Nome do enredo: “O Conto do Vigário”
Nome do carnavalesco: Jorge Silveira
São Clemente: Identidade e Irreverência
A insistente tentativa de soberania por parte dos que se intitulam “malandros”, é a temática que o GRES São Clemente traz para o carnaval de 2020. A narrativa sobre como a
malandragem reina desde meados do século XVIII, conta a história de um vigário que
engana seus próprios fiéis e companheiros a troco de atingir seu objetivo. Esse fato constata que a mentira e a enganação não pertencem somente ao “mundo profano” que os sacerdotes costumam citar em seus discursos litúrgicos. A malandragem não tem lei, porque cada um que a pratica, a exerce de uma forma; não tem terreno, já que em cada esquina se encontra um vigarista tentando levar a melhor; e parece não ter fim, levando em consideração o histórico do Brasil com esse costume tão enraizado em sua cultura.
Narrando a história que se passa na cidade de Ouro Preto, é possível identificar como a
sinopse faz uma conexão entre o presente e o passado. Ou melhor, o texto-mestre mostra
um panorama cronológico da trapaça brasileira a partir do conto do vigário, revelando ao
público uma possível origem desse termo e salientando como o brasileiro sempre acaba
caindo nos contos de tantos vigaristas por aí. Outro ponto evidente na leitura da sinopse é a abrangência com que a escola irá trabalhar em diferentes esferas culturais. É possível,
através da leitura do texto base, identificar menções como, por exemplo, à atual situação
política no Brasil: “pelo voto, se vende as maiores ilusões. E como sabem contar histórias
esses candidatos a ‘malandro oficial”. Ou seja, infelizmente os eleitores caem no conto de
algum vigarista a cada novo período de eleição. A São Clemente aponta para o jeitinho
brasileiro de maneira crítica, resgatando assim sua origem e dando continuidade ao teor
bem-humorado do carnaval passado – quando fez uma reedição de “E O Samba Sambou”.
Criticidade. Trocadilhos. A verdade exposta de maneira, por vezes bem humorada, por
outras mais audaciosas, é a marca da São Clemente – o que evidencia, assim, a relação de
pertencimento entre a sinopse e a agremiação. Apesar do enredo de 2020 ser detentor de um viés mais satírico, ele não perde seu lado divertido em transferir o que se passa no país de maneira pitoresca, abordagem essa que tem sido a escolhida pela agremiação desde seu último carnaval.
Além do valor identitário que pode-se perceber na sinopse, é possível constatar a relevância histórico-social tratada de maneira notória. O termo malandro pode muitas vezes ser expressado de forma divertida, como se fosse uma habilidade, um estilo de vida. Já dizia Beth Carvalho “E onde quer que eu vá. Em qualquer lugar… malandro sou eu…”. Contudo, o termo é mais comumente designado ao trapaceiro, ao espertalhão que sempre arruma um jeito de tirar proveito dos outros de maneira desonesta. Essa característica humana – no contexto brasileiro – é herança de um passado não favorável para os originários do país, que se familiarizaram com o sentimento de deslealdade e, por esse motivo, hoje ser correto é quase uma exceção. A tal ponto, que noticiários potencializam reportagens sobre casos de dinheiro devolvido, ou da verdade sendo contada. A cultura da malandragem está tão cravada na história, no próprio psicológico do cidadão, que como diz a passagem do texto, “a regra é clara’: nesta terra inventada, é certo o desacerto.”
A partir do texto de Silveira, é possível idealizar alguns cenários para o tão esperado
desfile. Imagens como o burro, a santa e o vigário são imprescindíveis na construção visual
do enredo. Ao que parece, fantasias de fácil interpretação, elementos bastante coloridos e
marcantes carros alegóricos ganharão vida na avenida.
Dialogando com o contexto social do cotidiano brasileiro, a escola nos alerta a abrir o olho
para os vigários, os malandros que têm nos contado histórias nas quais não podemos mais
cair, e convida o público para um desfile com muita irreverência e originalidade. Um
desfile no estilo Clementiano de ser.
Para finalizar, desejo um ótimo carnaval à agremiação e ressalto: Abre o olho, cidadão!
malandro é um mané, e o mané é, na verdade, o malandro.
Autora: Thayná Beatriz de Brito Alves – [email protected]
Graduanda em Letras (Licenciatura)/UNIGRANRIO
Membro efetivo do OBCAR/UFRJ
Leitor orientador: Cleiton França de Almeida
Graduando em Artes Visuais – Escultura – EBA/UFRJ
Instagram: @observatoriodecarnaval_ufrj