Na Unidos do Viradouro desde 2014, o intérprete Zé Paulo Sierra viveu nestes oito anos em que está na Vermelha e Branca de Niterói um período de grande amadurecimento, se firmando como protagonista e voz oficial no Grupo Especial, após subir com a escola em 2019. Antes da Viradouro, Zé Paulo passou por Unidos da Ponte, Arranco, Caprichosos de Pilares, X-9 Paulistana, além de dividir o microfone oficial na Mangueira. Na Viradouro sossegou, evoluiu, aprendeu muito com Marcelo e Marcelinho Calil (patrono e presidente), aos dois se refere carinhosamente, como “os Marcelos”.
Em entrevista ao site CARNAVALESCO, Zé Paulo fala sobre todo aprendizado que o ajudou a crescer como cantor na Viradouro, revela seu entendimento sobre a profissão de intérprete e as dificuldades destes profissionais do carnaval de se estabilizarem em carreiras fora da folia, descreve sua relação com o mestre Ciça, além de relembrar carnavais e sambas importantes que viveu e cantou no carnaval.
Intérprete ou puxador? E qual diferença para você?
Zé Paulo Sierra: “Eu sou um pouco de cada coisa. Eu acho que o puxador faz parte da minha vida porque eu vivenciei o carnaval criança vendo os puxadores de samba. Então, tinha essa nomenclatura, o único que não gostava de ser chamado era o mestre Jamelão. Mas, aí também a gente entende o sentido da palavra intérprete. Eu me considero um pouco puxador por ter vivenciado na minha infância e na minha formação os puxadores de samba, e me identifico como intérprete, porque acho que o samba é composto de letra e melodia, e a letra precisa ser interpretada da sua forma total. Então eu tento conjugar dentro do que eu acho mais bacana, até para o desfile da escola, essa parte da letra e da melodia. Você usa um pouco da pegada do puxador, da chamada da escola, e na letra você consegue colocar a parte interpretativa. No meu caso também com teatralização, caracterização. Mas, eu me considero intérprete e puxador sem problema nenhum”.
Por que é quase impossível um cantor de escola de samba ser um cantor de samba ou MPB o ano inteiro?
Zé Paulo Sierra: “Eu acho que criaram um estereótipo no cantor de samba-enredo que não existe. Aquele cara duro que canta um samba. E, acho que era por isso que o Jamelão brigava tanto, para desfazer esse estereótipo. Porque você tem o Jamelão, Dominguinhos do Estácio. Neguinho é hoje o único cantor que tem uma carreira paralela ao samba-enredo. Mas, você tem o Wander Pires que canta pra caramba, que canta outros gêneros, tantos outros cantores aí que podem ter essa vertente. Às vezes a gente até tenta, já teve grupos de puxadores de samba, Jackson Martins que era um fenômeno também, e já tem os puxadores de samba, o ‘Setor 1’, mas parece que as pessoas nos olham como o cantor de samba-enredo. Eu acho até engraçado, porque às vezes você vai fazer uma live e canta até alguma coisa fora de samba-enredo, as pessoas até já ficam chateadas, ‘pô, tem que cantar samba’. Atrelam muito a nossa imagem ao cantor de samba-enredo, aquele cara que passa na Avenida puxando ou interpretando samba, mas fica muito rotulado. Acho que tem muitos talentos no meio e com possibilidades de cantar outras coisas. Eu me considero um cara versátil, já tenho trabalhos cantando outras coisas, até um projeto da Rádio Arquibancada que eu canto ‘Love of my life’ do Queen, rádio pirata do RPM, me vejo em uma condição bacana para tentar esse tipo de voo mais alto. Se eu quero, já é outra etapa. Eu acho muito mais fácil um cara que canta samba-enredo, que é tão difícil de ser cantado, ir para uma outra vertente, do que uma pessoa que não está acostumada a cantar samba-enredo, vir cantar samba-enredo”.
Você gosta de cantar outros gêneros na quadra. Ainda existem os xiitas que não gostam. O que você pensa sobre ter outras alternativas dentro de um ensaio comercial ou show da escola?
