Por Diogo Sampaio, Luan Costa, Augusto Werneck e fotos de Allan Duffes
Saravá Keindhe! A Portela abriu as portas de sua quadra, na noite dessa sexta-feira, para realizar a grande final do concurso de samba-enredo para o Carnaval de 2024. Três parcerias chegaram na etapa decisiva da competição e cada uma teve 30 minutos para se apresentar, sendo as duas primeiras passadas sem bateria. A vencedora foi anunciada já na manhã deste sábado e a obra escolhida como hino oficial da Majestade do Samba foi a de autoria de Wanderley Monteiro, Rafael Gigante, Vinicius Ferreira, Jefferson Oliveira, Hélio Porto, Bira e André do Posto 7. Ela irá embalar o enredo “Um Defeito de Cor”, desenvolvido pela dupla de carnavalescos formada por André Rodrigues e Antônio Gonzaga.
Baseado no romance “Um Defeito de Cor”, da escritora Ana Maria Gonçalves, a proposta é trazer uma outra perspectiva da história, refazendo os caminhos imaginados da história da mãe preta, Luisa Mahim. No ano que vem, a azul e branca de Oswaldo Cruz e Madureira será a segunda escola a desfilar no Sambódromo da Marquês de Sapucaí na segunda-feira de Carnaval, dia 12 de fevereiro, pelo Grupo Especial. A agremiação irá em busca do seu vigésimo terceiro título de campeã da folia carioca. Com a conquista na disputa de samba-enredo da Portela para o Carnaval 2024 o compositor Wanderley Monteiro chegou ao topo dos compositores mais vencedores da Águia. Agora, são oito vitórias. Ele ultrapassou Noca e David Corrêa, que venceram sete vezes na escola de Oswaldo Cruz e Madureira.
“Essa é uma vitória maiúscula, porque a disputa na Portela tem sido muito difícil. A qualidade dos sambas concorrentes e toda a engrenagem que passou a envolver o concurso de samba-enredo são alguns dos fatores que tornam essa vitória muito grande. É uma satisfação enorme para mim e para os meus parceiros, a quem quero agradecer pela confiança e pelo carinho. Está todo mundo muito feliz por tudo que vem acontecendo com a gente. E essa vitória ainda tem um sabor especial por ser a minha oitava aqui na Portela. Com isso, estou tendo a felicidade de ultrapassar dois mestres, que são o Noca e o David Corrêa, que tem sete sambas cada um. Mas isso, pra mim, não é o mais importante. O que realmente vale é a vitória com os parceiros e acima de tudo essa multidão de portelenses abraçarem o samba. Não adianta fazer um que a torcida, que o componente da Portela não abrace. O mais importante é fazer um samba que o portelense goste, que bata no peito e fale: ‘esse é o samba para Avenida’. Isso é que me dá mais alegria”, comentou o compositor Wanderley Monteiro.
“A Portela é a nossa casa. A gente já perdeu muitas finais. A gente nasceu compositor na Portela. A Portela é a extensão da minha casa, da minha família. Aqui é o auge do compositor. A gente está na maior campeã do Carnaval. É a maior escola de samba do mundo. A gente vai ter um samba na Avenida cantado pela maior escola de samba do mundo. Eu gosto do samba todo. Mas a parte final, o refrão principal, me emociona muito”, disse o compositor Rafael Gigante.
“É difícil nesse momento mensurar o tamanho da minha felicidade, não cabe em Madureira e não cabe no mundo, é uma emoção sem tamanho vencer aqui. A parte que eu mais gosto é o refrão principal, que a Portela seja abençoada na avenida e que traga mais um campeonato pra gente”, disse o compositor André do Posto 7.
Carnavalescos projetam uma nova Portela
Os carnavalescos Antônio Gonzaga e André Rodrigues estão desenvolvendo o desfile portelense para 2024. Inicialmente, eles contaram o que é possível esperar da apresentação no ano que vem.
“Pode esperar uma Portela competitiva, uma Portela consciente da grandeza que ela tem e uma Portela feliz, sobretudo feliz”, pontuou Antonio.
