Mocidade Alegre 2025: galeria de fotos do desfile
Fotos: Rebeca Schumacker
Mães Espirituais: as baianas da Porto da Pedra e a força ancestral na avenida
A maternidade das baianas se une novamente a uma figura maternal presente no enredo. Com a fantasia “Mães Espirituais”, as baianas da Porto da Pedra trouxeram a mensagem de que o corpo e a floresta são um só.
As baianas representaram as anciãs míticas que, segundo a mitologia Munduruku, transmitiram os ensinamentos do grande criador Karusakaibê, reforçando que a união entre o corpo e o espaço que se habita é essencial. Um espaço doente gera corpos doentes. Assim, as mães espirituais são fundamentais nos processos de cura.
“Nossas baianas estão representando as mães espirituais, que estão diretamente ligadas ao enredo. As baianas são as mães da escola, cozinham e cuidam de nós, então nada mais justo do que estarem à frente da escola e representarem as mães que cuidam da natureza e dos indígenas”, disse o diretor da ala das baianas Kleber Ferreira, comerciário de 65 anos.
Desfilando no primeiro setor da escola, as mães espirituais da Porto da Pedra usaram um figurino levíssimo, todo trabalhado em laranja e amarelo, com uma saia vazada que criou um efeito visual impactante.
Além de aprovarem a fantasia, as baianas destacaram ao CARNAVALESCO o significado profundo do papel que estavam representando.
“Estou há dois anos como baiana da Porto da Pedra e achei essa fantasia maravilhosa. Somos as mães espirituais que cuidam da Amazônia, da floresta em si e de todos que moram e dependem dela”, contou Maria Vilani, doméstica de 67 anos.
Sônia Santos, baiana há 22 anos pela Porto da Pedra, reconheceu uma parte de sua própria história no simbolismo da fantasia.
“A fantasia é ótima, muito bem feita, e representa a cultura indígena e suas mães, que cuidavam das pessoas, da saúde e até dos espíritos. Os indígenas enfrentavam conflitos sobrenaturais, e eram as mães espirituais, as rezadeiras, que resolviam. Na minha família, havia mulheres que rezavam pelos outros. Minha avó era uma dessas rezadeiras, uma verdadeira mãe ancestral. Por isso, vejo muita conexão entre essa cultura e a minha própria história”, declarou Sônia, doméstica de 69 anos.
Para muitas dessas mulheres, a fantasia representava mais do que um elemento do desfile: era um elo com suas próprias histórias e raízes. O simbolismo das mães espirituais resgatou memórias de rezadeiras e curandeiras, que, por gerações, protegem suas comunidades com fé e sabedoria.
“Estamos vestidas como mães espirituais em um enredo que fala sobre indígenas e a floresta. Viemos como mães que protegiam a natureza e as pessoas de sua tribo. Esse é o verdadeiro significado da nossa roupa”, disse Rosaria Xavier, costureira de 64 anos, que desfila como baiana há 28 anos.
As baianas da Porto da Pedra não apenas desfilaram com beleza e leveza, mas também trouxeram a força ancestral das mães espirituais, reforçando a conexão entre humanidade e natureza. A simbologia em suas fantasias capturou a essência do enredo, ressaltando a importância da preservação e do respeito às tradições indígenas.
Entre Ratos e Engrenagens: A Alegoria Crítica do Porto da Pedra
A Porto da Pedra trouxe como primeira alegoria em seu desfile o abre-alas “Distopia Fordista”, com o tradicional Tigre no carro. A alegoria trouxe um tom crítico logo no primeiro setor da escola, chamado “Tapajós: Das Origens à Distopia Que Ergueu a Cidade Arredia”.
Com as cores cinza e vermelho, a primeira alegoria do Tigre de São Gonçalo representou o sistema de produção em massa criado por Henry Ford, que, diferente dos povos indígenas, que viviam sua relação com o mundo e a natureza em comunhão, os não indígenas tinham uma visão extremamente racional e econômica, com o consumo em massa baseado em processos automatizados, linha de produção, exploração de trabalhadores e produção em série. Totalmente oposto ao modo de vida dos povos originários.
