Por Gustavo Lima e Fábio Martins
A comunidade não é um segmento, mas é o bem mais precioso que uma escola de samba precisa ter para se reinventar a cada ano. É assim que a Dragões da Real corresponde, sempre abraçando decisões de sambas e temas, seguindo diversas vezes na mesma toada, desde quando conseguiu o acesso ao Grupo Especial, no ano de 2011. Isso tudo deve ser exaltado pelo fato do grande desempenho do ensaio na noite deste sábado, na Caverna do Dragão. Energia, intensidade e alegria são três ótimos adjetivos para se definir a atitude dos componentes, fazendo jus ao apelido de ‘comunidade de gente feliz’.
Enredo fora do habitual, mas a leveza continua
É a primeira vez que a agremiação terá um enredo com temática africana, sempre optando por enredos lúdicos e homenagens. Agora, a Dragões vai pegar um voo de João Pessoa até às realezas da África. Porém, de acordo com o diretor de carnaval, Márcio Santana, a essência da leveza do desfile não vai sair de cena. “Isso é identidade da escola. A gente não abre mão. A gente tem a ideia de fazer um desfile leve, solto, com a comunidade balançando muito, brincando efetivamente o carnaval, trazendo todo gingado, alegria e expressão corporal do povo africano para dentro do Anhembi”, declarou.
Realmente a comunidade é um ponto forte da escola. Perguntado sobre um grande trunfo do desfile para 2024, o diretor não hesitou em falar dos seus componentes. “Em primeira instância o nosso grande trunfo é a comunidade. Em tempos de tantas dificuldades ainda, de resgate de identidade do samba e do carnaval, ter uma comunidade presente, aguerrida e parceira, é sem dúvida nenhuma, um ponto a ser colocado no mais alto patamar. É isso que a gente carrega como a nossa preciosidade hoje”, completou.
‘Canto guerreiro, alma africana’
Por falar em dedicação, deve-se destacar o samba-enredo. É nítido que os componentes da Dragões da Real querem fazer da obra um hino em homenagem ao continente africano. Não somente carnaval, mas sim para ficar na história. É fato que o samba não teve uma aceitação popular, mas segundo os segmentos da escola, a comunidade abraçou. O intérprete, Renê Sobral, exaltou a obra, dizendo que é uma das melhores do carnaval e o trabalho feito em cima dela. “Vocês viram que o couro já está comendo aí, o povo já está com o samba na ponta da língua. Assim, o samba foi uma junção, fizemos uma reconstrução desse samba. E hoje temos aí, sou suspeito de falar, mas um dos melhores sambas do carnaval é o nosso samba da Dragões. Está vendo aí o povo cantando maravilhosamente bem. O desempenho a cada ensaio vem melhorando, o canto da escola, que é natural. E eu estou sentindo uma firmeza muito grande, uma confiança muito grande no canto da escola. A escola está absorvendo, está ficando orgânico. E estou muito feliz com o resultado dessa reconstrução, dessa junção do samba para 2024”, afirmou.
Perguntado sobre o trunfo do samba e a parte que mais gosta e acha interessante, Renê dissecou a canção inteira. O cantor está vislumbrado com o samba-enredo da Dragões da Real para 2024. “Eu acho que ele tem um apelo muito grande em algumas partes do samba, como o refrão de cabeça. A primeira do samba também é muito bonita, que ela traz o amor ao pavilhão, misturado com um pouco da religiosidade também, ali nas entrelinhas. O refrão de meio ele nos remete à África, isso é muito lindo, maravilhoso. Ou seja, eu estou praticamente o samba inteiro, mas eu estou pontuando os detalhes que esse samba traz. E a segunda do samba traz uma história de enredo muito bonita. Então nós temos vários detalhes no samba. Temos vários detalhes no samba e um samba que vai ter os seus momentos no desfile, não é aquele samba que vai ficar cansativo, porém ele vai ter seus momentos, sabe? Momento no refrão, momento na primeira, momento no refrão de meio e momento na segunda”, comentou.
O regulamento vem sendo trabalhado por todas as alas musicais. É sempre bom frisar que o carro de som será julgado no próximo carnaval. De acordo com o intérprete, estão tranquilos quanto a isso. “A gente sempre teve uma preocupação muito grande em todos os desfiles. Quem presta muita atenção no carro de som sempre vê que a gente vem com uma limpeza muito grande. A gente não vem com muita sujeira, é tudo muito pontuado. Então estamos tranquilos nestes sentidos, iremos fazer a limpeza que sempre fez, tomar cuidado com afinação, instrumentos que vão fazer acompanhamento, para que tudo corra bem e que a gente possa garantir nota dez para corroborar com a escola ao que ela almeja de ser campeão”, finalizou.
