros sobre o legado de luta e resistência do Salgueiro.
Na sequência o Salgueiro levou dois tripés, o primeiro com o nome de ‘Pequena África e a Pedra do Sal’ e na sequência o ‘Oferendas para Iemanjá, ambos muito bonitos e bem acabados. O segundo carro mantém a cor branca como principal do início do desfile do Salgueiro. Nesta alegoria, Alex de Souza aborda as religiões de matriz africana, com vários santos sincretizados com orixás. O destaque do carro vai para as imagens de Jesus e Oxalá, maiores entidades do catolicismo e da umbanda. Alguns símbolos aparecem danificados na alegoria para explicitar a intolerância religiosa. O carro também tinha elementos giratórios, esculturas em movimento e a palavra ‘Respeito’ em dourado na parte traseira.
A terceira alegoria do Salgueiro marca os diversos atos de resistência negra, seja na dança, na arte e na música. A alegoria reproduz o Theatro Municipal com lindas esculturas que fazem alusão a Mercedes Baptista. As composições estavam caracterizadas como as representações da literatura, do teatro, e balé. Na sequência Alex de Souza trouxe a história ainda mais para o Rio de Janeiro ao reproduzir o Viaduto Negrão de Lima na quarta alegoria. No Viaduto de Madureira, a escola levou à Sapucaí a resistência através da música, com as danças do charme e do funk na ala coreografada Maculelê, de Carlinhos do Salgueiro. Este carro, no entanto, estava esteticamente abaixo dos demais.
O Salgueiro encerrou o desfile com uma grande encenação na última alegoria. O carro, chamado de ‘A Resistência Continua’, faz alusão a uma praça pública, e é envolvido por manifestantes que pedem o fim do preconceito racial. Um obelisco com a palavra ‘Racismo’, então é derrubado, para simbolizar a queda desse preconceito. A parte de trás da alegoria ainda remeteu ao Morro do Salgueiro no período de fundação da escola, em menção à favela reproduzida por Arlindo Rodrigues no Carnaval de 1984. Com riqueza de detalhes, o carro parecia mesmo uma grande praça no meio da Sapucaí, com detalhes impecáveis de acabamento. Todo conjunto alegórico do Salgueiro funcionou, causou grande impacto visual e não apresentou problemas.
Outros Destaques
De Cabocla Jurema, a rainha Viviane Araújo também estava com fantasia belíssima, com tons de vermelho e verde e uma pequena onça no ombro. Passistas como Reis e Rainhas da Rua, em alusão a Exu riscaram o chão e apresentaram lindo figurino. Bateria dos Mestres Guilherme e Gustavo apresentou três bossas, fantasia ‘Umbanda – Gira de Caboclo’, com cores em vermelho, preto e dourado, além de uma coreografia onde agachava e colocava os braços pra cima, com punho em riste.