Continuando com a Série Barracões São Paulo, o site CARNAVALESCO visitou o barracão da Nenê de Vila Matilde, que abrirá a noite de domingo, voltando a disputar o Grupo de Acesso I, visto que no ano de 2022 a Vila foi campeã da divisão inferior. Para o carnaval de 2023, a agremiação irá levar o enredo “Faraó Bahia”, desenvolvido pelo carnavalesco Fábio Gouveia. O artista conversou com a equipe e detalhou o desfile que a Águia da Zona Leste irá levar para o Anhembi.
“Faraó-Bahia vem do hit de carnaval onde todo mundo imagina que é a música que a Margareth Menezes eternizou, mas que tem um outro lado. Não é só a festa. Ela fala do empoderamento. Vem de encontro do não aos 100 anos de abolição da escravidão. O autor, juntamente com o Olodum, quer algo para ir contra. Não há o que comemorar. O nosso povo não foi liberto. Houve uma falsa história contada. E aí a música vem na contramão, porque antes o carnaval para os negros era só puxar a cordinha. O que mudou com essa abolição? Nada. Nós vivemos uma mordaça social e isso que a música quer dizer. Nós descendemos de reis e rainhas. De deuses do Egito antigo. A música nos empodera e diz que vamos substituir os turbantes por tranças. Vamos colocar as nossas caras nas ruas. O Faraó-Bahia faz isso. Ele pega esse norte sobre essa luta, empoderamento negro e começa a dar espaço para outras ações”, explicou.
Como surgiu
O tema chegou para a escola sob a ideia do carnavalesco Fábio Gouveia. De acordo com o artista, é uma ideia antiga, planejada em outra escola, mas que resolveu guardar para a Nenê de Vila Matilde, caso um dia fosse contratado. Finalmente aconteceu. “Esse enredo já havia sido discutido há cinco anos atrás. Eu estava na Imperador do Ipiranga junto com o Márcio Telles e ele disse para a gente guardar esse enredo um dia para a Nenê. Jogamos ao vento, porque tem muito a cara da escola. Eu não tinha projeto de vir e ele não tinha projeto de estar no carnaval, mas aconteceu. Quando nós tivemos a oportunidade de colocar isso na Nenê, a comunidade acolheu, porque nós já estávamos fazendo esses resgates. Aí casou de termos o enredista Diego Araújo, que é parceiro nosso que havia feito algo semelhante no carnaval virtual. Nós juntamos as ideias e discutimos o enredo. Era um tema já pensado e aqui na Vila tomou essa proporção”, contou.
Pesquisa do enredo
Segundo Fábio, tudo foi baseado na questão da negritude. Em sua maioria, não houve uma pesquisa padronizada. Diferente de notar isso, pois realmente requer um conhecimento notório do tema. “Não houve uma pesquisa direta da construção, porque é muito do nosso dia a dia. Nós que militamos a causa negra nós temos esse assunto na ponta da língua. Temos essa identificação com a Nenê de Vila Matilde. Juntou as informações pontuais do Diego para desenvolver a parte técnica da sinopse, as ideias do Márcio quanto artista e a mim quanto carnavalesco. A partir disso nós discutimos o que é funcional e o que vai acontecer. Nós vamos partir daqui, falando de uma escola com empoderamento negro, mas sem ser agressivo. Sem falar de dor e sofrimento. Tudo isso que todo mundo já cansou de ouvir falar. Nós resolvemos falar da alegria cantando essas várias áfricas que existe dentro da Bahia”, declarou.
Ponto alto do desfile
Com um desfile rico em detalhes, sempre se pergunta qual parte devemos ficar atentos. O carnavalesco disse que a abertura promete um impacto maior. “Nós temos muitos pontos ao longo do desfile, mas a frente da escola tem muita novidade. Temos alegorias totalmente diferentes do que é o carnaval de São Paulo. Temos muita coisa artística, encenação e dança em cima dos carros. A abertura é o ponto chave, que conclama os deuses do Egito na Bahia”, pontuou.
Conheça o desfile
Setor 1: “O primeiro setor é a conclamação dos deuses do Egito na Bahia. Trazemos todas essas características do Egito, fazemos uma mescla com os personagens da Bahia e abrimos o nosso desfile. O enredo já fala ‘Nenê de Vila Matilde anuncia, Faraó-Bahia’. O maior símbolo da escola de samba vai estar à frente anunciando que o Egito vai estar na Bahia”.
Setor 2: “O segundo setor já vai falar da luta dos negros para preservar a religiosidade. Nós vamos de encontro ao Ilê Aiyê. Os primeiros blocos, cortejos afros. A ideia de se vestirem de palha para pegarem suas histórias e tradições. Nesse setor é falado do Ilê Aiyê. Tem muita palha, colorido, mas sem perder a ideia do que é o Ilê Aiyê, que é o preto, amarelo e vermelho. Falamos também do empoderamento negro, que a beleza negra toma maior evidência com o Ilê Aiyê”.
Setor 3: “O último setor nós trazemos essa luta pela paz. Nós já evidenciamos o nosso povo, mostramos o que foi capaz para se reconstruir e se reerguer e se tornar motivo de orgulho. nós vamos falar da luta contra a intolerância, contra o racismo. É um setor inteiro branco pontuado de azul porque também tem essa ligação da Nenê com tudo isso, que é a porta-voz de toda essa história. Ela vai de encontro aos filhos de Gandhi e aos blocos que foram para as ruas para pedir paz. Aquela multidão que desce o cortejo sentido a igreja do Bonfim para que tudo seja melhor. A gente fala que a cidade de Salvador, assim como o Brasil, foi construído com o sangue de todos esses negros”.
Ficha técnica
Três alegorias
1200 componentes
Diretor de carnaval e ateliê: Bruna Moreira
Carnavalesco: Fábio Gouveia