O Vai-Vai escolheu na noite do último domingo a sua obra que irá embalar o próximo desfile. A final, composta por três sambas, foi realizada na quadra do Sindicato dos Bancários, local parceiro da escola desde 2022, onde vem realizando os seus ensaios e eventos. O evento teve hip-hop envolvido, agradecimentos a vários artistas e show do gênero musical. Foi uma decisão muito aberta, disputada e com um grande contingente de torcedores. Dentro da própria agremiação, talvez tenha sido a disputa mais acirrada dos últimos anos. Ao término de todas as apresentações, não dava para cravar o campeão. A parceria vencedora foi o Samba 8, cujo os autores são: Danni Almeida, Vagner Almeida, Marcinho Z.Sul, Clayton Dias, Luciano Bicudo, Claiton Asca, Rodrigo Atração, Edson Liz, Anderson Bueno, Bira Moreno, Mario Lucio, Leandro Martins e Reinaldo Papum.
O anúncio foi feito na presença de Mano Brown, figura ilustre do movimento hip-hop e vocalista principal da banda Racionais, que confirmou presença no enredo e desfile. O músico recitou a primeira frase da música ‘Diário de um Detento’ e fez alusão ao dia da final – “São Paulo, primeiro de outubro de 2023”. Logo após, o intérprete Luiz Felipe cantou o samba campeão para o delírio da comunidade. “Capítulo 4, Versículo 3 – Da Rua e do Povo, o Hip Hop: Um Manifesto Paulistano” é o enredo da comunidade da Saracura para o Carnaval 2024.
Alcançar os objetivos errando cada vez menos
Como mencionado antes, foi uma final disputada com a comunidade, mas pelas falas do presidente Clarício Gonçalves, supostamente era um samba já de acordo com o que o Vai-Vai queria, pois segundo o próprio, é a trilha-sonora que mais se enquadra para o desfile que se pretende fazer.
“Olha, 2023 foi um processo que na nossa vida é cada dia um aprendizado, nós aprendemos que críticas se devolve com trabalho. E graças a Deus foi o que nós fizemos. Com toda minha equipe, meu carnaval, enfim, agora neste processo de carnaval 2023 é como se fala, foi escolhido o melhor samba que está dentro do contexto, letra, enredo e melodia. Que é para que nós possamos levar esse carnaval de 2024 para a avenida, porém deixando bem claro, vamos lutar para errar menos, e alcançar nosso objetivo”, disse.
O presidente enalteceu a sua comunidade por lotar a quadra dos bancários nesta última noite. Nem o frio e o tempo chuvoso afastaram a comunidade alvinegra de acompanhar de perto a escolha do hino para o próximo carnaval. “Essa comunidade com certeza nós acreditamos nela de uma forma que tudo que está acontecendo no Vai-Vai é com a força da comunidade. E hoje já era de se esperar a quadra no formato que estava, porque ficaram três sambas bons, que estavam dentro do contexto. E cada um com suas torcidas, mas no final, no resumo, foi escolhido o que era melhor, o que representava a nossa bateria, o ritmo e melodia dentro da avenida. Então isso com certeza foi com a força da comunidade, tanto é que você viu que após o anúncio do resultado, a alegria de todo mundo que estava presente”, afirmou.
Por fim, o mandatário disse que a estratégia é cada vez errar menos para atingir o maior sucesso possível no ano de 2024. “O trabalho está perfeito. Estamos com uma equipe de barracão, um carnavalesco que realmente abraçou nossa causa, porém é aquele ditado. Não sendo repetitivo, estamos trabalhando sim para errar menos, e alcançar nossos objetivos, em respeito a qualquer uma coirmã. Mas é pé no chão com humildade, é trabalhar, trabalhar, trabalhar, e errar menos. Todo carnaval de São Paulo é resumido no erro, e em cima disso é que sai a campeã. Porém esse é nosso objetivo. Com certeza errar menos”, finalizou.