Zé Paulo Sierra: “Lá na Viradouro, a gente não tem ensaio comercial, mas acho que muitas escolas fazem hoje, não vejo nada de ruim nisso, desde que fique claro que o carro chefe daquela casa é o samba-enredo. Mas, acho que um pocket show da escola pode se fazer uma coisa para uma apresentação de um segmento, ou uma coreografia de uma ala de passistas, ou uma ala coreografada com outro tipo de música, ou outro gênero. Mas, acho que dentro de uma escola de samba tem que ficar claro que ali é um reduto de samba-enredo”.
O que o Alabê representa na sua vida?
Zé Paulo Sierra: “Eu falo que eu encenei o Alabê na Avenida porque aquilo realmente foi uma coisa que transcendeu até a minha expectativa. Eu nunca vou para a Avenida sem um plano. E no Alabê aconteceu muita coisa ali na hora do desfile. Eu tive um problema sério ali no som, uns 15 minutos que a gente ficou tentando ajustar o som, a gente até começa o desfile bem, mas o som dá uma falhada em alguns momentos. Mas, o processo da caracterização do Alabê é muito bacana porque eu lembro de conversar com o Max (Lopes, carnavalesco), e perguntar se eu podia vir de Jesus Cristo com o carro de som. E ele falou que não, porque já tinha alguém que ia encenar o Jesus. Eu fui para casa aquele dia meio sem ideia do que eu queria fazer. Eu botei o samba para ouvir e quando chegou no refrão eu falei ‘ é isso’. Vou pesquisar quem é esse São João Batista. E aí que vem o lance legal, o São João Baptista que eu descobri que era o protetor da Viradouro, era o mesmo São João da minha infância e da festa junina. Pesquisei uma imagem dele, a primeira que veio, era igual a mim. Falei com o Max, ele liberou. E, quando eu cheguei para o dia do desfile e fui para o restaurante que tinha na Sapucaí, eu fico ali me concentrando, aquecendo a minha voz. E, quando eu me vesti, já no restaurante as pessoas começaram a me olhar muito estranho. Uns não sabiam quem eu era, obviamente, os que me conheciam não tinham coragem de falar comigo, porque ficavam tentando entender o que eu ia fazer, como um cantor de samba-enredo está vestido daquela forma, né? E aí eu fui ali para o primeiro box, e ali fiquei sozinho porque ninguém chegava perto de mim. Não sei se era o meu nível de concentração que era muito grande. Eu não tinha a intenção de ficar com a cruz todo o tempo na mão, por causa do microfone e tudo mais. O plano A era fazer uma encenação do São João Batista encontrando com Xangô, a bateria vinha e eu entrava no meio da bateria e a gente batizava algum daqueles apóstolos que era o menino que ficava segurando a minha cruz. Só que como deu problema no som, eu falei assim, agora caiu tudo por terra, eu preciso mudar o rumo do que eu ia fazer. Porque essa coisa de abrir bateria e esperar a bateria abrir para eu fazer, eu já perdi a minha escola passando, e quem me conhece sabe que eu vou no meio das alas e tudo mais. Eu fiquei 15 minutos parado dentro do box sem poder ver as alas passarem, sem poder me comunicar com a escola naquele início porque eu estava tentando ajustar o som. Quando ajeitou o som e eu saí, eu decidi que ia com aquela cruz até o final na mão. Para mim é um acontecimento. Porque é o que eu falo, as pessoas me viam e ficavam muito impressionadas. Eu só fui ter a noção mesmo do que aconteceu no dia seguinte, quando abre rede social, teu telefone toca, mas é uma coisa que até hoje nas apresentações da Viradouro, quando eu vou fazer, que eu me visto de São João Batista, é uma coisa que impacta muito. O Alabê é a grande mola propulsora da minha carreira como intérprete de samba-enredo”.
E o ‘ensaboa’ que poucos acreditavam e aconteceu?
