Mais um sábado de “Encontro de Quilombos” aconteceu em Nilópolis. Beija-Flor, Império Serrano e Portela se encontraram na Avenida Mirandela, tradicional local de ensaios de rua da Deusa da Passarela. A calçada, mais que sempre, ficou lotada para ver três empolgados ensaios, onde o marco principal foi o canto e a alegria de cada comunidade. A verde e branca de Madureira, remarcada do dia 14 por causa da chuva, abriu o evento. A águia foi a segunda a se apresentar e a dona da festa encerrou o dia. * VEJA FOTOS
O Reizinho, a Majestade e a Soberana. Ali, na Mirandela, estavam reunidos 45 títulos do carnaval do Rio de Janeiro. Um encontro de três cortes que só não foram capazes de reinar mais do que aqueles que tiveram a plena de sorte de vê-las passar. Quem estaria mais no topo, senão as pessoas que tiveram o luxo de estar na pista nesta noite? Qual Rainha ou musa brilharia mais que a mãe de família que pôde reunir os seus no portão de casa, à bordo de confortáveis cadeiras de praia e apreciar, de seu próprio lar, baterias com poderes de esquentar os mais frios corações?
A verdade é que, enquanto para a escola, um ensaio de rua é um treino técnico, onde está em jogo a organização de um desfile, para cada espectador, esse evento é uma oportunidade de estar junto de sua amada bandeira ou agitar a noite, ainda que da janela do apartamento. Gente que vai “sabadar” no ensaio com a programação completa do que fazer no “after”, que talvez não seja tão after assim, uma vez que pode se esticar até de manhã.
Só que hoje, o público que garante o estrelato a ele mesmo soube, gentilmente, dividir a cena com com os pavilhões que, teoricamente, atuavam sem pressão. Portela e Império Serrano se jogaram no público. Enquanto Ito Melodia foi reverenciado e cumprimentou a todos na grade, Bianca Monteiro fazia a alegria de crianças que ficavam radiantes por conseguirem sambar com ela, à frente da bateria. O Encontro de Quilombos, então, provavelmente ultrapassou as expectativas de seu organizador, o presidente da Beija-Flor, Almir Reis. Talvez no evento ou nas convidadas, o capítulo desta noite foi para a galeria de dias a nunca se esquecer.
“Esse evento é uma confraternização entre sambistas. Então viemos fazer um grande espetáculo em Nilópolis, confraternizando com a Beija-Flor e com o Império Serrano. Acho muito importante mostrar essa amizade e carinho que temos entre escolas também. Uma honra para nós estarmos aqui”, disse Fábio Pavão, presidente da Portela, completando que ainda é uma oportunidade de fazer um teste com a escola.
As duas agremiações de Madureira, longe do parque e da da Carolina Machado, não estavam totalmente em outra casa. Parecia mais espetáculos que ensaios. Com a rua lotada, houve espaço para amar as três escolas. O Império Serrano passou pra cima, vibrante e sacudiu o público. Já águia altaneira, voou forte. Como tinha portelense ou simpatizante para assistir. Por uma hora, Nilópolis virou Madureira. Aplaudida do início ao fim, a matriarca, no auge de seus 100 anos, sabe muito bem apaixonar quem a assiste. Pesada, a Portela foi o que se espera: fascinante.
E, por último, veio ela. A Beija-flor não estava apenas visitando ou curtindo. Por mais que o Encontro de Quilombos, como dito no primeiro dia com o Tuiuti, é uma celebração e afasta um pouco a competição da Sapucaí, para a dona do pedaço não funciona assim. É um ensaio de rua, sério, valendo a preparação para a busca do décimo quinto título. Ela, vice-campeã em 2022, dispensa apresentações e fez mais uma bela exibição. E os que não estavam lá, bem que poderiam colocar na agenda: ir ao ensaio de rua em Nilópolis uma vez ao ano.
E todo mundo sabe que a beija potencializa a sua performance quando alguém vai visitá-la. Não por medo de ser superada, mas pra mostrar quem ainda dá as cartas em Nilópolis. Em um ensaio de tirar o fôlego, a Deus da Passarela deu uma bela carteirada nas co-irmãs. Competição? Que nada. Era presente para quem foi assistir. Neguinho diria que foi pedrada e que o couro estava comendo.
“A escola pulsa e troca energia cada vez mais. Tudo aqui é muito firme e estamos confiantes que disputaremos o título”, avaliou o diretor de carnaval, Dudu Azevedo.
Harmonia
Tem gente sem voz.
O imperiano está feliz e cantante. O quesito harmonia deve ser um dos pontos fortes do Império. Sambando para Arlindo Cruz, a comunidade se sente obrigada, por pura gratidão, a cantar forte do início ao fim.
Na Portela, eles que se fazem ouvir de longe, berraram na Mirandela. Mesmo sem Gilsinho no carro de som, a escola deu conta do recado. Era um coro um procissão.
Quando a Beija-Flor, uma festa. Era componente e povo cantando junto. A hora que a bateria parou para jogar o canto para a escola, provavelmente acordou a cidade toda.