O capitalismo, como o centro e causa maior desse problema, é reproduzido no carro, que apresenta um bicho feroz na sua frente, o tigre, em um carro sem cor, sem a beleza da natureza, que apenas visa o metal-capital.
Os componentes da alegoria vieram fantasiados de ratos, simbolizando o trabalho desenfreado e explorador dos trabalhadores. O ator Amin Richan, de 21 anos, estreou na Porto da Pedra na composição do abre-alas e contou ao carnavalesco a crítica que a alegoria traz.
“Esse carro é sobre o fordismo e fala sobre exploração, tanto que tem o explorador com o seu chicote em cima do carro, que está explorando a gente, os ratos que estão trabalhando nessa produção em série, exploratória, e seguem sofrendo nesse mundo sem felicidade, com tristeza, depressão, causada pela exploração”, contou o ator.
O coordenador e coreógrafo da alegoria, Breno Silva, detalhou a concepção da alegoria e tudo aquilo que ela veio representando.
“O carro é todo baseado no filme Tempos Modernos, do Charlie Chaplin. E a ideia é a gente trazer justamente esses movimentos de fábrica, como era o fordismo, onde tudo era mecânico e sem parar. E é um carro repleto de ratos, ratos trabalhadores, que estão aqui justamente servindo ao Ford. Podem reparar que o carro está infestado de ratos, e eles vão transitar a todo momento, fazendo essa movimentação, trabalhando. Eles interagem com a escultura do Ford que está lá em cima. É basicamente uma representação do trabalho exploratório”, disse o coreógrafo, de 29 anos.
A professora Daiane Colli veio compondo o carro e falou sobre as críticas que cercam a concepção da alegoria e algumas das camadas sobre a crítica ao capitalismo devastador, que tanto destruiu e ainda destrói as nossas matas.
“Nós viemos representando os ratos. O nosso carro representa uma fábrica abandonada na floresta amazônica. E nós somos os ratos que ainda estamos trabalhando nessa fábrica como operários, aqueles operários que são sempre submetidos a trabalhos exaustivos, trabalhando sempre na mesma coisa. Nós somos essas pessoas meio fantasmas, meio o que sobrou dessa fábrica. Além disso, o carro vem criticando o capitalismo exacerbado, que vem destruindo a floresta, que não pensa nas pessoas que estão habitando ali e, assim como o samba diz, a sua engrenagem passa por cima de tudo que aquele lugar tinha antes de a fábrica existir”, declarou a professora, de 27 anos.
Alegoria e crítica se misturaram no desfile da Porto da Pedra, trazendo à avenida uma reflexão sobre o impacto do capitalismo na floresta e na vida das pessoas. A representação dos ratos operários evidenciou a exploração desenfreada, enquanto a ausência de cores no carro reforçou a frieza desse sistema.
Resistência na avenida: bateria da Unidos de Bangu representa a luta dos povos originários do Rio contra a repressão do Estado
Com o enredo “Maraka’ Anandê – Resistência Ancestral”, o desfile da Unidos de Bangu na Série Ouro do Carnaval 2025 homenageou a Aldeia Marakanã, comunidade indígena no Rio de Janeiro, situada ao lado do Estádio do Maracanã. O local se tornou um símbolo de resistência indígena, por estar constantemente no centro de conflitos territoriais com o Estado. A bateria da escola representou o episódio de 2013, quando um grupo de indígenas foi removido do local durante as obras do Maracanã para a Copa do Mundo de 2014. Desde então, os indígenas seguem reivindicando sua importância cultural e histórica na região.
“A mensagem é bem clara e o enredo é bem direto. A bateria, que é a maior ala da escola, vem vestida de policiais do choque, que inúmeras vezes tentaram expulsar os indígenas da sua Aldeia. O samba tem uma parte que fala sobre o militarismo, e a nossa ideia é fazer esse paralelo demonstrando a força que o índio tem para vencer essa guerra. Faremos uma coreografia que coloca o índio e o policial frente a frente, e no final do conflito, o índio sai vencedor e decreta a paz, como deveria ser na vida real”, explica Lion, mestre de bateria, que defende com firmeza a escolha de retratar a Aldeia Marakanã como representação da luta indígena no país.
