A Mangueira realizou mais um ensaio de rua no último domingo. A bateria da Verde e Rosa para o Carnaval 2023 pretende levar três paradinhas para o desfile oficial. Todas baseadas em se aproveitar das nuances melódicas do samba ou proporcionar um clima com levada baiana pela avenida, totalmente atreladas às boas intenções musicais do belo samba-enredo. Com um tema sobre ancestralidade africana que aborda o Candomblé e a musicalidade da Bahia, na tentativa de integrar culturalmente o enredo alguns instrumentos específicos serão utilizados, tais como xequerês e agogôs. Sem contar o trabalho dos “timbaques”, uma peça que mescla a musicalidade de timbal com atabaque, numa vertente musical que impacta positivamente a sonoridade em relação à africanidade.
Uma marca registrada do DNA musical mangueirense é a pressão e vibração envolvendo seu tradicional surdo de primeira. Para mestre Rodrigo Explosão, além de base e pulmão da bateria, o surdo chega a estremecer o chão quando o ritmo mangueirense se aproxima. Tocando no contratempo da primeira, outra peculiaridade é a existência do surdo mor, que encaixa suas batidas buscando dar balanço ao ritmo. Esse fato, por si só, faz com que a bateria da Mangueira apresente uma sonoridade única em relação às demais baterias, já que na Estação Primeira não há o surdo de segunda, efetuando a resposta.
Ao contrário das outras escolas, os chocalhos são conhecidos e chamados de ganzás. Preenchendo musicalmente o ritmo da Mangueira, as caixas com batida rufada merecem ser ressaltadas, junto de uma ala que carrega o apelido da própria bateria, “Tem que respeitar meu tamborim”. A ala de tamborins vem recebendo atenção especial dos mestres, desenvolvendo um trabalho em franca evolução que busca sincronia, padronização da sonoridade, sem contar igualar a afinação da peça. A atenção com a batida de caixas também foi mencionada, bem como uma ponderação maior envolvendo os cortes do surdo mor.
Mestre Taranta Neto explica que o conceito do trabalho tem sido a limpeza técnica nas mais variadas batidas, em prol de um toque mais sincronizado entre todos os naipes do ritmo mangueirense. A busca é por igualar, inclusive, o volume produzido pelos instrumentos. O trabalho disciplinador tem nitidamente impactado na educação musical dos ritmistas da Mangueira, sem contar a definição de um andamento mais cadenciado, que costuma facilitar esse tipo de projeto. Mestre Rodrigo reflete sobre a importância de valorizar o conjunto. Bate na tecla que individualmente a bateria da Mangueira possui ritmistas de alto valor técnico, mas que às vezes produz mais em prol do individual do que pensando no aspecto coletivo do ritmo. Essa mudança tem sido a verdadeira filosofia musical que os mestres têm seguido.
Uma autêntica cultura da bateria da Mangueira, diferente de todas as outras escolas, é o mestre de bateria permanecer como ritmista após ser afastado do cargo de comando. Para Taranta Neto, a cultura enraizada e vinculada com o morro ajuda a compreender essa relação. Ser nascido e criado na comunidade, além de vivenciar na prática a agremiação é algo que faz parte do cotidiano do morador do morro da Mangueira, o que acaba aproximando intimamente da escola.
Já Rodrigo Explosão diz que é uma paixão inexplicável, uma espécie de amor de família, num legado costumeiramente passado para filhos e netos. Hudson é neto de mestre Taranta, enquanto Rodrigo é filho de Alcir Explosão. Ambos são mangueirenses desde o nascimento. Dentro desse âmbito, se faz necessário destacar o trabalho sólido do diretor musical Vitor Art, que também já foi mestre de bateria da agremiação. Graças à verdadeira sintonia fina de longa data, mestre Rodrigo Explosão afirma que o trabalho musical fica ainda mais integrado e caminhando por uma linha sincronizada de pensamento, ainda mais com mangueirenses que pelos tempos de convivência conseguem se falar pelo olhar.
Dentro do processo de renovação, a escola mirim Mangueira do Amanhã recebe uma importância fundamental. Primeiramente, levando em conta a relação comunitária, por salvar vidas, afastando jovens de caminhos perigosos. Portanto, além da formação musical, acaba sendo também vital na constituição do caráter de novos sambistas e ritmistas. Para compreender na prática essa ligação, o final do ensaio de rua da Mangueira ficou marcado por uma cena emblemática. Diretores de harmonia, que muito se esforçaram para manter o povão afastado da bateria segurando cordas, liberaram a passagem para a criançada poder sambar com a rainha de bateria Evelyn Bastos, que também é presidente da Mangueira do Amanhã.
O ocorrido emocionou os presentes e mostrou efetivamente a importância social atrelada à Estação Primeira, numa verdadeira lição de representatividade e valorização cultural de sua comunidade. Um término de ensaio capaz de acalentar corações de sambistas, no qual foi possível atestar o crescimento musical da bateria da Mangueira. O samba vive e resiste. E no que depender da Estação Primeira de Mangueira sempre gerará frutos.