Comissão de frente
A Verde e Branca, comandada por Júnior Scapin, levou a mesma coreografia do ensaio técnico, que se baseia na religiosidade de Arlindo. Sincronizados e vigorosos, foi uma bela exibição dos bailarinos que foram muito aplaudidos, quando exibiram a faixa “Arlindo Cruz, o Império te ama”.
A Portela levou uma coreografia montada sob o samba. Os bailarinos coordenados pela dupla Leo Senna e Kelly Siqueira, apresentam movimentos mais suaves e figurinos predominante brancos. A suavidade da dança deu um bom tom tradicional ao número.
E a Beija-Flor, da dupla Jorge Teixeira e Saulo Finelon, representou uma coreografia que fazia referência a uma parada militar, com uma crítica nas entrelinhas. Marchando, o conjunto mostrou sincronismo até no bater nos pés. Seja na coreografia de movimento ou de jurados, o público aplaudiu bastante cada passo dado pelos bailarinos.
Mestre-sala e Porta-bandeira
Para apresentar seu pavilhão, o Império Serrano levou o segundo casal Matheus Machado e Maura Luiza. Os dois, que já dançam juntos a bastante tempo, mostraram entrosamento para arriscar a coreografia do samba, junto com a dança tradicional de casal. Maura, com a leveza costumeira e Matheus, que hoje deixou o lenço em casa mas com o talento de sempre, fizeram ótima apresentação.
A sutileza tem vários nomes e dois deles é Marlon e Lucinha. Eles têm um movimento que parece estarem presos a um ímã. Tão delicado e bem feito que assistir é satisfatório. Ocupando todo espaço da pista, a vibrante apresentação foi mais um belo ato da fantástica exibição portelense. Mesmo tendo que desviar de um buraco na pista, durante a apresentação na segunda marcação de jurados, o casal mostrou que ainda tem muito 10 para tirar.
Agora, se dispensa comentários para a ensurdecedora apresentação de Claudinho e Selminha Sorriso. O mestre-sala entrou nos módulos no seu melhor estilo, que é aqueles quiques girando, que já é sua marca registrada. A porta-bandeira emplacou uma bela sequência de giros. Girando, os dois sempre se encontram no final do movimento. E claro, muitos gritos de quem assiste. Muitos gritos, porque são bem amados.
Samba-Enredo
O samba da Serrinha já caiu nas graças de seu povo, ainda mais com o show que só Ito Melodia sabe dar. Fica muito fácil convencer todo mundo a cantar. O ponto alto da obra é “firma na palma da mão”. É nesse momento que os componentes pulam e se mantém o rendimento na virada do samba.
Pois bem. Se alguém torce o nariz para o samba da Portela, não frequenta a Rua Clara Nunes e não estava neste evento. O samba rende mais a cada dia e, em coro, mostra seu valor em um desfile. A comunidade canta com facilidade e ainda tem coreografia para “cavaco e viola” e “no linho, no pano, pescoço ocupado”.
E depois teve a Beija-Flor com seu samba que, já dito por aqui em algum momento, com o DNA da escola. O ápice é justamente na hora do “deixa Nilópolis cantar”. O problema é que se deixar isso, não tem mais pra ninguém. Portando, aparentemente, samba não será risco para a soberana.
Evolução
Em resumo, foram três ensaios vibrantes, pulsantes e com a galera inspirada. Nenhum buraco visto, nenhuma ala parada. Sem problemas, o quesito evolução pode ser descrito como escolas que passaram reto, mas passaram bonito.
Bateria
Aqui temos um ponto: a sinfônica é mais sinfônica que nunca. Como gosta de um swing. De umas bossas pra balançar a escola. Bom é ouvir os ritmistas do mestre Vitinho, que colocou o público para sambar e, às vezes, dançar.
Beija-Flor e Portela apresentaram o de sempre: potência. Nilo e Rodney têm, cada um, a sua receita de sacudir a arquibancada. Diferentes, porém com o mesmo efeito, é de lamentar quando param os instrumentos em um ensaio de rua.
Terminando o “Encontro de Quilombos”, a próxima reunião desses pavilhões juntos será na quarta-feira de cinzas, quando descobrirão o resultado do trabalho que vêm desempenhando. Das escolas, quem está na esquina da Edgard Romaro com o Portela, abrirá os desfiles com o enredo “Lugares de Arlindo”. O pessoal da Clara Nunes, desfilará o seu centenário na segunda posição da segunda-feira de carnaval com o enredo “o azul que vem do infinito”. Já os nilopolitanos, que ensaiam na Avenida Mirandela, serão os penúltimos a entrar na Sapucaí, com o enredo “Brava Gente! O grito dos excluídos no Bicentenário da Independência”.
No fim, o evento que dá um fôlego às já comuns visitas de escolas a quadras de co-irmãs, se despede, deixando a expectativa de retorno na próxima temporada. Na noite que reuniu três, das 5 maiores campeãs do carnaval (22 títulos da Portela, 14 da Beija-Flor e 9 do Império Serrano), o grande vencedor foi aquele que esteve na Mirandela para assistir. No sábado, o qual essas 3 gigantes se encontraram, reinaram o carnaval, a cultura de cada uma e suas comunidades. Ao Reizinho, à Majestade e à Soberana, um salve pela noite deste 21 de janeiro de 2023.
Colaborou Luisa Alves