Novo regulamento não assusta
Um casal em sinergia é tudo o que uma escola precisa para a condução do seu pavilhão. A dupla Janny Moreno e Rubens Castro esbanjam carisma. Toda essa competência fez a parceria atingir os 40 pontos no Carnaval 2023. O casal falou sobre os ensaios que vem fazendo. Perguntado sobre fantasia, o casal disse que está 80% pronta.
“Está sendo gratificante, intenso ao mesmo tempo, desafiador. Porque é uma linha que a Dragões nunca veio, que é a África. Então, eu já dancei afros no carnaval, o Rubens há muito tempo atrás. É uma desconstrução, porque cada ano também é diferente. O samba é diferente, tudo fica diferente, mas intenso. Esse ano está um pouco mais intenso, por conta de ser uma nova proposta da escola”, comentou a porta-bandeira.
“A gente falou há muito tempo, eu tenho consciência que foram 20 anos. Foi em 2003 a última vez que eu dancei afro. É muito tempo. Então, de lá pra cá só é personagem e muito lúdico. É uma coisa com personagens, mas muito lúdicos. E aqui na Dragões é tudo uma novidade esse afro. Eu acredito que o samba nos ajuda, a fantasia está maravilhosa, a porta-bandeira é incrível. Tudo está sendo uma desconstrução e uma criação de um novo personagem pra vocês verem lá na avenida. Vai ser muito legal, aguardem!”, completou o mestre-sala.
O casal também comentou do novo regulamento que entrará em vigor no próximo carnaval. Janny diz que as mudanças impostas, a dupla já está acostumada a fazer. “Olha, o novo regulamento, se a gente for parar, pensar, analisar o direitinho, é a mesma proposta com algumas coisas assim alteradas. Agora o pavilhão, ele tem a medida mesmo padrão, é tradicional, que é 90 por 1,20. Como o meu pavilhão tem alguns raios, ele se torna um pouco mais pesado, tal, não sei o quê. Mas a gente está trabalhando também em cima disso. Mas o novo regulamento em si, está tranquilo, né Rubens? Tem mais uma questão de não andar mesmo, literalmente, a profissão de fato, mas tem ali o que a gente já faz. É uma coreografia, um passo marcado, um sincronismo”, explicou.
“Eu acho assim, o novo regulamento, ele pontua para todas as escolas uma nova tendência que estava se perdendo. Então você podia perceber que muitos casais passavam apáticos na avenida. Porque ele seguiu o regulamento que foi, tudo que é julgado tem que ser repaginado sempre. Por quê? As leis são para nortear, e quando a lei começa a nortear de uma forma cômoda, o espetáculo perde. Como Fórmula 1, qualquer coisa que é julgada, qualquer coisa que seja competitivo, tem que ter um toque de pimenta pra ter um diferencial na comida. Ou seja, eu coloco uma pimenta nova e o chefe de cozinha tem que tentar fazer o sabor da comida dele ficar bom, agradável ao paladar com essa pimenta nova. Então assim, pedir pra gente sorrir não é regulamento. Pedir pra gente não andar pro público que pagou a fortuna e juntou dinheiro o ano inteiro não é regulamento. Pedir para que todas as escolas venham com o mesmo tamanho de pavilhão, sendo que é uma competição, mesmo sendo amigos de todo mundo, não é regulamento”, concluiu o mestre-sala.
Mudanças dedicadas a um continente
Algumas modificações estão sendo feitas para se adequar ao enredo e a bateria ‘Ritmo que Incendeia’ não foge disso. É a batucada que dá o tom da escola e, segundo o mestre Klemen Gioz, o padrão fica intacto, mas se deve inovar. “A gente já vem colocando o nosso padrão de ritmo, mas acaba mudando. Do mesmo jeito que a gente foi lá para o nordeste, temos que ir para a nossa querida África para fazer ritmos africanos. Abaixei um pouco a afinação da bateria para a escola sentir mais um peso. O andamento vai ser o mesmo, valorizando o samba com uma pegada bem forte mesmo até para refletir na escola e os componentes fazerem a harmonia, cantando e evoluindo bastante”, contou.
Perguntado sobre novos instrumentos para como atabaques, Klemen diz que não vai inserir, mas terá outros naipes que vão dar o som propício ao tema. “O ano passado a gente veio com quatro repiques mor e no próximo desfile a gente vai com 10, justamente para chegar um pouco próximo dos tambores, porque tem uma levada peculiar bem parecida com os tambores africanos. Vamos dar uma esbanjada ali”, disse.
O diretor aproveitou para exaltar os seus ritmistas e dizer que eles são o principal instrumento da ‘Ritmo que Incedeia’. “O instrumento chave da minha bateria são os meus ritmistas. É um conjunto. A gente deixa tudo equalizado para todos falarem no momento certo. Você vai escutar o tamborim perguntando e o chocalho respondendo, agogôs e cuícas aparecendo, caixas, repique e surdos dando base. Então o fundamental são os meus ritmistas”, concluiu.