Localizado numa das comunidades com índices altíssimos de violência em Vitória, o coletivo Raízes da Piedade surgiu em 2008 com a ideia de dar um novo olhar para a comunidade e consequentemente para a escola de samba local. Vindo de uma última colocação, a Unidos da Piedade se via num momento de debandada de seus componentes e precisava de algo que fomentasse a união entre comunidade x escola. Um dos fundadores, o pesquisador Jocelino Junior, explicou ao site CARNAVALESCO como se deu o processo de criação do projeto.

“A proposta no início era de se unir ao mesmo processo de reestruturação da escola na época. Em 2008 a Piedade ficou na última colocação e precisou reencontrar sua origens. A reorganização institucional culminou com o enredo da Rua 7. Nesse mesmo embalo criamos o grupo com objetivo inicial de trabalhar com as crianças. Enquanto a escola de samba queria se reaproximar da comunidade e de sua história, fizemos a proposta de aproximar crianças e jovens. Considerando que na época da péssima classificação havia um enorme desinteresse e descrédito. Além disso, os morros naquela época já passavam por intenso conflito pelo controle do tráfico de drogas. A disputa se acirrava a cada ano, com isso, colocamos como perspectiva atender jovens para que não fossem incluídos no crime. As oficinas eram com temáticas ligadas ao carnaval como bateria, mestre-sala e porta-bandeira, passistas. Passamos 3 anos com essas atividades até se encorpar como um grupo mais sólido e organizado. Após esse período de ações ligadas a formações e oficinas, nos organizamos para projetos maiores. Disputamos editais nas secretarias para ter financiamento dos projetos. Em 2011 participamos e ganhamos de um edital para construção do centro de memória da Unidos da Piedade, no qual o Raízes seria gestor. Apesar de aprovado pelo MinC em parceria com a PMV, não foi a frente por divergências com a direção da escola de samba. A partir daí o coletivo decidiu que tocaria as ações independente da agremiação”.

Determinado a mudar a condição do jovem local, o Raízes buscou efetivar sua participação no seu entorno com atividades voltadas para a cultura, conforme contou Jocelino.

“De 2011 pra cá seguimos com o trabalho. Porque a identidade do projeto é de fortalecer os sambistas do morro da Fonte Grande e Piedade, nossa essência é esse território. Com a expansão, acabou se ampliando para o carnaval de Vitória como um todo. Diante do trabalho crescente também realizamos intercâmbios no Rio de Janeiro co ma ideia de levar as pessoas para conhecerem o samba em sua origem. Fizemos um seminário interno em parceria com o Império Serrano onde foi o pontapé inicial. Nossa estrutura de trabalho foi aumentando, lançamos o CD “Memórias II”, com sambas campeões da Unidos da Piedade que não haviam sido gravados. Foi um sucesso local, com 5 mil unidades distribuídas para a comunidade. O trabalho crescia e o povo do samba conhecia ainda mais. Em 2014 veio a ideia de continuar o trabalho de formação, onde voltamos para as crianças. Ajudamos a bateria, compramos instrumentos com a intenção de valorizar nossa localidade. Com a chegada de novos membros, o Raízes, foi necessário pensar novamente nossa atuação. A primeira atividade para o carnaval como um todo foi o curso de formação na Universidade Federal do Espírito Santo, com duração de 3 meses. Inédito em Vitória, sobre a concepção do carnaval. Envolvia o surgimento, metodologia, produção de fantasia e etc. Foram 60 pessoas que se formaram, com certificado emitido pela Universidade. Aí o Raízes despontou. E precisamos nos tornar um Instituto para poder captar recursos. Apesar do objetivo nunca ter sido esse, foi necessário.

Violência na comunidade não desanima integrantes e instituto recebe Prêmio Estadual de Direitos Humanos

Apesar de sempre ter convivido lado a lado com a violência, o morador da Fonte Grande e Piedade viu em 2018 o crime se estabelecer de maneira maciça naquele local. Naquele ano, cerca de 40 famílias saíram do Morro com medo da violência e ficaram desamparadas. O Instituto Raízes agiu e ajudou no processo.

“Criamos a casa de memória no morro em 2015, que é uma sede oficial do Raízes. Abrigamos fotografias, livros, vídeos e áudios do carnaval capixaba e do morro da Piedade. Apesar de ser reconhecida por muitos como local de socialização, precisamos fechá-la em 2018 devido conflitos de tráfico de drogas que aconteceram. Fizemos uma atuação muito forte em defesa das pessoas que precisaram sair do morro, e em meio as dificuldades, fomos reconhecidos com o Prêmio Estadual de Direitos Humanos naquele ano. Depois disso nossas atividades seguiram. Elaboramos o curso de formação “Seminário do Samba”, que tiveram duração de 3 dias, com cerca de 200 pessoas participando e convidados de São Paulo e Rio de Janeiro. De 3 em 3 meses acontece também um diálogo sobre o carnaval de Vitória para conversarmos e pensarmos juntos o que pode melhorar”, afirmou Jocelino.

Com o passar dos anos os membros do Instituto foram aumentando e a profissionalização também. Diante do cenário, surgiu a ideia de um documentário sobre o carnaval de Vitória, cujo os personagens seriam a “jovem guarda” de cada agremiação. E nasceu o “Espírito Samba”, que estreou na última quarta-feira.

“Nós sempre tivemos a vontade de registrar e sistematizar as informações e coletas sobre nossas pesquisas de carnaval. Apesar de temos inúmeras tarefas em amor ao samba, alguns dos membros também são pesquisadores. O documentário surge na perspectiva de ressaltar a participação juvenil no carnaval. E esses jovens reconhecem algumas referências positivas nos mais velhos. Todos os membros mais antigos que são citados foram apontados pelos jovens, foi assim que criamos a narrativa. Temos uma lacuna no carnaval que é o registro do seu início e formação. Essa é uma grande dificuldade no nosso carnaval. Observando essa lacuna buscamos fazer o registro audiovisual que falassem sua trajetória. Não especificamente de escola a ou b, a ideia era falar das pessoas que geralmente participam de nossas atividades e que haviam declarado fatos interessantes. O edital que financiou foi de um valor muito baixo mas não deixamos de fazer por causa disso. Foi um ano de pesquisa e as gravações aconteceram entre janeiro e fevereiro de 2019. Estamos colhendo os frutos e já pensamos no próximo, para falar do carnaval de Vitória como um todo”, finalizou o pesquisador.

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