Zé Paulo Sierra: “É muito especial porque é um samba que as pessoas não acreditavam. E, isso motiva demais, cara. A gente trabalha muito aqui na Viradouro, a gente ensaia demais, só no ano do ‘ensaboa’, e eu gosto de frisar isso, foram 16 ensaios de rua. Então, a gente tinha certeza que esse samba ia acontecer. Quando a gente ouvia as pessoas falando ‘ah, esse samba vai ser caricato’, vai ser isso, vai ser aquilo, e conforme a gente ia ensaiando, esses caras estão errados, não é possível. E aí, isso motivava a gente ensaiar mais e tentar transformar esse samba no que ele foi executado na Avenida. Isso vem de um quebra-cabeça, eu e o Ciça, a gente bate muita bola, a gente está o tempo todo se comunicando, e quando sai a gravação do CD, as opiniões começam a mudar sobre o samba. E aí, foi o primeiro termômetro para a gente. Aí tem o mérito do Jorge Cardoso, que é o nosso diretor musical e arranjador do disco também. Junto com a equipe toda, Ciça, Dudu e Alex, Marcelinho e Marcelão, a gente consegue botar o CD na rua e as pessoas conseguem já identificar o samba e falar ‘opa, esse samba já não é tanto assim como a gente pensava que era’, é um samba que dá para acontecer alguma coisa, mesmo assim tinha aquela dúvida. E aí, vem o lançamento do CD na quadra do Salgueiro, e eu virei para o Ciça e falei ‘vamos largar o ‘ensaboa’ para ver o que vai dar’, e ele concordou. Largou, quando largou, todo mundo cantou. Já foi um outro termômetro para a gente. Vai passando ensaio, a gente sentindo o samba crescer, a escola firme, com vontade de ser campeã, porque tinha sido vice um ano antes. E, também tinha aquela coisa de ser a segunda escola de domingo. Aquele ensaio da Amaral Peixoto, quando filmam a gente de cima de um prédio, é toda a escola na Avenida cantando o samba, ali foi o grande momento. Só que para muita gente já era tarde, o samba pegou. E para mim, a última pecinha de encaixe para saber se ia funcionar, foi no dia da Lavagem. Vamos largar para ver o que acontece, estava chovendo muito, pouca gente, mas todo mundo cantou, e a gente tinha essa surpresa das meninas tocando, a gente sabia que ia ter um momento para isso. E, o samba aconteceu na Avenida. E aí que vem o grande lance de 2020, as pessoas ficam falando muito de dinheiro aqui, mas esquecem que a gente trabalha para caramba. E, o quesito que a gente ganha, não tem dinheiro. É a harmonia e a evolução. E no quesito que o dinheiro poderia fazer a diferença, a gente poderia ter perdido o carnaval, que foi um gerador que não funcionou, e um carro veio apagado. Carnaval acontece na Avenida, a verdade é essa. Ninguém ganha parado com um barracão bonito. Ninguém perde parado com um barracão estranho. Tem um quesito que ele é altamente subjetivo, e que ele só se torna visível na Avenida, que é a emoção. Hoje você canta o ‘ensaboa’ em qualquer lugar, e em qualquer lugar virou hit. Aquele samba que era o patinho feio do início da disputa de samba, ele se tornou o hit do carnaval 2020”.
Hoje, o ensaio da Amaral Peixoto é o melhor do Rio? Qual a importância dele para o seu trabalho e da escola?
Zé Paulo Sierra:”Melhor do Rio, eu acho que não dá para cravar. Eu acho que os ensaios de todas as escolas de samba são maravilhosos. Você está perto do seu público, já é fantástico, seja em Niterói, seja em Padre Miguel, na Mangueira, ou em Madureira, ali em Vila Isabel, enfim, todos. Essa cumplicidade de escola e comunidade não dá para cravar que um ensaio é melhor que o outro. Cada um tem a sua característica, tem a sua identidade. O que a gente tem ali na Amaral Peixoto é o privilégio muito grande de ter uma avenida tão propícia para fazer um ensaio técnico, que permite a gente ter um espaço, se não igual, muito parecido com o que a gente vai ter no dia. Então, a gente consegue refazer os dois recuos bem, a gente tem avenida reta e larga, é para gente o melhor ensaio que tem. Porque a gente consegue ensaiar tudo, claro, só não tem o som da Avenida. Você consegue ensaiar o que você quer, principalmente, andando e fazendo movimento. A gente tem uma área de concentração enorme. Você consegue concentrar bem, uma concentração de desfilante, em que os últimos ensaios lá a gente conseguiu colocar quase todo mundo que ia desfilar no desfile oficial. Nos ensaios da Amaral Peixoto a gente tem um contingente de desfile. Para a gente é muito importante, porque além do movimento de desfile, das estratégias que a gente vai fazer, a gente executa exatamente o que a gente vai fazer, o tempo de parada, simula jurados, as bossas, enfim, a gente só não tem alegoria, e ainda tem o público, o morador de Niterói”.