“Um escola competitiva. Acho que eu vejo uma escola leve, comprometida, competitiva, que acredita. Os melhores fatores que fazem uma escola de samba se credenciar, acho que está para além do visual aqui. Acho que está dentro da formação mesmo daquilo que a gente pode construir com eles. Nós carnavalescos, enfim, segmentos e a própria comunidade. Acho que isso é a coisa mais legal que tem aqui hoje”, citou Rodrigues.
Gonzaga disse qual mensagem eles querem passar com o enredo. “A gente quer reconectar a Portela com suas raízes negras, suas raízes profundas. O enredo da Portela é uma celebração à mulher preta brasileira. A gente usa a figura da Luisa Mahin, personagem do livro Um Defeito de cor, Ana Maria Gonçalves, pra todas essas mulheres pretas que construíram o Brasil que a gente acredita e a Portela não deixa de ser essa grande anciã preta, essa mãe pro nosso Carnaval, pro nosso samba, pra nossa história”, disse o carnavalesco.
André Rodrigues completou: “Principalmente e afeto. De carinho, de cuidado, é óbvio que tem um recorte racial dentro desse enredo, senão não teria um defeito de cor, mas eu acho que tem essa mensagem principal de cuidado, de carinho, de afeto que eu acho que é o que todo mundo no fundo tava precisando um pouco, principalmente a Portela. As pessoas da Portela em si precisando um pouco desse carinho, desse afeto, dessa união. Acho que tudo casou perfeitamente pra gente chegar na noite de hoje e depois no desfile assim, vai ser muito legal”, disse André.
Por fim, a dupla disse o que o portelense pode esperar da parte plástica. “Pode esperar uma Portela com algumas propostas diferentes, respeitando suas tradições, a Portela vai vir bem vestida, vai vir com alegorias grandiosas, mas vai vir com cara de Portela também. Não necessariamente o que a gente está acostumado a ver, mas uma Portela que vai se identificar com o que vai ser proposto”, frisou Antonio.
“É uma plástica feita com muita certeza daquilo que a gente quer. A gente tá com o pé muito firme naquilo que a gente escolheu, daquilo que a gente quer apresentar e daquilo que a gente acredita que é o melhor do nosso trabalho pra Portela. Acho que com isso a gente já tá meio caminho andado. Apesar de ser uma escola extremamente tradicional, do tamanho da Portela, a gente chega muito jovem, mas com muita certeza daquilo que a gente tem para propor e pra entregar pra Portela”, afirmou André.
Novidade na apuração dos votos na final
A Portela ainda contou com uma novidade no processo de escolha do hino oficial para o ano que vem. Pela primeira vez na história, a imprensa pode acompanhar a apuração do resultado. Foram 30 votos ao todo, dados por segmentos e baluartes da Majestade do Samba. Além disso, os jornalistas também puderam participar da votação e a vontade da maioria foi contabilizada como um voto. Por fim, o placar terminou com 24 votos para a parceria de Wanderley Monteiro, seis para a de Samir Trindade e nenhum para a de Jorge do Batuke. Em entrevista concedida a reportagem do site CARNAVALESCO, o presidente da agremiação, Fábio Pavão, explicou os motivos que levaram a direção a adotar esse novo modelo para decisão da disputa.
“Nossa intenção foi dar o máximo de transparência e lisura possível ao processo. Nós sempre respeitamos a vontade da escola, dos seus segmentos, daqueles que fazem e que vão brigar por notas. Prova disso é que a gente sempre faz a nossa apuração. Somente nos dois últimos anos teve o programa da Globo que a gente não pode fazer. Dessa vez a gente quis colocar todo mundo na sala, com a presença da imprensa, abrindo envelope por envelope. E vamos além, pois iremos divulgar o que cada um votou. O portelense merece essa transparência. É um modelo que acredito que veio pra ficar, porque a gente não tem nada a perder. Quem faz o trabalho com lisura, com transparência, não precisa ter medo, é só apresentar o resultado”, afirmou o dirigente.
O vice-presidente da azul e branca, Junior Escafura, destacou a boa safra de sambas da escola, segundo ele grandes sambas passaram pelo concurso, com grandes obras ficando pelo caminho, ele aproveitou para parabenizar as parcerias finalistas e disse que o portelense está feliz com os rumos para o próximo carnaval, fruto de um enredo bem desenvolvido pelos carnavalescos recém contratados.
