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Eugênio Leal analisa os dois dias de desfiles do Grupo Especial de São Paulo no Carnaval 2025

Colorado do Brás

Uma abertura colorida, leve e alegre do Grupo Especial paulistano. Cantando o bloco baiano “Filhos de Gandhy” a Colorado marcou sua volta à elite pela correção técnica. Desfilou compacta e coesa. Como primeira a desfilar encontrou o público ainda frio, se acomodando. O samba não conseguiu conexão com a plateia. O enredo foi claramente desenvolvido, mas sem inovações em alegorias e fantasias, todas corretamente realizadas. Um desfile para se manter no grupo. * VEJA AQUI FOTOS DO DESFILE

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Barroca Zona Sul

O samba mais badalado do pré-carnaval paulistano não teve um desfile à sua altura. A começar pela confusa Comissão de Frente que, ao contrário do que é normal no Anhembi, preparou uma apresentação especial para o módulo de julgamento, mas com problemas na sua extensa execução. O que, aliás, determinou uma progressão mais lenta da escola ao longo da pista. O segundo carro alegórico teve problemas de direção ao entrar na pista, o que acarretou um buraco visível à primeira cabine de julgamento. O visual foi outro ponto abaixo do esperado, puxando para tons escuros e pesados. O casal de Mestre-sala e Porta-bandeira, Marquinhos e Lenita foi um dos destaques, ao lado da bateria de Mestre Fernando Negão. * VEJA AQUI FOTOS DO DESFILE

Dragões da Real

Mais um desfile muito forte da Dragões. Desta vez com um componente emotivo, a homenagem do carnavalesco Jorge Freitas ao neto que ele perdeu ano passado. Usando a letra da música Aquarela, de Toquinho, como foi condutor de sua história, Jorge deu um show de cores, belezas e emoções.Aproveitou a poesia descritiva da música e colocou em fantasias e alegorias várias passagens da Aquarela, usando a figura do astronauta como ponto de virada para a partida do menino. * VEJA AQUI FOTOS DO DESFILE

Todos os quesitos responderam em alto nível. Desde a tocante Comissão de Frente, passando por casal, bateria e os quesitos de chão. Mais uma vez deve brigar lá em cima. Apesar de tudo foi um desfile frio, sem comunicação com o povo presente ao Sambódromo.

Mancha Verde

Uma viagem à Bahia da fé e do profano. Um tema de fácil leitura proporcionou um bom desfile da escola palmeirense. O presidente Paulo Serdan falou no discurso inicial da opção por não ter um carnavalesco, mas uma Comissão de Carnaval. Para este carnaval funcionou bem. O visual da Mancha tinha perfeita conectividade entre alas e carros, mostrando unidade artística. * VEJA AQUI FOTOS DO DESFILE

A bateria dos mestres Vini e Cabral segurou a onda e ainda fez paradonas ousadas para as arquibancadas, turbinadas por integrantes da organizada, cantarem o refrão final.

Embora o painel de LED seja um recurso controverso nas escolas de samba, o do fundo do mar que veio na segunda parte do abre-alas tinha uma qualidade de imagem superior à média, deixando um bom efeito. O desfile terminou com um enorme carro com a figura de Carlinhos Brown no alto, exaltando o carnaval baiano. Competitivo.

Tatuapé

Um enredo original que, quando foi lançado, me deixou curioso quanto ao seu desenvolvimento. A resposta que o carnavalesco Wagner Santos deu na avenida foi excelente. Um enredo contado com muita coerência, início, meio e fim. * VEJA AQUI FOTOS DO DESFILE

Começa no caos que reinava até que fosse criada a mediação entre as pessoas. Daí o enredo vem desenvolvendo a ideia de forma reflexiva e abrangente. Ponto positivo. O visual, entretanto, não é o que mais me cativa. Formas, cores e acabamentos serviram à história, mas não encheram os olhos.

Celsinho Mody é sempre um espetáculo e a bateria de Mestre Léo Cupim o acompanhou no mesmo nível. Desfile redondo, mais um, da Tatuapé.

Rosas de Ouro

O jogo virou, definitivamente, como prometeu o samba. A Rosas de Ouro deslumbrou o Anhembi com uma aula de carnaval ao mostrar o enredo “Rosas de Ouro numa grande jogada”. A escola vinha de dois anos em que lutou contra o rebaixamento e fez em 2025 uma apresentação para disputar o título. Refloresceu. E não foi só ela. O carnavalesco Fabio Ricardo se reencontrou com seus melhores momentos. Desenvolveu o enredo de forma lúdica e bem humorada, com clareza de ideias e extremo bom gosto.