“É um recorte que vale a pena ser falado, porque não estamos fazendo uma crítica, estamos fazendo uma denúncia. Ao falarmos do Rio, aproximamos essa realidade para muitas pessoas que vêm nos assistir hoje”, acrescenta o mestre.
“Quando fiquei sabendo que a nossa fantasia seria de policial do BOPE, fiquei surpreso, mas depois entendi. Mostrar a repressão aos indígenas para um público tão grande é uma forma de conscientizar a população sobre um tema que não pode ser esquecido. Não é porque o episódio retratado aconteceu há algum tempo que outros iguais não continuem acontecendo até hoje. Temos que manter essa lembrança viva, e o Carnaval traz essa visibilidade”, ressalta o chocalheiro Cléberson Archanjo, de 22 anos, que descobriu mais sobre a história ao entrar para o time de ritmistas da escola.
Esse desfile foi muito especial para a Vermelho e Branca, que foi uma das escolas afetadas pelo incêndio na fábrica Maximus Confecções, em Ramos, perdendo grande parte de suas fantasias. Tudo isso deu um toque ainda mais emotivo à apresentação, que já abordava um tema sensível para a sociedade.
“A emoção de fazer parte desse desfile já está vindo desde o dia do incêndio, que foi muito triste para a nossa agremiação. Agora, ainda mais, eu, os diretores e todos os ritmistas temos a responsabilidade de entregar o melhor junto com a nossa escola, para contar a nossa história também”, destaca Lion.
O ritmista Leandro Martins, de 49 anos, estreante na escola da Zona Oeste, fez um paralelo entre a tragédia e a resistência dos povos originários, tema do enredo.
“Um dos maiores ensinamentos dos nossos ancestrais é a superação, e neste ano, a Bangu demonstrou que absorveu essa lição ao dar a volta por cima e fazer um excelente desfile, mesmo sem competir. A nossa bateria veio para pedir à sociedade, por meio de todos os que assistiram ao Carnaval, que valorizem os nossos ancestrais e respeitem as causas indígenas. Para mim, é gratificante estar participando desse momento único”, complementa o componente.
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Fotos: Rebeca Schumacker
Ibérico sim, brasileiro sempre! Baianas da União do Parque Acari discorrem sobre o violão
A União do Parque Acari desfilou, nesse sábado, na Marquês de Sapucaí, o enredo “Cordas de Prata – o Retrato Musical do Povo”, sobre o violão. Ponto marcante de qualquer desfile, as baianas representaram as origens do instrumento na Península Ibérica. O lenço de suas saias fez clara referência à estética cigana.
“A ala das baianas, não só da Acari, como de todas as escolas co-irmãs, são as mães do samba. É um segmento de muito respeito, como a Velha Guarda, como a Bateria. A Bateria é o coração da escola e as baianas são as mães do samba”, declarou a coordenadora da ala de baianas Neucy Gomes, de 56 anos.
“Desfilar como baiana, para mim, é muito gratificante, porque é como se fosse a continuidade de uma religião. A ala das baianas teve início no povo de Santo, de raiz africana. Além disso, é uma representatividade por ser uma ala matriarca composta apenas de mulheres”, disse a pedagoga Claudeni, de 48 anos, que desfila há dois anos pela Acari.
Em 2025, a União do Parque Acari se debruçou sobre o mais famoso dos instrumentos de cordas, eternizado, no Brasil, por sambistas como Paulinho da Viola e Noel Rosa.
“A importância do violão para a música brasileira é muito grande, porque ele participa da Bossa Nova, ele tá no samba, ele tá no pagode. Ele é que dá vida. A música, as cordas, os instrumentos de corda dão a vida à coisa. É muito legal a escola falar sobre o violão, uma coisa que ninguém prestou atenção e é um instrumento muito legal que famosos compositores usaram para poder evoluir a música. Eu não vivi essa época, mas eu percebo que era um instrumento mais próximo para eles, questão até de financeiro. Era mais fácil deles conseguirem o violão do que qualquer outro instrumento”, explicou a mediadora Maria Luzia Silva, de 57 anos.