Fala da sua relação com o Ciça?
Zé Paulo Sierra: “Um cara que te liga em 2019 quando ele volta para a escola, apresentação dele em uma segunda-feira na quadra, tem 400 ritmistas esperando o cara, aí você vai botar a voz no disco, neste dia, no primeiro ano do retorno, ele te liga porque ele quer te ver colocar a voz no disco, cara. É uma relação de pai e filho. Eu converso com ele praticamente todos os dias, não só de carnaval, mas de tudo, porque a gente gosta de conversar, fizemos muitas coisas juntos durante a pandemia. Além de um ser humano fantástico, um cara que tem um carisma fenomenal, uma estrela gigante, ele tem tudo que um ser humano precisa ter. É engraçado, é ranzinza, é uma figura que você olha e dá vontade de abraçar. Então, o Ciça é um cara muito especial na minha vida, além de tudo me deu o privilégio de em 2020 eternizar o nome dele com o ‘Vai Ciça ‘, entrar no meu grito de guerra. Foram cinco vezes no desfile passado, nas cinco bossas, esse ano a gente preparou uma coisa diferente, até porque para não ficar aquela coisa do mesmo lugar, sem dar brecha no julgamento de Harmonia, sempre em lugar vazio do samba. A gente preparou porque ele gosta, ele pede, e as pessoas esquecem que o seu Domingos já fazia isso com ele na Estácio, o Ito fazia ele com isso na Ilha. E eu graças a Deus tenho esse privilégio de fazer isso com ele na Viradouro. E pode se preparar porque o velhinho está empolgado e ele vai trazer surpresinhas na Avenida”.
Trabalhar na gestão Calil é diferente de tudo que você já viveu?
Zé Paulo Sierra:”Você está aqui no barracão e está vendo o que é. Isso aqui é uma empresa. As pessoas estão de crachá aqui dentro. Você tem um chefe de segurança de trabalho, técnico de segurança de trabalho 24h dentro de um barracão. Uma estrutura de sala de imprensa, sala de ensaio. É uma gestão de pessoas. São dois caras, a gente chama eles de ‘os Marcelos’. Que não só te olham como um número aqui dentro. Claro que eles cobram, é normal, quem não quer ser cobrado não tem que ter responsabilidade. A gente é cobrado, trabalha muito para ter resultado. E, assim, qualquer coisa que marcam com eles, eles são os primeiros a chegar e os últimos a ir embora. Como é que alguma pessoa vai ter coragem de fazer diferente, se você vê o seu patrão chegando primeiro, não tem como. Além de tudo, é uma gestão de respeito, humanidade. Meu pai morreu e uma das primeiras pessoas que me liga são eles. Não só, Dudu e Alex, que estão sempre dispostos a tudo, que são porta-vozes também quando eles não podem falar. Tem toda uma estrutura aqui que faz essa engrenagem funcionar. É muito diferente de tudo, não só do que eu trabalhei. É uma empresa, tem hora para chegar, hora para sair, onde se respeitam as opiniões, se conversam muito, de trabalha muito, e se tem muita dedicação. A maior cobrança deles é que você esteja aqui por inteiro e se dedicando. Eu falo com o Marcelinho todo dia. Ele vê um vídeo nosso no Baródromo, é já fala ‘o que você acha de fazer aqui, aquilo que você fez’, ‘ficou legal, vamos tentar fazer, mas é só uma sugestão’, e eu já compro essa ideia. Se for legal já ponho para jogo, se não der eu falo também, sugiro outro, meu carro de som é a mesma coisa. A gente troca uma ideia já. Nada aqui funciona de forma aleatória, ou sem que ele saiba. A gente vai para o desfile já sabendo tudo o que vai fazer. Contando uma curiosidade, pouca gente sabe disso, em 2019 no desfile, eu dei o grito de guerra antes de começar o desfile. Porque a gente ensaiou muito na Amaral Peixoto de eu cantar o samba hino, o Marcelão ia falar e assim que ele acabasse de falar, ele me entregava o microfone e eu dava o grito de guerra para começar o desfile. E assim foi feito, o Marcelão acaba de falar, me dá o microfone, e eu começo, opa, grito de guerra. Mas, eu sempre estou muito atento. E eu olho e vejo o Marcelinho correndo, e se movimentando muito. Eu fiz o ‘prepare o seu coração’, e ele se movimentando, procurando alguém. E, eu fui olhando para ele, ‘e lá vem a escola da emoção’, e eu vi e pensei ‘deu m….’. Não fiz nada, segurei, fiquei quietinho. Paramos tudo, porque não tinham autorizado o nosso desfile ainda. O nosso cronômetro é cravado como o do relógio para liberar a apresentação da comissão de frente. E, autorizou novamente, e a minha condição psicológica estava muito boa, porque eu me preparei bem para aquilo, então dei o grito depois como se nada tivesse acontecido, mas assim que acabou o desfile, nós conversamos. Eu, Dudu, Alex, Marcelão, Marcelinho, todo mundo. Aí o Marcelinho virou para mim e falou ‘isso nunca mais vai voltar a acontecer’. Na entrada de 2020, está eu e Marcelinho um do lado do outro o tempo todo esperando a ordem do Alex para começar o desfile. E só começa quando o Alex autoriza e a gente aperta a mão e vai. É tudo muito orquestrado aqui. Não é só uma gestão comercial, tem uma gestão pessoal também, eles sabem lidar com esse povo”.