Fantasias e Alegorias luxuosas, com muitos detalhes de acabamento, paleta com foco nas cores da escola e ouro. Do início ao fim. A qualidade não caiu na parte final. Carlos Junior também foi destaque junto à bateria de Mestre Rafa, impulsionando um samba que não era dos mais cotados antes do desfile, mas que jogou energia nos componentes e ajudou a acordar o público na mais profunda madrugada. Um baile! * VEJA AQUI FOTOS DO DESFILE

Camisa Verde

Só não foi o anticlímax porque a escola tem muito carisma junto ao público. E Cazuza também. Mas o Camisa Verde apresentou alegorias abaixo do nível do Grupo Especial. As fantasias estavam um degrau acima e, ainda que permitissem boa leitura, também apresentavam em média qualidade visual mais simples que suas concorrentes. O amanhecer sempre é uma moldura clássica, ainda mais para uma escola tradicional que o público aguarda. Isso ajudou, apesar da brisa gelada que soprou toda a noite no Anhembi.

A Comissão de Frente tinha uma história interessante para contar, porém seu elemento alegórico pecou muito na qualidade do acabamento. A bateria fez uma apresentação segura e se destacou pela sua caixa rufada e afinação diferente, características do Camisa. Resta saber como os julgadores irão entender o desfile. * VEJA AQUI FOTOS DO DESFILE

Águia de Ouro

Uma merecida e agradável homenagem ao cantor e compositor Benito di Paula abriu o segundo dia de desfiles do Grupo Especial de São Paulo. Percebeu-se a preocupação em casar a letra do samba com o que era mostrado nas fantasias e alegorias do carnavalesco André Machado. Um conjunto visual corretamente realizado, com destaque para a bonita alegoria branca sobre Luiz Gonzaga. * VEJA AQUI FOTOS DO DESFILE

O samba, que particularmente não me agrada, tem um refrão muito fácil de se cantar, contando para isso com a citação de um dos sucessos de Benito, “Meu amigo Charlie Brown”. Desta forma contou com adesão voluntária do público, que no sábado é mais volumoso e quente do que na sexta. O desfile da escola do presidente da Liga, Sidnei Carriuolo, para figurar sem sustos no meio da tabela de classificação.

Império de Casa Verde

O Tigre, vizinho do Anhembi, ditou um ritmo excessivamente acelerado a seu samba-enredo, que trazia uma série de questionamentos às histórias da literatura infanto-juvenil. Um andamento que tirou brilho da melodia valente criada por André Diniz e parceiros. E ainda trouxe instrumentos de sopro no carro de som, indo contra uma convenção antiga das Escolas, que tem como objetivo evitar a perda das características do samba. * VEJA AQUI FOTOS DO DESFILE

O desfile foi uma sucessão de personagens das mais diversas histórias, quase todos facilmente reconhecíveis e com fantasias bem acabadas. Mas as críticas ficaram muito nas entrelinhas e precisaram de cartazes colocados em um dos carros para que fossem percebidas além da Comissão de Frente, que também era legendada. O Abre-alas, com três partes acopladas, foi o maior a passar no Anhembi até então. Chamou atenção pela imponência e pelos muitos movimentos de suas figuras. As demais alegorias estavam bem acabadas, mas não no mesmo padrão. Um desfile que não conseguiu grande adesão popular e ficou abaixo do que a escola fez ano passado, quando homenageou Fafá de Belém.

Mocidade Alegre

O grande destaque da bicampeã foi o trabalho do carnavalesco Caio Araújo, especialmente nas alegorias – verdadeiras obras de arte. Cada uma com uma concepção própria, mas todas muito representativas e com assinatura artística. Desde o imenso Abre-alas dourado até o último carro, vermelho, com destaque para o segundo, com esculturas em cor de madeira extremamente expressivas. * VEJA AQUI FOTOS DO DESFILE

As fantasias também estavam finamente acabadas e sem o excesso de tamanho que atrapalha leitura e movimentação dos componentes. Mais um ponto para o artista.