“É difícil imaginar a música, a parte musical sem um violão, porque o violão dá o tom, pro compositor, pro intérprete, o violão, o cavaco, o banjo para poder a música acontecer”, desenvolveu Neucy.
“O meu sonho é tocar violão, mas nunca soube tocar, então hoje eu vou realizar meu sonho ao desfilar pela Acari”, compartilhou a saladeira Inês Ramos, de 71 anos, que vai para o segundo ano na agremiação.
Nascido na Península Ibérica, no entanto, o instrumento se tornou, na visão das acarienses, essencialmente brasileiro.
“Na época do Jamelão, eu não era nem nascida e ele vinha no carro do som com Clóvis do violão. O violão já faz parte da cultura brasileira”, garantiu a coordenadora da ala.
“Já virou, virou. Todo mundo quer tocar violão. Até quem não sabe quer aprender, como eu. Ele é brasileiro. Não é mais espanhol, não”, reforçou Inês.
Acadêmicos de Niterói leva quadrilheiros para a Sapucaí
Com o enredo “Vixe Maria” e um samba com o ritmo contagiante do forró, a Acadêmicos de Niterói promoveu uma verdadeira festa junina no Sambódromo, na segunda noite de desfiles da Série Ouro.
“Hoje a Niterói está representando uma festa que é importante para o Brasil inteiro. De Norte ao Sul do país, todo mundo sabe fazer quadrilha, mesmo que com suas características regionais”, diz Nicolas Benício, quadrilheiro e diretor da primeira ala da escola, que vem representando as quadrilhas do Brasil. Para fazer isso com fidelidade, a Azul e Branca juntou componentes de diversas quadrilhas do Rio de Janeiro.
“Eu sou quadrilheiro desde criança, quando acompanhava meu tio nas festas juninas. Até tentei gostar de outros ritmos, mas não teve como, me apaixonei 100% pela quadrilha. É um amor que foi passado de família. Me encantei pelos brilhos, pelas estampas dos tecidos e pelas comidas típicas” compartilha Thales Amaral, de 25 anos, quadrilheiro da São Judas Show, de Anchieta.
Apesar da maioria dos integrantes serem cariocas, Nicolas garante que as características da ala não tem distinção regional.
“A nossa ala traz uma representação da quadrilha do Brasil. Dançaremos os passos tradicionais de toda quadrilha, que são aqueles que vocês aprenderam na escola, como o anarriê, o alavantou e o túnel”.
O veterano Douglas Amaral, que dos 45 anos de idade já é quadrilheiro há mais de 20, estando atualmente na Gonzagão do Pavilhão, dá detalhes da fantasia da ala, e fala sobre como a endumentária se relaciona ao enredo.
“Estamos caracterizados com as cores nordestinas, bem vibrantes, na chita. Também trazemos os elementos de cangaceiros na roupa das damas, que tem uma saia grande de filó, então estamos bem juninos”.
A apresentação foi feita em duplas, onde cada moço tinha a sua moça. Para contrastar com a experiência de Douglas, seu par era Lavínia Bruna, de 22 anos, que tem apenas um ano como quadrilheira na Gonzagão do Pavilhão. O pouco tempo não impediu a moça de desfilar pela Niterói, e ela fez questão de compartilhar seu sentimento em relação a isso.
“É gratificante ajudar a colocar a junção do Carnaval com festa junina na avenida. Por mais que não pareça, as duas festividades estão conectadas pelo amor pela folia”.
“A quadrilha foi uma dança da corte europeia, que o povo mais humilde passou a reproduzir de uma forma jocosa, por isso, é conhecida como o teatro do povo, assim como as escolas de samba. Dessa forma, nada melhor do que uma escola no Rio de Janeiro mostrar o que é uma festa popular para o Brasil inteiro” complementa Nicolas.