Declaração dos compositores
Um dos compositores do samba vencedor, Marcinho Zona Sul, falou sobre a emoção da vitória. “É uma alegria muito grande, a gente é cria da casa, estamos vindo de algumas derrotas também e é um grupo grande de compositores, mas é uma grande família. Hoje, disputar samba-enredo está muito difícil. Menos compositores, custo muito alto, mas a gente teve a felicidade de contratar pessoas boas, respeitar os nossos adversários que também já são parceiros. É uma alegria muito grande unir o samba com o hip hop. São duas vertentes, que é a cultura popular da periferia. A gente fica muito feliz em representar esse enredo em fevereiro de 2024”, declarou.
De acordo com o compositor, com esta obra, a agremiação irá fazer um grande desfile de chão, como é de costume da escola. “Foi uma final bem disputada. Dentro de mim tinha uma certeza de ter dois refrões fortes e na avenida o chão do Vai-Vai vai ser apoteótico. A comunidade abraça o samba e canta com raça. Estamos muito felizes e gratos”, comentou.
Marcinho disse que todo o samba foi feito pela internet e não houve necessidade de tantos encontros para deixar o hino pronto. “É a primeira vez que eu faço um samba pela internet. Esse samba a gente se encontrou umas duas vezes só. Depois mandamos áudios, ideias e foi se encaixando para dar essa obra bonita”, completou.
Outro compositor vencedor, Luciano Bicudo, falou que ser campeão no Vai-Vai não há maneiras de descrever. “É um sentimento indescritível, não tem explicação. É o sentimento que lava a alma. A gente que é compositor e batalha tanto para ter o êxito e é a escola do povo, a melhor que existe é o Vai-Vai e ser campeão aqui não tem nem como explicar”, disse.
Luciano também disse que é a primeira vez que participa de uma final tão acirrada, enalteceu as outras duas parcerias da casa e, segundo ele, qualquer samba que vencesse, estaria ao nível do Vai-Vai. “Nunca participei dessa forma. Máximo respeito ao Zeca e Naio, que são dois campeões. Máximo respeito a eles. De cabeça erguida, quem ganhasse, estaria bem representado”, declarou.
Perguntado sobre o ponto-alto do samba, Luciano opinou que sua parte favorita é o refrão de cabeça. “O refrão de cabeça vai balançar a avenida, arquibancada e a gente vai levar a taça”, finalizou.
Chão forte para surpreender
Um dos diretores de harmonia, Paulo Melo, disse que o Vai-Vai quer impactar no próximo desfile, surpreendendo a todos com um chão forte novamente, assim como foi no título do Acesso I no último carnaval. “Foi uma final realmente épica, pois até o último momento você não sabia. Todos estavam no agrado da comunidade. Mas eu acredito que esse samba vai fazer o Vai-Vai ter um grande canto. O Vai-Vai acabou de subir do Acesso e a gente brigou para ter um enredo diferente de todos. Queremos causar um impacto. Nós ganhamos o carnaval do Acesso porque temos chão forte e é isso que a gente vai trabalhar para surpreender novamente o Anhembi. O Vai-Vai é da rua, não tem quadra e tudo isso engrandece o nosso enredo”, declarou.
Paulo Melo estreia na direção da harmonia da escola junto com Luiz Robles. O diretor conta que está feliz pela confiança que a diretoria buscou ter em sua própria casa nesta renovação da harmonia. “Eu estou na escola desde pequeno e estou há bastante tempo na harmonia sob o comando do senhor Fernando Penteado. O Buiú deu sequência e eu tenho um carisma muito grande pelos dois. O Vai-Vai procurou renovar a harmonia e buscou pessoas da casa. Isso tranquiliza e nos dá segurança”, completou.
Samba questionador e explicação do enredo
O carnavalesco do Vai-Vai, Sidney França, opinou sobre o samba-enredo. Segundo o artista, tal obra teve um apreço desde o começo do concurso. O profissional também deu uma breve explicação do que a escola pretende fazer na avenida.
