A Mocidade Unida da Mooca foi a última escola a se apresentar na noite deste domingo, 19 de fevereiro, em desfile válido pelo Grupo de Acesso I do Carnaval de São Paulo 2023. Com destaque para o emocionante exemplo de superação de toda uma comunidade que se uniu para se recuperar dos danos causados por uma tempestade, a agremiação da Mooca trouxe bela plástica e canto imponente. Problemas com a alegoria da comissão de frente, porém, podem comprometer o julgamento da MUM, que desfilou este ano com o enredo “O Santo Negro da Liberdade”.
Comissão de Frente
Certamente uma das mais belas comissões de frente a desfilar no Carnaval de São Paulo em 2023. Um elemento alegórico simbolizou uma capela que existe no bairro da Liberdade, onde Francisco José das Chagas foi condenado à morte pela forca. O protagonista, conduzido por soldados, é levado para cumprir a sentença sob olhares desesperados de cidadãos que vinham andando na Avenida. Quando os soldados executam a sentença, a corda da forca se rompe, e “Chaguinhas” foge protegido pelo povo, mas em seguida é recapturado e novamente levado à forca. Mais uma vez a corda se rompe, mas dessa vez os soldados o açoitam e Chaguinhas cai sob um alçapão. Em seguida, surge Oxóssi acompanhado de entidades femininas, e do alto da capela, Chaguinhas reaparece sendo reverenciado como santo.
Uma atuação emocionante da parte do grupo cênico. A atuação causou impacto no público, com muitas pessoas se emocionando diante da dramatização. Saudações ao público foram executadas corretamente, e a apresentação da escola ocorrendo ao final das passagens do samba. Uma atuação magnífica que será lembrada por muito tempo.
O único porém não teve relação com os atores. O elemento alegórico apresentou problemas no início do desfile e sofreu alguns travamentos, comprometendo a evolução da MUM por todo o desfile.
Mestre-Sala e Porta-Bandeira
O primeiro casal da Mocidade, formado por Patrick Vicente e Graci Araújo, desfilaram com um belo conjunto de fantasias em tons de vermelho. Uma das mais belas apresentações de casais da temporada, marcada por conexões diretas entre o cortejo do Mestre-Sala com os giros da Porta-Bandeira, como se fossem um único passo mais grandioso. Era explícita a sintonia afinada da dupla, que desfilou com muita elegância levantando aplausos de todo o público até mesmo fora dos momentos de apresentação do pavilhão. Fantástico desempenho do casal.
Harmonia
Com motivação reforçada após a superação do terrível acidente ocorrido com as alegorias na quarta-feira, a comunidade da Mooca fez ecoar pelo Sambódromo do Anhembi um canto forte como um desabafo. O belo samba ajuda muito, mas era explícito nos componentes a vontade de provar que a escola ressurgiu diante das adversidades. Houve aposta de dois apagões na bateria que foram bem respondidos, coroando o excelente desempenho do quesito.
Enredo
A história de Francisco José das Chagas é uma daquelas incríveis histórias espalhadas pelo Brasil que muitas vezes é ignorada. O santo popular, padroeiro do bairro da Liberdade, localizado no centro da capital paulista, era um cabo do exército brasileiro no ano da independência que liderou um motim reivindicando o pagamento de salários atrasados por cinco anos, mas que foi condenado à forca e teve sua sentença executada onde hoje fica o Largo da Liberdade. Dizem os registros que a sentença precisou ser executada três vezes, pois nas duas primeiras a corda simplesmente se rompeu. Na primeira, o público presente clamou por sua liberdade (daí o nome do bairro). Na segunda, louvou o ocorrido como um milagre, mas mesmo assim houve uma terceira tentativa a qual Chaguinhas se manteve vivo, o que fez os soldados executores da sentença o assassinarem a pauladas.
A Mocidade Unida da Mooca contou no desfile como Chaguinhas também é saudado na umbanda como entidade, que viveu em uma época na qual o país ainda não havia liberto os escravos e era afrodescendente. Uma narrativa um tanto complexa para quem não conhece a história mais a fundo, e com a ausência do nome do homenageado no título do enredo, na letra do samba e até mesmo em elementos do desfile fizeram da apresentação da MUM algo mais para se admirar áudio e visualmente do que para se compreender da parte de quem não faz parte da bolha do Carnaval. Nesse aspecto, o enredo foi de fato deficiente.
Evolução
A evolução da Mocidade foi muito comprometida pelos problemas apresentados pelo elemento alegórico da comissão de frente no início do desfile. Somado a isso o discurso do presidente Rafael Falanga, que consumiu ao menos cinco minutos da cronometragem, fez com que a escola precisasse acelerar muito o passo para evitar riscos de estouro de tempo. Até nesse aspecto houve uma falha da direção de harmonia, tendo em vista que a MUM finalizou seu desfile com 56 minutos, sobrando ainda outros quatro. Não foi um dia feliz para este quesito técnico da comunidade da Mooca.
Samba-Enredo
O samba da Mocidade é muito belo e criativo. Uma letra que transforma a história de Chaguinhas e a devoção ao santo popular em uma narrativa épica. Muito bem defendido pela dupla de intérpretes Gui Cruz e Clayton Reis, o samba ecoou forte por todo o Sambódromo do Anhembi na voz do valente coral da Mooca. Excelente desempenho do quesito neste Carnaval.
Fantasias
As fantasias da MUM procuraram contar a trama do enredo através da penitência sofrida por Chaguinhas, sua ascensão a santo popular e a representação que seu legado deixou no bairro que se tornou padroeiro. Um conjunto luxuoso, volumoso e muito belo marcou todo o desfile da Mocidade, que plasticamente se apresentou impecável.
Alegorias
Um milagre aconteceu na forma do intenso mutirão em torno da recuperação dos dois carros alegóricos gravemente danificados pela tempestade de quarta-feira. Não apenas eles desfilaram de maneira imponente e bela como vieram praticamente impecáveis do início ao fim do desfile. Um pequeno elemento no segundo carro, porém, pode ser penalizado pelos jurados das torre da direita da pista, que é um dos terços das esculturas de orixás cuja cruz caiu. As alegorias ilustraram a trama contada pelo samba de maneira bem encaixada, sendo certamente um motivo de orgulho para marcar a história da Mocidade Unida da Mooca.
Outros destaques
A bateria “Chapa Quente” do Mestre Dennys foi uma das poucas neste domingo a apostar em apagões. Fica fácil confiar tal aposta quando uma comunidade responde com tanto vigor. Além disso, bossas sempre muito bem aplicadas pelos ritmistas marcaram a apresentação da escola. A Rainha Aline Ertogrel foi outro belo destaque conduzindo seus súditos com a elegância e beleza dignas da realeza que representa.
Mas o grande destaque certamente foi algo que não aconteceu no desfile. A superação da Mocidade Unida da Mooca em colocar um Carnaval na Avenida após tantas provações é comovente. Os problemas ocorridos ao longo da apresentação podem talvez comprometer as chances da sonhada classificação para o Grupo Especial, mas só dos portões terem se fechado com a escola tão bela dará uma motivação ainda maior para a MUM vir cada vez mais poderosa. O que a comunidade da Mooca fez nesses últimos dias é digno de escola gigante. Parabéns a todos os componentes e voluntários que ajudaram pelo maravilhoso trabalho de superação.