A bateria de Mestre Sombra convocou o público a cantar o refrão e mostrou arranjos rítmicos profundamente elaborados, todos dentro da harmonia do samba. Mas problemas registrados ao longo da pista com os carros devem dificultar o sonho do tricampeonato.

Gaviões da Fiel

É uma torcida de futebol, mas fez desfile de Escola de Samba tradicional, que também já é. Coisa muito séria. Embalados pela melodia mais raiz deste carnaval, os Gaviões cruzaram a pista com andamento de samba-enredo de verdade e uma evolução serena, consistente e bonita de se ver. A bateria do Mestre Ciro Castilho criou um arranjo baseado nas peças pesadas que caiu como uma luva para o entrosamento com a ala musical e deu grande sustentação ao chão do desfile. * VEJA AQUI FOTOS DO DESFILE

O enredo foi contado com categoria pelos carnavalescos Rayner Pereira e Julio Poloni. A viagem de Orunmilá pela África subsaariana, guiada pelas máscaras de diferentes povos, a passagem pelo palácio de Xangô e revolta contra a escravização em Angola. Alegorias muito expressivas e fantasias volumosas deram o tom de um visual bem resolvido e coerente. Este desfile recoloca a Gaviões na briga pelo título depois de alguns anos.

Tucuruvi

Original e lindo. O grande barato desfile da Tucuruvi foi ter colocado o tema do enredo em sua essência na plástica do desfile. Formas, materiais e figuras, especialmente na primeira parte, priorizaram representar o manto da maneira mais próxima da realidade dele. Não foi um carnaval a mais. Foi o manto Tupinambá. A distribuição de cores deu um tom de leveza ao desfile deixando toda a escola “viva”. * VEJA AQUI FOTOS DO DESFILE

A leitura de enredo muito clara foi mais um mérito da dupla de carnavalescos formada por Dione Leite e Nicolas Gonçalves. Mas o samba, de quem se esperava muito, não aconteceu. Talvez pelo avanço da hora. Ou pela dificuldade na pronúncia das muitas palavras em dialeto indígena. Passou frio como a brisa que fez muita gente tirar o agasalho da bolsa. Desfile competente no plano técnico mostrando a consolidação do novo momento da escola da Zona Norte.

Milênio

Valeu a pena. A Estrela brilhou no seu grito pela comunidade LGBTQIAPN+. Um desfile que equilibrou uma história de preconceito com alegria sem perder o vigor. Pelo contrário, teve momentos emocionantes, como na Comissão de Frente coreografada por Régis Santos.

Alegorias quase totalmente lateralizadas, feitas mais para o público presente no Sambódromo e menos para a televisão, serviram de palco para várias esculturas de personalidades importantes da comunidade. O único senão foram os geradores, decorados sem capricho.

O samba pouco comentado antes do carnaval funcionou muito para injetar alegria e vibração não só nos componentes, mas em todos que brigavam contra o sono da madrugada. Muito disso se deve ao carro de som comandado por Grazi Brasil e Darlan Alves e a bateria de Mestre Vitor Veloso, que ganhou a companhia de Milton Cunha à frente dos ritmistas. Um desfile feliz. * VEJA AQUI FOTOS DO DESFILE

Vai-Vai

O Quilombo Saracura trouxe a alma de Zé Celso para o Anhembi. Mais um desfile em que o enredo fala mais alto que a estética padrão do carnaval. Aqui Sidnei França não teve paleta de cores nem preocupação com alegorias de impacto visual. O impacto é mental. Como as gaiolas abertas para liberar os cérebros na segunda alegoria.

Sem vergonha, no melhor sentido, desfilaram corpos seminus, um banquete de partes do corpo humano e várias versões de Zé Celso logo na Comissão de Frente. O revolucionário diretor do Teatro oficina reviveu.

Tudo isso temperado pela aura e autoridade da escola mais antiga, vencedora e popular da cidade. Um encerramento essencialmente carnavalesco para uma noite de grande beleza e força cultural. * VEJA AQUI FOTOS DO DESFILE

Vai-Vai 2025: galeria de fotos do desfile

Fotos: Rebeca Schumacker

Vitória da natureza! Último carro da Porto da Pedra celebra o declínio do projeto industrial de Fordlândia, na Amazônia

A Porto da Pedra se apresentou, na madrugada desse domingo, na Marquês de Sapucaí, pela Série Ouro. A escola contou a história da cidade de Fordlândia, criada pelo empresário americano Henry Ford como um mega complexo extrativista, hoje abandonada. A terceira alegoria da escola, nomeada de “A Grande Retomada”, representou a imposição da floresta sobre o projeto industrial.

