Os Gaviões da Fiel definiram na madrugada deste sábado o samba-enredo que levará escola rumo ao carnaval de 2023. A final contou com três obras na disputa, onde nas apresentações das parcerias, as torcidas fizeram grande festa levando muita torcida e cantando as respectivas letras. De fato, foi uma grande decisão e, ao final, era difícil apontar um favorito para levar o título. Para fazer o anúncio, houve uma reunião muito demorada para bater o martelo. Após, o intérprete Ernesto Teixeira, seguido de sua ala musical, subiu ao palco e cantou o samba vencedor. A parceria de número 14, feita pelos compositores Araken, Fabinho do Cavaco, Armênio Poesia, Nando do Cavaco, Bruno Jaú, Maestro Jota Ilhabela, Sebastian e A. Filosofia, sagrou-se campeã e terá a oportunidade de colocar seu nome no carnaval dos Gaviões da Fiel em 2023. O enredo da agremiação para o próximo desfile é intitulado como “Em Nome do Pai, dos Filhos, dos Espíritos e dos Santos. Amém!”. * OUÇA O SAMBA DOS GAVIÕES DA FIEL PARA 2023
Nando do Cavaco, um dos autores do samba, falou do sentimento que é vencer nos Gaviões da Fiel e revelou que as reuniões para a composição da obra foram feitas virtualmente. “É uma emoção diferente ganhar na escola do coração. Deu um frio na barriga, demorou um pouquinho mais que o previsto. Quase uma hora de atraso. Os bastidores estavam um pouco tensos, mas graças a Deus deu tudo certo. Apesar da pandemia estar bem melhor, nós não fizemos nenhuma reunião presencial. Foi tudo online. Mas foi tranquilo de fazer, a gente traçou uma linha para a intolerância religiosa, mesmo porque é a linha que a escola vem seguindo. Apostamos em uma gravação com um intérprete muito bom e melódico que é o Zé Paulo Sierra e deu tudo certo”, disse.
Outro compositor do samba, Armênio Poesia falou que é especial ganhar nos Gaviões da Fiel. Ele é um dos mais famosos e experientes autores de samba do carnaval paulistano. Já ganhou samba em várias escolas e contou que vencer na escola alvinegra é especial, pois o amor pelo time fala alto. “Emoção muito grande. Eu tenho uma história razoavelmente longa no carnaval. Tive a oportunidade de ganhar por diversas agremiações e, nos Gaviões, é uma emoção diferente. Eu que sou corinthiano, poder compor um samba que fala de religião e poder conseguir o amor pelo time, que é algo que a Gaviões nunca quis mascarar ou disfarçar. É como uma religião de fato. Isso ajudou muito na parte poética do samba. Também nos desafiou a seguir um caminho diferente de melodia, que hoje em dia vai muito pro óbvio. Conseguimos ir pro caminho da oração e explorar tonalidades menores”, revelou.
Araken, que também compõe a parceria, disse que a emoção é maior por ser criado na entidade e associado há muito tempo. “Eu que sou sócio, fui criado na casa e meu pai era dos Gaviões, fui criado pela velha-guarda. 23 anos tentando e ganhei três. Isso que o Armênio falou é verdade. Ou a gente viria atropelando ou ficaria só como mais um na lista. E eu não quero isso. Eu quero ver a minha escola de volta, nas cabeças. Acho que a gente foi feliz. É difícil falar. Quem vai falar vai ser a história e o carnaval. Estou estourando, com a alma lavada, com a certeza de que eu fiz um trabalho limpo. Eu espero que na quarta-feira de cinzas a gente esteja conversando e no desfile das campeãs a gente se encontre de novo”, comentou.
Identidade dos Gaviões
Carlos Tadeu Gomes (Miranda), que compõe a comissão de carnaval, opinou sobre o samba. Segundo ele, apesar de ter sido uma escolha difícil, a comunidade dos Gaviões da Fiel vai dar conta do recado. “Gostei do samba, é empolgante, nós discutimos muito. Os três sambas eram muito competitivos, mas cada um com sua peculiaridade. Porém esse daí é o que encaixa mais com os Gaviões da Fiel no jeito melódico. Não importa horário, se vamos desfilar de manhã ou noite. O samba é aquele que bate no coração e não tem horário certo. A decisão foi quase unânime. Pelo que eu conheço dos Gaviões, vamos vir cantando bastante”, disse.