Gostaria do carro de som ser oficializado como sub-quesito de Harmonia, como letra e melodia são de samba?
Zé Paulo Sierra:”Não é uma coisa que me incomoda não, se a gente não quisesse responsabilidade, a gente não estava ali, né. Eu acho que só virá mais uma responsabilidade para gente, a gente precisa entender o jogo. E, voltando aquele lance de gestão pessoal, e em 2018 quando eu renovo para 2019, uma conversa que eu tive muito importante com o Marcelo e com o Marcelinho foi na questão do meu amadurecimento como cantor. E, eles passaram para mim ‘ eu não quero só o cara que se caracteriza ‘, ‘ você canta para cacete, eu quero o cara que se caracteriza, mas eu quero o cantor’, ‘o primordial é o cantor’. Em 2016, 2017 e 2018, apesar da caracterização, de prêmio, eu tomei pancada de jurado, justamente nesses quesitos, por que eu estava sendo julgado. Em 2019 e 2020, eu já não tomo. Porque a conversa que eu tive com eles me fez entender esse jogo. O jurado está ali, ele não está ali à toa. Então o cantor de samba-enredo tem uma função. Claro que é subjetivo o que o jurado quer, mas ele está ali prestando a atenção no que você está fazendo. O que a gente entende hoje é que ele não quer que um caco atrapalhe a letra do samba. Ele não quer que você desafine. Ele não quer que você cante fora do tempo. Ele não quer que você cante diferente do seu apoio. As vozes desencontradas. Então, se virar quesito não tem problema, porque a gente vai fazer o que a gente vem fazendo, já é avaliado em harmonia. Se você pegar justificativas de harmonia nos últimos anos, tem batido em carro de som. É importante ler justificativas, a gente precisa saber o que está acontecendo, em que a gente perdeu ponto em determinados quesitos, principalmente em samba-enredo e harmonia, até para tentar consertar o que vem pela frente. Então, se virar quesito, para mim não vai fazer diferença nenhuma porque eu já estou sendo julgado”.
A gente nunca mais vai ver o Zé subindo na grade e indo nas frisas nos desfiles?
Zé Paulo Sierra: “Não vai (risos), é uma questão de amadurecimento. É o que eu falo, a gente não precisa daquele Zé Paulo que subia na grade. Eu fazia aquilo ali com uma forma de tirar o foco de algumas coisas erradas que de repente estavam acontecendo. Não tem mais necessidade disso, a minha função é cantar. Foi isso que os ‘Marcelos’ me fizeram enxergar. ‘Eu não quero você em cima da grade, você não precisa estar ali’. ‘A gente quer você cantando, claro que você não vai perder sua identidade, sua parte emocional, brincar com componente, mas não precisa subir em cima da grade’. E é verdade, qual a diferença que eu vou trazer subindo em cima da grade? O que que vai mudar no desfile? Nada. Então, eu acho que tudo isso é uma questão de amadurecimento, de você entender. Porque você recebe muito elogio. E quando você recebe uma crítica construtiva, você precisa ter o discernimento de entender que aquilo ali é uma coisa para o seu bem. E, não é toda hora que alguém vai te dar esse feedback cara. Eu falo isso para eles de boa, os grandes responsáveis pelo meu amadurecimento como cantor são os ‘Marcelos’. Porque eles me fizeram enxergar essa coisa de colocar o intérprete como fator primordial. E, eles citaram o desfile de 2017, uma coisa que o jurado não me tirou ponto, mas que ele fala muito bem, ‘o cantor deixou de fazer o seu papel principal, para trocar de roupa’. Só que eu estava dentro de uma casinha cantando, mas o jurado não estava me vendo cantar. Então, eu podia ter prejudicado a escola com aquilo. Tudo isso vai fazendo você amadurecer e ver qual é o melhor caminho”.