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“Tanto eu quanto o (enredista) Diego Araújo gostamos sempre de terminar os nossos carnavais, principalmente no Grupo de Acesso, com um posicionamento político. A gente usa a Fordlândia como um pano de fundo para o posicionamento político. A riqueza da Amazônia é nossa, portanto somos nós que temos que incentivá-las, guardá-las e nos beneficiar. A figura da bandeira americana simboliza todos aqueles que vêm para prender e levar nossa riqueza. A gente usa a bandeira americana porque carnaval tem que ter entendimento e leitura direta, objetiva, porque é muito dinâmico. Representamos os povos originários carregando a bandeira americana e dizendo: ‘Não, a floresta vence’”, disse o carnavalesco da escola Mauro Quintaes.

“A Fordlândia foi um sonho utópico de Henry Ford. Poder cultivar a sua própria, seu próprio seringal, na intenção de produzir seu próprio pneu. Porque ele descobre que os cinco pneus do carro eram mais caros do que o carro. ‘De onde está vindo a borracha? Brasil. Vou para o Brasil, vou plantar’. Só que ele traz os modelos e os moldes americanos para um país totalmente adverso, diferente. Esse foi o grande erro e foi a partir daí que ele começa a fracassar. Ele planta as seringueiras de maneira errada, sem ouvir a sabedoria local. Ele trata os brasileiros, os nativos, os ribeirinhos, os caiçaras como se fossem americanos, inclusive na dieta do dia a dia. Tudo isso começa a criar um grande embate cultural e a Ford Land vai sucumbindo por 19 anos até ela morrer”, explicou o artista, sobre o enredo da escola de 2025.

Paulo Robert

O resultado agradou os componentes da escola, sobretudo aqueles que desfilaram na última alegoria.

“Eu desfilei pela Porto da Pedra pela primeira vez há 3 anos e foi amor à primeira vista. Quando soube do enredo desse ano, fiquei surpresa por tocar no assunto da Amazônia, isso me deixou muito feliz, porque realmente a gente precisa cuidar, que a Amazônia é nossa. Esse terceiro e último carro mostra que a natureza é mais forte que tudo, mais forte do que qualquer engrenagem, do que qualquer metal. A mata vive”, expressou a dona de casa e estudante Caroline Ferreira, de 37 anos.

“É muito importante abordar esse tema, porque poucas pessoas conhecem essa história. Se os índios não tivessem ocupado o espaço que é devido deles, a nossa Amazônia se tornaria uma grande indústria. Isso seria muito prejudicial porque ela é o coração do mundo”, afirmou a administradora Cintia Nascimento, de 29 anos, que foi para seu segundo ano na agremiação de São Gonçalo.

“Apesar do enredo ser de uma coisa pesada, é muito válido quando você compartilha um fato histórico que não é bacana. Isso funciona como uma crítica construtiva para o Brasil e para o Estado. A invasão, o desmatamento, nada disso é legal”, finalizou o dono de um salão de beleza Paulo Robert, de 63 anos, que completou, em 2025, 52 carnavais.

Império Serrano Carnaval 2025: galeria de fotos do desfile

Alegoria da Acadêmicos de Niterói celebra a fé na festa junina

A Acadêmicos de Niterói trouxe a festa junina para a Marquês de Sapucaí na segunda noite de desfiles da Série Ouro. Com o enredo “Vixe Maria”, a escola exaltou a cultura popular das quadrilhas pelos quatro cantos do Brasil.

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Uma das temáticas abordadas no desfile foi o elo entre a fé cristã e as manifestações culturais, fortemente presente na celebração também conhecida como “São João”. O carnavalesco Tiago Martins explicou como representou essa relação na alegoria que encerra o desfile da azul e branca da cidade sorriso, intitulada “A Fé Junina”.

“A maioria das quadrilhas saía de dentro das igrejas. Sabendo disso, quando a escola me pediu para falar sobre os santos juninos, queriam que eu montasse uma quermesse, mas preferi fazer algo diferente, que representasse melhor o tom festivo das comunidades quadrilheiras. A partir dessa ideia, construí no carro um coreto de praça em frente a uma igreja, onde as pessoas aparecem festejando com roupas tradicionais da festa junina”.