“Esse samba-enredo que o Vai-Vai acaba de escolher eu olho com muito carinho desde o início, porque nós precisávamos de um enredo com o DNA do Vai-Vai, mas que ao mesmo tempo tratasse o enredo com a maneira que vai ser apresentado no desfile, porque esse enredo é ácido e insurgente. É um tema questionador, de dedo na ferida. A escola vai utilizar do hip-hop para questionar. Nós vamos começar o desfile questionando o porquê da Semana de Arte Moderna de 1922 no Teatro Municipal, que foi dominado pelos filhos da elite e não tinha preto e pobre participando, já usando o linguajar do pessoal do hip-hop. É um desfile que começa questionador, fala do hip-hop de maneira popular, não vamos romantizar e sim mostrar toda carga de violência que o rap expôs na periferia, a repressão policial, o rigor do sistema com os pretos e pobres e a falta de oportunidade. Também nós vamos terminar o desfile falando sobre a ressignificação da cidade de São Paulo não de uma forma elitista, mas sim como um olhar periférico que subverta isso. Por exemplo, nós vamos botar fogo no Borba-Gato, derrubar rodovias, porque não precisamos de uma rodovia chamada Raposo Tavares, Fernão Dias e Bandeirantes, que eram saqueadores de riquezas e exterminadores de nativos. Vamos batizar com nomes como Madrinha Eunice, Geraldo Filme. É um samba questionador. Ele exalta o hip-hop, mas critica o modelo social que predomina o Brasil”, explicou.
Questionado sobre a presença da entidade Exú dentro do enredo com hip-hop, Sidney diz que a entidade é a rua. Ele é quem narra toda a história. “Na sinopse, ‘laroyê’, ‘Exú’, é o tranca-ruas, ele que começa e termina. É a voz narrativa dessa história que o Vai-Vai pretende contar. Ele vem na comissão de frente, pelo desfile e no último carro”, completou.
Ritmo do Vai-Vai satisfeito
O ‘incansável’ e longevo mestre Tadeu aprovou a escolha do samba e o enredo do hip-hop cabe totalmente com a escola. “Foi muito emocionante, o Vai-Vai tem uma comunidade muito forte, e esse enredo caiu na hora certa. Falar dos palcos para a rua do hip-hop, se identifica com a escola de samba Vai-Vai até porque por causa da cultura negra. Então nós estamos satisfeitos”, declarou.
O diretor disse que tem peso diretamente na decisão do samba vencedor. Além disso, Tadeu falou que promete dar trabalho na pista. “Participo do processo, tanto na bateria como no jurado e também acompanhamento da escola. Acompanho tudo, estou satisfeito e feliz sim. Acho que nós escolhemos um samba competitivo, e vamos dar trabalho na avenida”, finalizou.
Samba de embate
Para Luiz Felipe, intérprete oficial da agremiação, a obra vencedora que venceu se destaca porque a escola será a primeira a desfilar. De acordo com o cantor, é um samba de ‘embate’. “O samba campeão é muito bom. Primeira escola do sábado, abrindo o segundo dia de desfile, então é um samba de embate, que bate de frente, ‘olha nós aí de novo, coroa de rei, capítulo 4, versículo 3, Vai-Vai é manifesto, o povo na rua, é tradição e o samba continua’. O Vai-Vai é o povo, o Vai-Vai é a rua, e o samba o continua”, afirmou.
O cantor engrandeceu o sistema de eliminatórias do Vai-Vai e a participação da comunidade dentro dele e, também, quer que não acabe essas disputas. “O Vai-Vai é uma das poucas escolas de samba que mantém essa tradição de disputa dos sambas-enredos a vera, o povo, dando seu voto, sua escolha. E acho muito importante em uma escola de samba de 93 anos de idade. Vai-Vai é uma resistência do carnaval de São Paulo e espero que continue as disputas. Pois isso abrilhanta mais o pavilhão, foram três sambas finalistas, três sambas do Vai-Vai, da casa, com DNA de Vai-Vai e capacidade de ganhar. Mas como diz Aragão, samba-enredo só ganha um, ganhou samba 8″, completou.
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