Por Will Ferreira e Fábio Martins

A noite de sábado teve um evento inovador na Fábrica do Samba. Pela primeira vez, uma escola utilizou o próprio barracão para lançar o próprio enredo. E não foi apenas isso: a Dragões da Real caprichou na produção e emocionou todos os presentes ao revelar a própria temática para o carnaval 2025. Contando o ciclo da vida por meio da música “Aquarela”, escrita em italiano por Guido Moura e imortalizada com versão e voz de Toquinho, o desfile será intitulado como “A vida é um sonho pintado em aquarela”, idealizado pelo carnavalesco Jorge Freitas.

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Fotos de Fábio Martins/CARNAVALESCO

Com uma apresentação extensa e emocionante, a agremiação fez representações de outros clássicos de diversos gêneros – como “Epitáfio”, do Titãs; “Coração de Estudante”, de Milton Nascimento; e “Astronauta de Mármore”, do Nenhum de Nós.

Dor transformada

A inspiração para o enredo é tocante. No dia 16 de abril, Jorginho Freitas, neto do carnavalesco, faleceu. A consternação por conta da perda do rebento, entretanto, tornou-se a força propulsora para que o trabalho do profissional mudasse completamente. Em entrevista, Jorge Freitas, é claro, não negou o baque, mas refletiu sobre o quanto Jorginho o acompanhará – a começar pelo enredo desenvolvido:

Dragoes et FamiliaJorgeFreitas

“O trabalho em tal temática me deixa forte: tem o lado do meu neto Jorginho – que, nesse plano, era chamado de ‘grande astronauta’. Ele está me dando força para que eu faça o maior carnaval da minha vida. A vida nos prega algumas surpresas, e algumas coisas aparecem de repente, sem pedir licença, e a gente parte. O descolorir é como o carnaval: quando terminamos nosso desfile, cada um tira a sua fantasia e guarda para que, no próximo carnaval, a gente vista uma nova. Na vida também é assim: quando a gente parte desse plano para o espiritual, a gente veste uma nova fantasia para vir aqui novamente e pintar uma nova aquarela”, explicou, traçando um paralelo com os desfiles das escolas de samba.

A reação de Renato Remondini, popularmente conhecido como Tomate, presidente da agremiação, foi a mais sincera e emotiva possível: “Nós já tínhamos um enredo definido, com tudo certo. Mas… eu costumo dizer que enredo é igual samba: você tem que ouvir a ideia logo na primeira vez, e a ideia bate ou não bate. Quando trouxeram a ideia para o Jorge desenvolver e ele nos contou, a minha reação foi chorar. Fizemos um paralelo com tudo que aconteceu na vida dele e ficou emocionante”, desabafou o mandatário.

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Localizada na beira do palco montado pela agremiação para a apresentação (o tripé da comissão de frente reestilizado), cabe destacar que Tomate não foi o único a chorar: muitos dos presentes no evento debulharam lágrimas em muitas das apresentações – não apenas do enredo, já que a ocasião teve uma série de momentos coreográficos.

Quem também relembrou a primeira impressão que teve do enredo foi Márcio Santana, diretor de carnaval da agremiação: “A Dragões é uma escola muito aberta às inovações. Dito e feito, por exemplo, trazer o lançamento do enredo para dentro do próprio barracão na Fábrica do Samba. Quando chegou a proposta do enredo carregada de tanta emoção e simbolismo, não tinha como dizer não. Tudo caminhava para esse enredo”, contando, também o local escolhido para apresentar a temática à comunidade.

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Sol amarelo desenhado

Para começar a falar sobre a temática escolhida, Jorge, novamente, fez um paralelo dos versos do clássico de Toquinho com a existência e, também, com a partida do neto: “Acho que esse foi o momento mais difícil pelo qual eu passei na minha vida, e o nosso enredo deixa isso claro: quando a gente nasce, todo mundo sorri e a gente chora; quando nós partimos do plano material para o espiritual, a gente sorri e todos choram. A música ‘Aquarela’ tem tudo a ver com o ciclo da vida: tem o lado infantil, da imaginação; tem a juventude, desbravar para encontrar muros e desobstruí-los. E, aí, entramos em uma astronave rumo ao futuro. Através desses versos nós vamos fazer o nosso carnaval – mas o nosso carnaval, acima de tudo, será de sentimento”, afirmou.

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A analogia de Jorge Freitas retornou à baila quando Tomate citou-a durante a entrevista dele próprio: “Acho que o Jorge Freitas nunca foi tão feliz no sentido de realizar algo diante de tanta tristeza. Eu acho muito louco a percepção do Jorge de captar que, quando você nasce, você está chorando e está todo mundo sorrindo; mas, quando você morre, você está sorrindo e os demais estão chorando. Sentar e se debruçar sobre os desenhos que o Jorge fez… acho que o carnaval é a questão da identidade visual: você tem que olhar e tem que trazer algo da nossa memória afetiva. Estamos muito felizes, trabalhando muito e tenho certeza que virá um sambão”, comentou o presidente.

