Na celebração dos 70 anos de uma grandiosa história, o Salgueiro se apresentou no Theatro Municipal, na noite desta segunda-feira, sendo a primeira vez que uma escola de samba se exibiu neste espaço tão rico para a cultura carioca e nacional. O espetáculo “Mercedes Baptista – 100 anos” prestou homenagem à primeira bailarina negra a integrar o corpo de baile de um dos teatros mais importantes do país. A apresentação foi coreografada por Marcella Gil, Patrick Carvalho e Carlinhos Salgueiro e faz parte do projeto contemplado pelo edital Municipal em Cena, da Secretaria Estadual de Cultura e Economia Criativa do Rio de Janeiro.

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Fotos: Luan Costa/Site CARNAVALESCO

Integrantes da escola interpretaram a importante personagem em quatro momentos, da infância à sua chegada ao Salgueiro. Vale destacar que toda produção e concepção do espetáculo, assim como o elenco, foi formado por profissionais da vermelho e branco. Antes da apresentação, a escola exibiu a exposição Sal70 anos, que reuniu peças do acervo da agremiação, fantasias e fotografias com curadoria de Eduardo Pinto, diretor cultural e de destaques, e de Belizário Távora.

Nascido e criado em comunidade, Patrick Carvalho é coreógrafo da comissão de frente do Salgueiro e colaborou para a realização desse espetáculo. Ele, que assim como Mercedes Baptista, é um bailarino negro, destacou o pioneirismo dela e disse que retratar sua história sempre gera um frio na barriga. O coreógrafo ressaltou ainda que o Salgueiro é a escola certa para apresentar essa história dentro do Theatro Municipal, afinal, a vida de ambos se entrelaçaram lá passado. Patrick revelou também que a comissão de frente de 2022, em que a bailarina Ingrid Silva representou Mercedes, foi a mais especial de sua vida.

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“Só de ser Mercedes é muito importante. Eu conversei muito com a Ingrid. Quando ela chegou aqui falou assim: ‘Patrick, quando a gente começa a falar ou fazer ou representar qualquer coisa de Mercedes Baptista, a gente sempre se coloca no lugar do frio na barriga, porque ela foi tão importante que o que a gente faz, parece até ser muito pequeno, mas o importante é fazer’. Tinha que ser o Salgueiro, não tinha como ser outra escola para chegar aqui no Theatro Municipal e colocar um espetáculo sobre a Mercedes. E o legal desse espetáculo é que tem coisas da Mercedes, tem muitas inspirações nossas para apresentar a Mercedes. A gente continua com as nossas ideias, inspirados. É o legado. Aquela comissão de frente de 2022, talvez, tenha sido uma de maior importância da minha vida. Todo mundo elogia a do Tuiuti (2018), em que eu conto uma história, mas a Mercedes é diferente. Só existe um Patrick Carvalho, porque existe uma Mercedes Baptista, só existe Ingrid Silva porque existiu uma Mercedes. Hoje é para mostrar que a Mercedes foi, mas o legado inteiro dela está aqui com a gente, não pode parar não”, disse Patrick.

André Vaz, presidente do Salgueiro, aproveitou para agradecer à Secretaria de Cultura do Estado do Rio de Janeiro, ele também ressaltou que é uma emoção muito grande comemorar o centenário de Mercedes Baptista e os 70 anos da escola.

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Foto: Anderson Borde/Divulgação Salgueiro

“A emoção é grande, esse é um projeto incentivado pela Secretaria de Cultura do Estado do Rio de Janeiro, comemorando cem anos de Mercedes, primeira bailarina negra, sua relação com o Salgueiro e os 70 anos da escola. É uma data especial, um ano especial para gente, comemorando nosso aniversário e ao mesmo tempo tendo a honra de estar presente no lugar mais sagrado que a cultura tem no Brasil, que é o Theatro Municipal”, disse.

Recém chegado na escola, o diretor de carnaval Wilsinho Alves destacou a importância desse momento para a cultura do Rio de Janeiro, ele aproveitou para parabenizar Luciane Malaquias e Victor Brito, responsáveis pela produção do projeto. Wilsinho ressaltou ainda a grandeza do Salgueiro e a importância de unir o popular com o erudito, segundo ele, é um marco para o carnaval.

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“A gente tem que enaltecer a grandeza do Salgueiro fazendo 70 anos, a diretoria da escola que teve essa iniciativa de apresentar esse projeto, está de parabéns, a Lu e ao Vitor que foram os executores do projeto junto com toda a equipe. Quando a gente vê uma escola de samba dentro do Municipal temos a real grandeza da dimensão dessa escola. Eu já tive aqui com a Vila Isabel quando fiz nesse salão o lançamento do enredo sobre o Theatro Municipal, mas pela primeira vez uma escola vai se apresentar homenageando Mercedes Baptista aqui dentro. É uma oportunidade única, é um marco para o carnaval e para as escolas de samba como um todo”, afirmou o diretor.

Coube a Milton Cunha, grande comandante da noite, sempre carismático e esbanjando simpatia, aproveitou para fazer uma crítica. Segundo ele, a cultura popular é pouco valorizada no Brasil, e, portanto, momentos como esse, em que uma escola da grandeza do Salgueiro pisa em um templo como o Theatro Municipal, deve ser enaltecido e parabenizado.