“Estamos todos muitos felizes, o portelense está feliz, os três sambas são maravilhosos, tivemos uma safra muito boa, grandes sambas passaram por aqui, infelizmente nem todos podem vir pra final, mas temos a consciência de que os melhores chegaram, qualquer um que ganhar a Portela estará bem servida. Todos eles já preencheram o que esperamos, não pode faltar é contar o enredo da forma correta, e uma melodia que o portelense goste, que emocione. O fator primordial para que a safra fosse tão boa foi o enredo, muito desenvolvido, inspirado na obra de Ana Maria Gonçalves, “Um defeito de cor”, o André e o Antônio forem muito bem, desde o desenvolvimento até a sinopse”, disse Escafura.
O alto nível da safra portelense para o Carnaval de 2024 foi elogiado pelo intérprete Gilsinho em conversa com a reportagem do site CARNAVALESCO. O cantor avaliou como justo o resultado do samba campeão e destacou que os preparativos para a gravação oficial irão começar já na próxima semana.
“Foi uma disputa realmente acirrada. A safra foi muito boa, repleta de grandes sambas, alguns deles ficaram no caminho, mas chegaram três obras incríveis nessa final. Acho que o resultado foi justo, ganhou o melhor samba de fato, e espero que ele nos faça muito felizes na Avenida. Agora é ensaiar e fazer com que esse samba cresça cada vez mais. Quanto a gravação, a gente vai fazer o arranjo aqui a partir de segunda-feira e vamos trabalhar em cima disso”, relatou o intérprete.
O mestre Nilo Sérgio também conversou com a reportagem do site CARNAVALESCO e foi mais um que rasgou elogios para a qualidade das obras finalistas. O comandante da “Tabajara do Samba” destacou que, a partir do momento da escolha, o trabalho de preparação para o desfile começa a ser imediatamente mais intenso, com a ampliação do número de ensaios por exemplo.
“Os três sambas são maravilhosos e chegaram merecidamente na final. O primeiro passo após esse resultado é falar com os diretores. Já tenho algumas coisas em mente. Passei algumas delas para eles e depois irei repassar para a bateria. Afinal, teremos a gravação em breve e precisamos nos preparar. Algumas coisas que forem feitas até lá podem ficar para o desfile, enquanto outras não. Só quando a gente começa a trabalhar é que consegue ver realmente o que o samba pede e o que pode melhorar. Ao todo, os nossos ensaios serão toda segunda, quarta e sexta, além de domingo quando começar na rua. A ideia é aproveitar esses treinos para fazer os melhores ajustes e chegar na hora do ensaio técnico, além do desfile, já com tudo certo”, garantiu o comandante dos ritmistas da azul e branca de Oswaldo Cruz e Madureira.
O desfile de 2024 da Portela será o primeiro da parceria entre Marlon Lamar e Squel Jorgea. Desde o Carnaval de 2018 na Majestade do Samba, o mestre-sala terá o desafio de dançar com uma nova parceira após seis carnavais atuando ao lado de Lucinha Nobre. Já a porta-bandeira, recém-chegada a escola, terá a missão de conduzir o primeiro pavilhão depois de um ano afastada do posto. Mesmo com todos esses obstáculos a serem superados, os dois garantem estar confiantes para a estreia desse novo casal na Marquês de Sapucaí. Em entrevista concedida para a reportagem do site CARNAVALESCO, a dupla assegurou que irá intensificar a rotina de ensaios já nos próximos dias e que pretende começar a trabalhar em cima do samba escolhido o quanto antes.
“O resultado dessa final reflete a comunidade como um todo. É uma votação aberta, onde todos os segmentos participam, colocam o seu voto, com o seu ponto de vista sobre. Eu acho que é um momento feliz da Portela. Energeticamente é perceptível isso. Tendo esse ponto em vista, o samba campeão foi a escolha certa para essa fase. Não tenho dúvidas que vai ser um desfile arrebatador nos moldes da Portela. E quanto à preparação, ela muda com a escolha do samba. Agora, o nosso foco passa a ser de fato na criação coreográfica baseada nele. Posso garantir que estou muito feliz, muito esperançoso, pois a Squel e eu conversamos muito. A gente leva esse Carnaval de 2024 como o das nossas vidas. Eu pela nova parceria e ela por estar retornando ao posto de porta-bandeira após um ano. Então, temos vários pontos importantes e vamos levar isso para coreografia. Queremos que os jurados sintam isso. A gente espera conseguir transmitir pra eles toda a nossa satisfação e honraria de defender esse pavilhão da Portela”, pontuou Marlon Lamar.