O artista destacou a importância dos elementos cenográficos para contar essa história ao público da Sapucaí, explicando o critério utilizado na escolha das figuras retratadas nas esculturas da alegoria.

“Os santos católicos são muito cultuados nos festejos juninos, principalmente no Nordeste. Ao mesmo tempo, cantores nordestinos famosos ganham destaque durante esse período. Por isso, também temos a zabumba e a sanfona, elementos marcantes na obra de Luiz Gonzaga”.

Embora tenha origem nas igrejas, a festa junina continua sendo uma forte expressão dos costumes católicos nas tradições culturais, e Tiago reconhece essa relação.

“Mesmo os mais céticos aproveitam o mês de junho para fazer promessas aos santos – seja para casar, alcançar a cura de uma doença ou realizar um sonho. Como mencionei, principalmente no Nordeste, muitas pessoas cumprem essas promessas justamente nas festividades juninas. Todo mundo participa dessa tradição, que tem um fundo religioso”.

Martins faz questão de expressar sua felicidade pela oportunidade de carnavalizar um dos maiores movimentos culturais do país.

“A emoção se intensifica porque conheci o Carnaval através da quadrilha, e poder unir essas duas festas que amo, ambas com forte cunho folclórico, popular e cultural, é gratificante”.

 

Estrela do Terceiro Milênio 2025: galeria de fotos do desfile

Fotos: Rebeca Schumacker

Passistas da Porto da Pedra simbolizam a luta dos seringueiros

A Porto da Pedra desfilou na madrugada deste sábado para domingo na Marquês de Sapucaí com o enredo “A História que a Borracha do Tempo Não Apagou”, sobre a cidade de Fordlândia, em busca da ascensão ao Grupo Especial. Os passistas, com a alcunha de “Batalhão Opressor”, encarnaram os trabalhadores seringueiros.

Mauro Quintaes

“Os passistas representam os soldados da borracha. São os seringueiros que adentravam a floresta. As seringueiras nascem naturalmente muito distantes, então eles iam para dentro da floresta com a intenção de buscar o látex. Tem essa pressão de você se submeter a condições quase sobre-humanas com o objetivo de trazer a riqueza e, nesse caso, riqueza para o exterior”, explicou o carnavalesco da escola Mauro Quintaes.

“A importância é relembrar esse episódio escravista. Mesmo eles sendo trabalhadores, estavam sendo forçados, e a nossa fantasia, logo na nossa cabeça, está representando uma luz onde ele botava sobre a cabeça deles uma lanterna para que pudessem enxergar. Eles trabalhavam de dia e de noite para gerar lucro para alguém, e esse alguém não se importava com a força, com a importância do ser humano”, disse o decorador Gleison Monteiro, de 29 anos, que completou, em 2025, seu sétimo ano como desfilante.

desfilantes

Fordlândia foi uma cidade planejada às margens do rio Tapajós, no Pará, para receber um complexo de extração seringueira. O intuito era a fabricação de borracha para pneus da empresa automobilística americana Ford. O dono, Henry Ford, no entanto, estabeleceu um regime de exploração agressivo ao meio ambiente e à população local, que entrou em rápido declínio. Hoje, a cidade está abandonada. A floresta se impôs sobre aqueles que, um dia, quiseram submetê-la.

“Hoje a Porto da Pedra tem a oportunidade de denunciar essa situação histórica. Graças a Deus, o nosso carnavalesco trouxe essa visão para nós e, consequentemente, estamos mostrando o que realmente é a história da borracha”, afirmou o administrador Carlos Oliveira, de 36 anos, no quarto ano desfilando pela Porto da Pedra.

“O enredo é sobre a gente tomar posse daquilo que é nosso, mesmo sendo roubado, conquistado. Mesmo com toda a fábrica, mesmo sendo algo lucrativo, graças a Deus, a floresta em si conseguiu tomar posse daquilo que é dela mesma”, resumiu Gleison.

“Eles eram praticamente escravizados, mas, para a gente criticar esse lado, temos que ser uma coisa melhor, porque a escravidão já passou. Nós temos que assinar carteira de trabalho, tudo direitinho, porque assim a cidadania cresce”, defendeu a dona de casa Jéssica da Conceição, de 34 anos, que desfila como passista na Porto da Pedra há cerca de 15 carnavais.

Pouco antes do início do desfile, na concentração, os passistas se mostravam animados e confiantes.