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“Eu acho que o Brasil valoriza pouco a sua cultura popular. Cada vez que a cultura popular invade esses templos tipo Academia Brasileira de Letras, Theatro Municipal, é interessante, engraçado e empoderamento. Muito aqui para nós o samba nunca precisou desse tipo de referência para existir e arrasar. Quem ganha é o templo Theatro Municipal, porque o samba, a escola e a comunidade são muito maiores, mas é muito lindo ver um cenário tão lindo quanto esse, alegórico, carnavalesco, com touros no teto, uma coisa tão João Trinta e aí Salgueiro aqui dançando, cantando uma mulher negra maravilhosa, a frente de seu tempo, como essa escola. Eu acho que é um orgasmo, acho que é uma apoteose, eu acho que é o momento fabuloso que já abre a folia 2024, a folia do ano do veado”, destacou.

Marcella Gil, coreógrafa do primeiro casal de mestre-sala e porta-bandeira do Salgueiro, foi uma das responsáveis por coreografar o espetáculo, ela conta que foi prazeroso contar um pouco da história de Mercedes. Ela explicou que o projeto estava previsto para 2021, mas por conta das restrições impostas pela pandemia, ele foi adiado e agora pôde enfim ser aberto ao público.

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“A história de Mercedes é maravilhosa, uma negra, uma mulher que correu atrás, que lutou, que conquistou um espaço. Uma mulher que em todas as fases da vida dela trouxe mudança, conquista e deixou para gente hoje um legado gigantesco. Eu brinco que a gente fez uma colcha de retalhos, eu fiz uma parte, o Patrick outra e o Carlinhos finalizou. Na primeira fase dela como bailarina clássica, eu chamei uma primeira bailarina aqui do Theatro, ela dançou a parte clássica, não foi muito difícil. Eu simplesmente adaptei o material humano que eu tinha para caber dentro de um espetáculo, daqui pra frente eu espero que esse espetáculo tenha sido um sucesso absoluto. Essa história, na verdade, deveria ter sido contada em 2021, no centenário da Mercedes Baptista, mas com a pandemia e as restrições todas a gente não conseguiu, mas hoje estamos aqui”, comentou Marcella.

Maria Augusta, carnavalesca do Salgueiro nos títulos de 1971 e 1974, é testemunha da história e conta que se sentiu representada durante o espetáculo. Para ela, o que chamou mais atenção foi o alto nível da apresentação, Maria disse ainda o show desta noite foi um passo para a integração da cultura popular à cultura erudita.

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“Eu estou muito emocionada porque pra mim foi uma revisão da minha vida. Mexeu muito comigo e gostei muito da qualidade. Isso para mim talvez seja o mais importante, porque o lugar não é só o Theatro Municipal, é o Assyrio que é um requinte. Fazer um show contando a história do Salgueiro é inédito nas escolas de samba e é um passo de integração da nossa cultura popular à cultura erudita. Isso para mim não tem preço, é maravilhoso”, disse Maria Augusta.

Presente em grandes momentos da história do Salgueiro, como no cinquentenário da agremiação, a premiadíssima porta-bandeira Marcella Alves revelou estar emocionada e feliz por estar presente também nesse grande momento que foi a homenagem à Mercedes Baptista. Ela ressaltou que o Theatro Municipal é uma casa do governo e deve promover cultura, sendo assim, nada melhor que o carnaval fazer parte disso.

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“Eu fiquei muito emocionada, muito feliz e aí tenho o privilégio de dizer que eu estive em grandes momentos da minha escola de coração, no cinquentenário, tive agora nos 70 anos e esse momento lindo que é a comemoração dos 100 anos da Mercedes Baptista, uma pessoa que foi de extrema importância. A gente poder estar aqui dentro do Municipal mostrando nossa arte, os bailarinos do samba, é um marco muito importante e uma felicidade muito grande eu estar sendo a principal defensora do pavilhão de Salgueiro neste momento”, pontuou Marcella.

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Sabrina Ginga, influencer, passista e Embaixadora da escola representou Xica da Silva, que marcou o início da trajetória de Mercedes Baptista na Academia do Samba. Para Sabrina, o espetáculo serviu para perpetuar o legado, a quem ela é muito grata por tudo que fez pelas pessoas negras no passado. A passista aproveitou para enaltecer as escolas de samba e dizer que a cultura popular é de extrema importância para nossa sociedade.

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“Eu me sinto extremamente lisonjeada e extremamente feliz em continuar o legado de dona Mercedes, que lutou pelo protagonismo das pessoas negras dentro dos dos espaços como um todo. Lutou pela nossa dignidade, pela nossa pela nossa saúde mental, física, lutou muito pela gente. A escola de samba que sustenta a cultura dessa cidade nunca tinha apresentado aqui, isso fala muita coisa sobre o racismo estrutural mesmo na cidade do Rio de Janeiro e no Brasil de maneira geral. É mais uma conquista, mais um passo e a continuação do legado de dona Mercedes”, garantiu a passista.