“Foi uma safra linda, uma disputa muito bonita e chegou na final os três melhores sambas. Então, isso nos deixou muito confortáveis, tranquilos, para tomarmos a decisão. Qualquer um que vencesse, eu ficaria muito feliz. Todos eles poderiam ir pra Avenida e defenderiam bem o nosso enredo. Agora, com o samba escolhido, segunda-feira já temos ensaio. Vamos começar a trabalhar em cima desse samba com foco total na preparação para o desfile. Aí é ensaio de canto da Portela, samba na sexta-feira, ensaios particulares… É a fase em que a gente deixa de ter vida e começa a usar muito aquela frase famosa: ‘Não posso, tenho ensaio'”, respondeu a porta-bandeira, de forma bem humorada.
Análise das apresentações das parcerias na final
Parceria de Samir Trindade: A parceria composta por Samir Trindade, Valtinho Botafogo, Junior Falcão, Brian Ramos, Fabrício Sena, Deiny Leite e Paulo Lopita 77 foi a primeira a se apresentar nesta final. No comando do carro de som dois intérpretes consagrados, Marquinho Art’Samba e Bruno Ribas, que apesar de alguns desencontros no início foram peças fundamentais para a apresentação arrebatadora da obra. Antes mesmo do início da apresentação já era possível notar que algo muito forte iria acontecer, a quadra inteira se mobilizou para apoiar a obra que caiu nas graças do portelense ao longo da competição. Toda apresentação foi emocionante, vários segmentos da escola se emocionaram, logo no início o samba foi sustentado apenas com o canto popular, a sensação era de que uma só voz conduziu a obra. De forma espontânea foi possível perceber muitos segmentos cantando junto, baianas, harmonias, direção de carnaval são exemplos. Além de todo vigor, a parceria levou para a quadra elementos que engrandeceram a apresentação, um elemento cênico representou a águia, símbolo da escola, e um outro representou uma santa, além disso foram usados papéis picados e adereços de mão. Foram 30 minutos de uma apresentação arrebatadora, várias partes podem ser destacadas, mas vale o registro do refrão principal.
Parceira de Wanderley Monteiro: a segunda parceira da noite foi composta por Rafael Gigante, Vinicius Ferreira, Wanderley Monteiro, Jefferson Oliveira, Hélio Porto, Bira e André do Posto 7. Coube a Wander Pires conduzir a obra, sempre impecável, o cantor foi o grande responsável para que a apresentação fosse espetacular. O samba mostrou sua força e contagiou boa parte da quadra, em vários pontos era possível ver bandeirinhas tremulando. Apesar de não ter muitos momentos de explosão, o samba conseguiu se manter estável do início ao fim, apenas com uma pequena queda de rendimento nos momentos finais. Vários segmentos embarcaram junto com a parceria e o resultado foi mais uma apresentação extremamente acolhida pela comunidade.
Parceria de Jorge do Batuke: a última parceria da final foi composta por Jorge do Batuke, Claudinho Oliveira, Zé Márcio Carvalho, Leko 7, Romeu D Malandro, Silas Augusto e Araguaci. Já era manhã quando a apresentação começou, coube aos intérpretes Zé Paulo Sierra e Tem Tem Jr conduzirem a obra, com muito vigor e animação, eles deram conta do recado embalaram uma torcida animada. A parte final do samba é extremamente forte, o verso “Se prometeram nos matar, prometemos não morrer”resume a mensagem do enredo e serviu como combustível para que a apresentação fosse aguerrida. O refrão principal foi destaque durante a apresentação, que contou com apoio tímido de segmentos da escola. A parceria contou com bandeirinhas e muito papel picado para causar um efeito visual interessante. Mesmo com o cansaço de boa parte das pessoas presentes na quadra, o samba apresentou pouca variação durante a apresentação e encerrou a disputa mantendo o alto nível.