“A escola vem com muita garra, com muita força. Vem com um canto muito forte, uma evolução muito forte. Hoje dá para perceber que os carros vêm bem bonitos, muito bonitos. A nossa vontade, nosso querer, é de retorno ao Grupo Especial. Eu creio que a Porto da Pedra tem tudo para ser vencedora”, opinou Gleison.

“Nós vamos, pelo menos, passar bem na avenida, e eu creio, em nome de Jesus, que nós vamos subir para o Grupo Especial”, finalizou Jéssica.

 

Ala das Baianas da São Clemente homenageia cachorros caramelos

No coração da São Clemente, a ala das Baianas levou para a avenida uma homenagem aos cachorros caramelos, os famosos “vira-latas” que conquistaram os brasileiros. Vestidas com fantasias que simbolizam amor, lealdade e doçura, as baianas se emocionaram ao destacar a importância do respeito e do carinho pelos animais.

Elementos como corações, representando afeto e dedicação, foram incorporados ao figurino, evidenciando a conexão entre humanos e bichos. Janaína Araújo Rodrigues Barros, de 44 anos, há três na função de Harmonia das Baianas, descreveu a emoção de desfilar com essa homenagem: “É uma sensação indescritível. A fantasia transmite muito amor, paz e cuidado com os nossos caramelos, e não apenas com eles, mas com todos os animais. É uma causa que precisa de conscientização, principalmente contra o abandono”.

A paixão pelos bichos foi um tema recorrente nos depoimentos das integrantes da ala. Valdete César Costa, de 60 anos, empregada doméstica, compartilhou sua história com Roco, seu cachorro, que a salvou após uma queda da escada. “Ele é um presente de Deus. Faz parte da minha família, me espera quando saio para trabalhar e me recebe com alegria. Aprendi a amar ainda mais os animais com ele”, contou Valdete.

Ana Paula Viana, de 45 anos, camareira e baiana de primeira viagem na Sapucaí, também expressou sua felicidade em participar do desfile. “Estou muito feliz, é uma emoção enorme. Tenho uma gata, a Nina, que é minha parceira. Ela é essencial para mim, e a convivência com ela me ensinou muito sobre carinho e companheirismo”, disse Ana Paula, destacando a importância de valorizar os animais que fazem parte da vida das pessoas.

Lourdes Barbosa, de 68 anos, aposentada e integrante da ala, reforçou a necessidade de cuidar dos bichos. “Eles ensinam muita coisa, parecem gente. Quando estou triste, me animam. Tenho dois cachorros, o Echucha e o Pretinho, que são meus companheiros de todas as horas”, relatou Lourdes, lembrando de momentos difíceis em que a presença dos pets foi essencial para superar desafios.

A homenagem aos caramelos também trouxe à tona a discussão sobre o abandono de animais. Janaína, mãe de três chihuahuas (Abel, Nina e Locke), falou sobre o amor incondicional que sente por seus pets. “Eles são meus filhos. Se pudesse, teria uma casa cheia de bichos. Aprendi com eles a ser mais leal, respeitosa e a valorizar cada momento. Estão sempre ao meu lado, nos bons e maus momentos”, afirmou.

O desfile da São Clemente não foi apenas uma celebração da cultura carnavalesca, mas também um chamado à conscientização sobre a responsabilidade de cuidar dos animais. A ala das Baianas, com suas fantasias cheias de significado e emoção, mostrou que o amor pelos bichos é universal e deve ser valorizado. Como disse Janaína, “eles têm sentimentos por nós, e a gente precisa retribuir”.

Em um mundo onde muitos ainda sofrem com o abandono e a negligência, a homenagem da ala das Baianas da São Clemente serve como um lembrete poderoso: os caramelos, assim como todos os animais, merecem respeito, cuidado e um lugar especial no coração de cada um de nós.

Tucuruvi 2025: galeria de fotos do desfile

Fotos: Rebeca Schumacker

O Reizinho de Madureira e a Velha Guarda no abre-alas: uma celebração ao samba raiz

Homônimo ao primeiro setor, o abre-alas da Império Serrano, chamado “O que espanta miséria é Carnaval!”, trouxe a tradicional coroa imperiana e representou um convite ao público para relembrar as grandes festas populares que originaram o carnaval.