A preparação dos cantores profissionalizou ou ainda tem muito folclore que é só chegar lá e cantar?
Zé Paulo Sierra: “Eu acho que ainda tem, isso é legal também. Eu não compartilho, acho que tem que ter uma preparação, porque é muito desgastante, você cantar uma hora, a mesma música o tempo todo, tendo que colocar intensidade, vibração, garra. Nem sempre você vai conseguir usar a técnica o tempo todo, então, é muito desgastante. Eu acho que além da preparação física, a preparação vocal para mim é fundamental. Eu acho que a maioria agora está se cuidando bem, cada um com seu jeito, mas se cuidando, eu tento o máximo, dentro da minha característica de canto, que é muito mais expressiva, me movimento bastante, a minha parte física tem que estar muito em dia. Eu tenho um Jiu-jitsu que me ajuda para caramba. De 2017 para cá, eu faço terapia também que me ajuda muito na parte psicológica. E ainda tem a saúde vocal. É primordial. Eu abdico de muita coisa para chegar naquele dia lá. Eu amo tomar uma cerveja, eu amo comer um churrasco, eu estava me preparando para fevereiro, então, quando virou o ano, eu já estava abdicando de tudo. Mas, como teve essa pausa, a partir de março abdiquei de muita coisa, deixando de fazer o que a gente gosta, para estar focado 100% no dia 22(04), que para mim ainda vai ser mais especial pois é o dia do meu aniversário”.
O ‘samba da carta’ calou os críticos? Pode ser a obra do ano?
Zé Paulo Sierra: “Cara, eu acho que calar 100% não, só vai calar no dia do desfile, nem calar, sempre vai ter alguém que vai falar besteira. A gente canta esse samba em muitos lugares, e é bom que tenha gente que duvide. Eu gosto. De verdade. Eu acho que tem que ter mais gente duvidando ainda. Quanto mais melhor. Eu acho que é um samba maravilhoso, lindo. Eu acho que é um dos grandes sambas que eu vou ter a oportunidade de defender, como o Alabê, o Arranco 2006, e a ‘Carta’. Acho que a ‘Carta’ é o grande grito do carnaval. Esse samba tem várias frases soltas que você pode usar para um monte de coisa. Mas, o ‘carnaval te amo, na vida és tudo para mim’, é muito representativo por aquilo que a gente vem vivendo, ataques ao carnaval, principalmente aos desfiles das escolas de samba, muitas vezes baseado em fakenews. Então, que fique muito claro que as escolas de samba não têm nada a ver com pandemia e foram as primeiras a se manifestar, a pararem suas atuações, cancelarem seus eventos, ajudarem no que era preciso. E a ‘Carta’ é esse desabafo também, para a gente poder dizer o quanto a gente ama o carnaval, independente se a gente vai ganhar o carnaval ou não. Quem tem boca fala o que quer. E, eu acho isso bom para caramba, também. Eu acho que a gente vive em um país que a gente tem essa liberdade. Mas, tudo isso tem uma consequência. Eu acho que muita gente ainda vai se render, outras por mais que seja uma catarse, vão continuar batendo, o que eu acho fantástico também, porque não vão mudar de opinião. Eu gosto que as pessoas tenham dúvidas porque isso motiva, isso traz um gostinho especial para o dia. Eu acho que o Filósofo e os parceiros foram muito felizes no que fizeram, é um samba que vai se eternizar principalmente porque ele é lindo e porque gera debate. Tudo que é muito bom e gera debate, é essencial”.
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