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Freddy Ferreira: ‘Quer saber o andamento ideal da bateria? Escute o que o samba diz’

O andamento da bateria é uma questão musical delicada que carece de uma boa dose de alinhamento dentro de uma agremiação. Por mais que normalmente quem faça essa escolha seja o mestre da bateria, o intérprete é uma parte interessada, já que será responsável direto pela execução vocal do samba-enredo. Muitas escolas, inclusive, possuem diretores musicais, que também costumam ter voz ativa na escolha do BPM ideal para o desfile.

Freddy Ferreira é colunista de bateria do CARNAVALESCO

Batidas por Minuto ou Batimentos por Minuto (BPM) é uma velocidade rítmica. Serve para medir a pulsação do coração humano ou mesmo o andamento musical. No universo rítmico, um metrônomo é o aparelho que mede o BPM das baterias e hoje em dia todos os jurados do segmento possuem esse recurso dentro da cabine julgadora. No entanto, é importante ressaltar que bateria de escola de samba envolve, sobretudo, sentimento humano. Isso torna a oscilação uma reação humana natural. É normal, por exemplo, diretores de bateria pedindo para a galera do ritmo “segurar a onda” assim que a bateria sobe. Nessa hora, a emoção normalmente domina as ações dos ritmistas, que tanto ensaiaram para vivenciar aquele momento dentro do primeiro recuo.

Alguns ritmos possuem, até por tradição e característica, andamentos específicos previamente definidos. Como exemplo é possível citar a bateria da Mocidade Independente de Padre Miguel. Com uma batida de caixas de guerra peculiar, o charme musical de sua execução reside na acentuação do toque com a mão invertida. A mão considerada “fraca” acentua a batida, ritmando o toque que precisa necessariamente de um andamento mais cadenciado para ser apresentado de forma limpa e enxuta. Caso contrário, essa questão técnica pode ser prejudicada, deixando o toque com som da baqueta arrastando evidente na sonoridade produzida.

De forma geral, costuma ser relativamente mais fácil encaixar batidas em andamentos mais para trás, além da propagação sonora ser positivamente impactada pela cadência. Quando um ritmo possui um andamento muito acelerado, dependendo do toque de caixa, pode ocorrer prejuízo musical no resultado final da propagação sonora. Por vezes, nesses casos, é possível identificar uma sonoridade mais mecânica, “quadrada” e sem valorizar a beleza rítmica envolvendo todas as acentuações da batida. Outro prejuízo sonoro de um andamento mais acelerado costuma ser na execução de bossas. Por mais interligada que esteja à música ao arranjo, executar paradinha com andamento muito para frente pode deixar a convenção “suja”. É como se a própria integração musical fosse prejudicada e a falta de fluidez sonora na bossa deixasse o arranjo mais bruto. Lapidar musicalmente as paradinhas, dependendo do caso, pode ser conseguido só jogando o ritmo um pouco mais para trás, garantindo assim uma integração musical plena.

Outro fato que deve incomodar mestres que estão buscando cadenciar seus ritmos são as prejudiciais análises que sentenciam que determinada bateria tocando para trás vai “matar o samba”. A situação é ainda mais ingrata quando se trata de ritmo que costuma ser acelerado e o mestre busca uma adaptação à cadência. Pois aí existe também a questão de identificação cultural de uma agremiação com um ritmo historicamente mais para frente. É normal, nesses casos, que role um estranhamento inicial. Esse processo, por mais trabalhoso que possa ser, pode representar uma repaginada musical no ritmo da bateria. Toda mudança carrega consigo uma parcela de resistência. Basta ter persistência naquilo que acredita e resiliência para se manter seguro durante as inevitáveis pancadas durante o processo.

Não existe receita de bolo que deixa um andamento de um ritmo predefinido. A adaptação rítmica ao samba-enredo da agremiação é um verdadeiro processo. É possível dizer, inclusive, que seu funcionamento se dá pelo método de tentativa e erro. Ao longo de toda uma temporada de ensaios ajustes vão sendo realizados e cada vez mais escolas se integram através de um alinhamento musical interno. O velho e bom bate papo entre mestre de bateria, diretor musical e intérprete. Como sambista gosta de resenha faz parte da cultura rítmica das agremiações essas avaliações informais. O mestre de bateria necessariamente, por reger o ritmo, acaba não tendo oportunidade de avaliar de fora a execução do samba do ano. O intérprete, por ter que cantar a todo instante, também não consegue ter uma percepção externa de como está fluindo o samba. Isso mostra como pode ser relevante o trabalho do diretor musical, pois sua avaliação neutra e de fora é suficientemente capaz de auxiliar musicalmente a bateria em definir o melhor andamento possível para sua obra, levando sempre em conta o canto e a dança dos componentes.

No fundo, não é segredo de ninguém que quem dita o andamento é o samba. Uma bateria é responsável por acompanhar ritmicamente o samba-enredo, permitindo que a canção seja cantada em coro, enquanto os componentes evoluem se expressando com o corpo. Todo samba-enredo tem um determinado andamento que permite fluidez no seu canto e proporciona a melhor evolução possível para toda agremiação. Encontrar o andamento ideal de desfile é uma missão que exige um esforço envolvendo percepções. Dar um grau mais para frente ou mesmo colocar um pouquinho mais para trás é uma decisão importante para qualquer escola. Sentir o samba-enredo enquanto produz ritmo é a forma mais verdadeira de seguir uma filosofia musical. Samba é o tipo de gênero, até pelo fascínio que cada um tem por sua escola, que carrega sentimento. É vital ter feeling para tomar essa decisão, confiar no instinto musical e, principalmente, dar ao samba o que ele pede.

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