Mestre Nilo Sérgio está no comando da bateria “Tabajara do Samba” da centenária Portela desde 2006. O músico concedeu uma entrevista especial e contou sobre sua relação com a Portela desde que é menino, sobre a principal virtude da bateria, sobre o legado que quer deixar e sobre a pressão das notas e da avaliação no Grupo Especial.
O que a Portela representa na sua vida?
“A Portela representa para mim, como se fosse o nascimento dos meus filhos. A Portela não chega junto, porque eu amo mais meus filhos, mas é uma coisa muito parecida. A Portela na minha vida é tudo, estou aqui desde garoto. Esse ano eu faço 20 anos à frente da bateria. Fui catador de garrafa a ritmista, depois diretor de bateria a mestre. A Portela para mim representa tudo. Minha família não é diretamente ligada, mas vim sozinho e hoje estou aí”.
Com tantos anos de avenida, como você se sente a cada ano pisando no solo sagrado da Sapucaí?
“Como no primeiro ano, quando eu pisei na avenida. Dá vontade de ir no banheiro, nervosismo, emoção, cada ano é um choro diferente”.
O que você acha do nível das baterias, hoje em dia, no Grupo Especial?
“Está muito nivelado. Quando está assim a gente conversa com os diretores, vamos tentar fazer as bossas dentro do enredo, não sobrando, cobrando mais o ritmista, para não dar um problema. Porque o jurado está ali para poder tirar ponto. Todas as escolas entram com 10, ali você pede um, dois décimos durante o desfile. Porque quando é nota 10, é para a bateria, mas quando é 9.9 é o mestre que segura. Se falo que vai ser isso e acabou não vamos passar, porque aí está ferindo a melodia, a cadência da bateria. Temos muitos mestres bons. Trabalham demais. Quem erra menos que ganha 10. É o que eu falo pra todo mundo, o menos é mais. A ousadia, sem atravessar, sem ferir a melodia do samba, sem sair da métrica da bateria, do ritmo. Bateria é um conjunto, não é um solo”.
Para você é muita pressão?
“Eu me pressiono muito, me cobro muito. Cobro o ritmista demais e os meus diretores. Eu começo em abril a ensaiar. A bateria da Portela é a que a gente ensaia mais, segunda, quarta, sexta e domingo. São quatro dias na semana. Eu não saio para perder um décimo, eu não saio para perder 40 pontos. É cobrança porque eu gosto, eu quero ver a rapaziada feliz. A única vaidade minha é ver que a bateria da Portela está boa, para mim já basta”.
No dia da apuração, em qual local o você acompanha o resultado?
“Eu não vou para a quadra, eu não vou para a Apoteose na apuração, eu fico em casa. Depois quando dá nota, eu agradeço a todo mundo na bateria. Fico em casa tomando minha cervejinha e batendo papo, porque, assim, meu dever foi cumprido”.
O que você acha que foi o problema do carnaval passado e qual é a diferença para 2024?
“A diferença foi que a Portela fez 100 anos. A escola estava bonita, mas deu problema no percurso. Eu fico chateado, a bateria ficou chateada. Esse ano, não. Os carros também estão bonitos, mas não tem aquele peso dos 100 anos. Eu sou uma escola centenária, que só em abril que eu faço 101 anos”.
Qual é a maior virtude da bateria da Portela no seu comando?
“É a união. Eu abri as portas, porque quando eu cheguei na bateria da Portela eu era o único menor. Coloquei essa rapaziada de Oswaldo Cruz e de outros lugares. Elas estão com o mesmo brilho que eu tinha no olhar”.
Qual é o legado que quer deixar para os ritmistas e para a bateria da Portela?
“Essa molecada respeitando todo mundo. Irmandade e amizade que não é só dentro da Portela, que vai para casas deles. Daqui há 30 anos, eu vou ser presidente da velha-guarda. Os mais velhos têm muito a passar, burro é aquele que não escuta o mais velho. Se você perceber, sentar, escutar, sempre tem uma coisa que eles vão deixar de legado para você”.