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A canção também foi tema de palavras de Márcio, que comentou sobre a experiência da escola em abordar músicas como um fio condutor: “Essa receita é muito rica musicalmente falando. E traz muita filosofia, também. Traz a história de um povo, traz cultura… são condições que abrem um imenso leque de possibilidade quando se pensa em enredo. E que, de verdade, é algo pouco explorado: temos muito para aproveitar em relação às músicas”, abordou.

Experiência no tema

Tanto a escola quanto o carnavalesco já produziram desfiles inteiros tendo como ponto de partida uma música. Em 2017, com “Dragões canta Asa Branca”, relembrando o clássico de Luiz Gonzaga, a agremiação foi a vice-campeã – com a mesma pontuação da Acadêmicos do Tatuapé, que abocanhou o título daquele ano. Já Jorge Freitas, em 2022, se inspirou na canção de Guilherme Arantes para conquistar o título na Mancha Verde com a temática “Planeta Água”.

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Ao ser perguntado sobre escola e carnavalesco revisitarem uma canção, Tomate destacou que a música foi apenas mais uma ponta para o enredo conquistá-lo: “Essa música marcou a infância de todo mundo. Não tem ninguém que não conheça essa música. Quando se pensa na memória da Dragões, em 2017, de uma forma exuberante e magistral, colocamos Asa Branca na avenida. Logo, quando me falaram da ideia do enredo, veio tudo na cabeça: Asa Branca, força da música ‘Aquarela’, emoção do Jorge… quando temos um carnavalesco motivado a fazer um enredo que é o sonho da vida dele, nada é maior que isso. Estamos felizes e emocionados demais. Para mim, é um enredaço aço aço. Independentemente do resultado do carnaval, vai ser um desfile maravilhoso”, comemorou.

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Além dos elogios à temática escolhida, Márcio trouxe outra visão, pouco mais cartesiana, sobre o que foi apresentado pela escola e, também, acerca da preparação para o desfile: “O enredo é muito amplo. Ele tem um fio condutor que é baseado em uma longa história – a nossa própria vida: do nascer até o descolorir, ao partir. Mas o partir em sinônimo de revivência. Acredito que é um enredo amplo demais, com muita coisa para ser explorada, muito rico. Com certeza vai trazer um samba maravilhoso, não tenho dúvida disso. Acho que a Dragões caminha para ter um dos três melhores sambas da história da escola com o que virá para esse enredo”, prometeu.

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Competitividade em alta

Ao falar sobre resultados e trabalho, entretanto, Jorge Freitas não nega a verve e a vontade de, mais uma ver, erguer o título do carnaval paulistano. Hexacampeão na folia da cidade, o carnavalesco, agora, deseja levar a Dragões da Real ao primeiro título do Grupo Especial da instituição – que, além do vice-campeonato em 2024, tem mais duas segundas colocações na história. Aproveitando para adiantar um pouco sobre os próximos passos da agremiação, o profissional pontuou que a emoção será o grande norte ao longo do desfile:

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“Nossa explanação do enredo, na terça-feira, é válida; mas só quem viesse hoje saberia o espírito. Quando fazemos qualquer coisa com o sentimento, a tendência é que façamos o melhor – as energias chegam e você consegue programar um conteúdo maravilhoso. Esperem da Dragões um grande carnaval e um grande espetáculo. Com certeza estaremos proporcionando, como a terceira agremiação da sexta-feira de carnaval, um grande espetáculo”, arrebatou.

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Falando sobre algo mais prático e palpável, a disputa do samba-enredo, Márcio também destacou que, embora, tenha um norte, não fecha portas para nada: “Inicialmente, prevemos a disputa como é tradição da casa. Mas, é claro, dependemos do mercado de compositores. Precisamos de um samba que carregue emoção e tenha a identidade do enredo. Nesse momento, defendemos a disputa; mas estamos aberto ao novo”, comentou. É importante relembrar que em 2024, por exemplo, o enredo “África – Uma constelação de reis e rainhas” teve a junção de duas composições.

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O contato com os compositores, por sinal, já foi feito na própria apresentação do enredo, de acordo com o diretor de carnaval: “Teremos, na próxima terça-feira, a explanação do nosso enredo. Temos, então, um segundo contato com o enredo, já que abrimos o contato a todos os compositores para que eles pudessem sentir o lançamento do nosso enredo. Não queremos apenas uma composição, queremos a participação e a presença dos nossos compositores – e eu vi muitos deles aqui. Queríamos o sentimento deles, de antemão, sentir o enredo; para, depois, ir para caneta e partitura”, finalizou.

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