A série “Personalidades do carnaval” traz um papo com uma personagem que possui o DNA vermelho e branco da Academia do Samba. Filha de antigos funcionários do Salgueiro, porteiro (pai) e auxiliar de serviços gerais (mãe), Mara Rosa teve a honra de nascer nos anos de glória do samba dentro das comunidades do Rio de Janeiro. Cativada desde criança, hoje ela desempenha a função de presidente da escola de samba mirim Aprendizes do Salgueiro. Abaixo o papo completo.
Início no Salgueiro
“Quando pequena, eu dava meus primeiros passos na escola indo levar comida para os meus pais na quadra, almoço. Aos cinco anos entrei para o Aprendizes e me apaixonei mais ainda pelo carnaval e pelo Salgueiro, eu já vinha de uma educação roxa pelas escola. Até que no ano de 2011 entrei para escola de mestre-sala e porta-bandeira do Manoel Dionísio, meu sonho era ser igual a tia Tâninha, primeira porta-bandeira da escola e muito campeã”.
Carreira de porta-bandeira
“Fui a primeira porta-bandeira do Aprendizes dos meus 11 aos 18 anos, até que fui para a escola mãe e comecei a desfilar como terceira no ano de 2003. Depois passei para o posto de segunda nos anos de 2004 até 2008. Em 2009 fui convidada para ser a primeira porta-bandeira da União da Ilha, fui campeã com notas máximas e voltamos ao Grupo Especial, depois passei pela Viradouro como segunda, Tuiuti e Curicica como primeira, encerrei a carreira para ser mãe e não pretendo voltar, pois, hoje dedico a minha vida para minha filha”.
Volta ao Salgueiro
“Mesmo sendo porta-bandeira de outras escolas eu nunca deixei de sair do Salgueiro, o meu emprego oficial era nele. Desde os meus 19 anos, eu trabalhava na vila olímpica da escola e depois passei para a função de gerente administrativa da quadra. Cursei a faculdade de Comunicação Social e após isso saí para ir trabalhar na minha área de formação, mas continuei como integrante da comunidade”.
Presidência do Aprendizes
“Quando o André Vaz assumiu a presidência da escola mãe, ele me chamou para assumir a escola mirim. O André queria alguém que entendesse a comunidade, eu sabia bem das necessidades que ela tinha, além de uma abertura muito grande com todos eles”.
Trabalhos sociais antes e durante a pandemia
“Um dos maiores trabalhos que eu consegui trazer junto ao André foi o projeto ‘Salgueirar vem de criança’. A nossa escola não tinha escolinhas para a arte do carnaval, só para o esporte. Demos início antes da pandemia com as aulas de ballet, percussão (com um grande número de alunos portadores de deficiências motoras e mentais), samba no pé e para os pais não ficarem à toa esperando os filhos. Temos também a aula de ritmos e alegorias e adereços. Com a pandemia, focamos na busca pela minimização dos impactos dela na comunidade, a fome foi o maior fator e fizemos de tudo para não deixar ninguém passar fome, demos o nosso máximo com a distribuição de cestas básicas”.
Desafios de colocar uma escola mirim na avenida e o lado de bom
“O lado bom é por ser muito gratificante, eu me vejo neles… comecei na escola mirim. Tenho muitas memórias afetivas e isso me faz bem. O ruim é que a gente não tem apoio nenhum do governo para a execução dos desfiles, mas o Salgueiro me dá um apoio muito grande”.
Relação do poder público com o carnaval
“É um descaso total! As escolas de samba chegam nos lugares onde o governo não entra e somos nós que fazemos o papel de agente do bem e oportunidades. Olham quantas crianças eu as coirmãs tiramos do alvo das coisas ruins, damos acesso para a cultura e educação? Tinha que existir um investimento muito grande para as escolas mirins, o futuro do país são esses pequenos”.
Além da escola mirim, você se doa para a execução do desfile da escola mãe?
“Hoje o meu doar para a escola mãe é através do social. O trabalho do Aprendizes é tão intenso como o da escola matriz e acabo ficando sem tempo. Mas sempre que dá eu dou uma ajuda para todos que estão na execução do desfile, sempre desfilo com todos de camisa e próximo da bateria”.
O seu papel na comunidade salgueirense se destaca de que forma?
“Eu não deixei de ser comunidade e isso acabou fazendo com que eu seja um meio de comunicação da escola com o povo. Só entende quem é salgueiro”.
O que espera do futuro do carnaval?
“Eu tenho a certeza de que será um carnaval de resistência, quem sobreviveu, quem está com saúde e lembrando tudo que passamos”.
Panorama da nova e antiga gestão?
“Eu não trabalhei na antiga gestão, eu só posso falar é da atual. O André é muito humano, ele tem um olhar diferenciado. É Salgueiro, foi diretor de ala e sabe quem é cada família da escola e suas necessidades”.
Como conheceu o Lolo (marido e mestre de bateria da Imperatriz)?
“Eu o conheci no Tuiuti. Eu era a primeira porta-bandeira e ele diretor de bateria, fomos nos conhecendo e hoje formamos essa família linda com o fruto da nossa filha Luna.”
Como é ter um mestre de bateria em casa?
“Uma loucura! Eu nunca tive namorado de samba, sempre tive o estereótipo de que homem do carnaval é mulherengo, fui conhecendo ele e vi que não era dessa forma. O Lolo é muito íntegro, correto, humano e sempre me deu várias direções e ajudas nas minhas decisões”.
Sobre o carnaval?
“Todo mundo acha que carnaval é só um lazer de quatro dias, não é. Ele é uma ferramenta de mudança de vidas, eu sou um exemplo: filha de analfabetos, pobre, de favela e sem oportunidades. Se não fosse o carnaval eu hoje não seria uma pós-graduada”.