Tendo como base o enredo “Bum Bum Paticumbum Prugurundum”, desenvolvido pelas carnavalescas Rosa Magalhães e Lícia Lacerda, a alegoria é um lembrete da origem popular do carnaval carioca, acessível, extremamente tradicional e democrático. O samba de 1982, composto por Beto Sem Braço e Aluísio Machado, tem na escultura uma homenagem à trajetória de Beto, que encontrou no Império a sua consagração, reafirmando a folia como palco de celebração e memória.

Os componentes do carro foram a Velha Guarda, que veio no abre-alas e compartilhou suas percepções sobre o carro e a identidade de resistência da escola de Madureira.

“Desfilo no Império há mais de 30 anos, mas é a primeira vez no abre-alas e estou me sentindo muito feliz porque a gente está homenageando uma pessoa que personifica a nossa escola, que tem muita tradição. Foi o compositor que fez o samba que deu o último título para a nossa escola. O Beto Sem Braço é uma estrela para nós. Assim como o Arlindo Cruz e o Aluísio Machado. Então, foi justo fazer essa homenagem para ele. Assim como esse carro que fala do samba de 1982, que contava o que ia acontecer com o carnaval, porque é o que a gente já está vendo aí. O Império entra na avenida agora com o carnaval que pegou fogo, passou por várias dificuldades e ainda resiste. Passamos por tantas coisas, não estamos no nosso grupo, porque o nosso grupo, na verdade, tinha que ser o Grupo Especial, e a gente não está. Sendo que o Império ajudou a fundar o carnaval que temos hoje, assim como revolucionou o carnaval do Rio de Janeiro”, disse a técnica administrativa Nádia Margoso, de 66 anos.

O carro apresentou elementos marcantes do desfile histórico, com predominância do branco e metais, evocando a estética daquele carnaval. A coroa imperial em ouro simboliza a tradição, enquanto as rosas prestam uma homenagem à carnavalesca Rosa Magalhães.

“Eu estou muito feliz que a Velha Guarda vai estar toda junta no abre-alas da escola. E é um carro que vem falando sobre o enredo do Bum Bum Paticumbum Prugurundum, que foi da autoria do Beto Sem Braço, que é um enredo que fala sobre os carnavais populares e não essas coisas grandes, gigantes, que a gente vê hoje. O Império sempre fez carnavais populares e agora está passando por esse momento difícil. Entramos na avenida para celebrar, mas entramos com a dor por conta do incêndio, não só por tudo que perdemos de danos materiais, mas pelas pessoas que passaram por aquele sufoco, inclusive o óbito, e isso é muito sério e muito triste para todos nós. E a escola estava pronta para brigar pelo primeiro lugar, que é o sonho de todo mundo que está na Série Ouro, ainda mais o Império. Nosso Império é raiz, nosso Império é de luta, nosso Império sempre vem bonito, não entendo por que nós ainda não estamos com as grandes. É triste entrar na avenida sabendo que vamos permanecer na Série Ouro, mas a gente resiste”, declarou Denise Rocha, professora de 69 anos, que há 40 anos desfila pelo Reizinho de Madureira.

Mais do que uma homenagem, a alegoria reafirma o carnaval como resposta vibrante às adversidades da vida. Ao destacar a Velha Guarda do Império Serrano, o carro enaltece a história e a resistência do samba. Assim, a abertura do carnaval do Império em 2025 se torna um convite à celebração coletiva, onde o povo, unido em um só canto, reafirma sua alegria e identidade através da festa.

Em se tratando de raiz imperiana, a componente da Velha Guarda, Pedrina Rocha, viu a escola nascer. Aos 94 anos, ela, que conheceu Beto Sem Braço, afirma que o Império Serrano tem a resistência popular em seu DNA.

“Eu nasci com o Império Serrano, conheci todo mundo dessa escola. Vivemos o carnaval de 1982 e sinto muito por ver carnavais onde o povo não participa, escolas que passam cheias de gente famosa, só gente que paga, e as escolas de raiz estão ficando para trás. Mas a gente já está acostumado. Descemos, vamos lutar para subir. E, por causa daquele acidente, nós nem vamos subir, nem vamos descer este ano. Então, ano que vem, nós continuaremos embaixo. De volta e sempre na luta”, disse a veterana.

O abre-alas do Império Serrano em 2025 foi um manifesto de resistência e tradição. Mesmo diante das dificuldades, a escola mostra que sua essência popular continua viva, reafirmando o carnaval como espaço de memória e celebração.