Samba diferenciado e trabalho avançado
Um dos carnavalescos responsáveis por desenvolver o enredo, Júlio Poloni é enredista e trata muito das sinopses. Segundo o artista, a agremiação tem um grande samba para 2023. “Sobre a longa reunião, essa é a parte ruim de ter três grandes sambas na final. A gente tem noção do que fez, temos um baita samba nas mãos, uma poesia que narra o enredo, uma melodia muito diferenciada e acreditamos muito no potencial dessa obra pra encerrar o desfile na sexta-feira de carnaval”, opinou.
Segundo Júlio, o trabalho para colocar a escola na pista está a todo vapor. “Já estamos trabalhando bastante, perdendo noites de sono, os carros em plena produção, apresentamos as fantasias recentemente e temos um material muito bom. Então agora é preparar tudo na minúcia, preparar tudo bonito para conseguir entregar esse projeto que é tão maravilhoso e diferenciado”, completou.
Confiança no canto da comunidade
Ernesto Teixeira, intérprete dos Gaviões da Fiel, exaltou a obra, a vontade da maioria e a confiança que tem no canto da escola. “A gente tinha três grandes sambas e isso acabou dividindo opiniões. No final, prevaleceu a vontade da maioria e chegamos ao consenso de que o samba 14 vai representar os Gaviões da Fiel no carnaval de 2023. A comunidade canta qualquer samba e esse samba, até por ter a aprovação da maioria, vai ser muito bem cantado e como sempre, vai ser um dos destaques do carnaval”, disse.
Samba excelente e ideias de bossas
O diretor de bateria da agremiação, mestre Ciro, também confia no fato de que será um dos melhores sambas do carnaval paulistano e revelou que já têm bossas para a bateria fazer. “O samba é excelente. Eu acredito que vai disputar como um dos melhores do carnaval de São Paulo. Está todo mundo super feliz com a escolha e eu acho que vamos ter muito sucesso. Sobre as bossas, a gente já conversou bastante, até porque a gente já vai gravar na quinta-feira. Então a gente tinha que estar preparado para todos os sambas que viessem a ganhar. Temos algumas coisas na cabeça e vamos trabalhar que vai ser show de bola”, comentou.
Análise dos sambas na final:
Samba 4: Os compositores dessa obra optaram por uma letra bem reflexiva. A ideia foi levar ao pensamento de que nos dias de hoje, muito se precisa de novas atitudes. Os versos na primeira parte do samba retratam isso: “E hei de ver florir, um novo tempo. A paz a refletir ensinamentos. Todas as tribos em comunhão. A dor se rendendo à compaixão”. No fechamento dessa primeira estrofe, se dá com os dois últimos versos: “São muitos caminhos e um só destino em busca do amor divino”. Essa é a característica da obra. Levar para um apelo emocional de união entre povo e religiões. Pouco se fala de divindades e não entra no mérito de determinada fé.
Samba 9: Nessa obra, claramente os autores tiveram a ideia de escrever três refrões fortes, especialmente o principal, que apesar de curto, já mostra muito bem o que é o enredo, além de ter uma melodia para cima. “Em nome do pai sou Gavião. Meu samba é uma prece, é religião. No coração fiel a fé vai além. Amém, amém!”. O refrão do meio tem uma letra impactante e reflexiva. “Graça é calar a guerra. Ver brotar a paz por toda a Terra. É abraçar o irmão e acabar com o rancor. O preconceito vencer o amor”. Por fim, o último refrão se trata exclusivamente à religiosidade e entidades. “Sou Javé, sou Alá. Axé de Obatalá. Vivo em Francisco, em São Jorge no Congá”. Vale ressaltar que na segunda parte do samba há uma passagem crítica: “Correndo risco pelas mãos de um falso Cristo, mesmo assim resisto por um novo Xangri-lá”. Portanto, é uma obra completa. Muita história, reflexão, crítica e letra forte. Tudo que um desfile com esse tipo de enredo pede.
Samba 14: O samba campeão, é uma obra que se difere por focar quase que inteiramente na religiosidade. Há citações das entidades Obatalá, Ogum, Oxalá, São Jorge e Cristo, além de colocar personalidades religiosas como Chico Xavier e Irmã Dulce. Diferente das outras obras, essa tem como característica uma melodia mais lenta e cadenciada. Vale destacar o refrão do meio, que cita Aruanda e claramente faz um sincretismo religioso com as entidades São Jorge e Ogum: “Aruanda Ê! Kizomba! Nossa bandeira é religião. Nessa corrente eu sou mais um. Guerreiro de São Jorge. Mensageiro de Ogum”.
Resultado final: Claramente, a escola optou pela estratégia de 2022 e escolheu um samba melódico. As outras parcerias tinham andamentos mais acelerados e contagiantes. Porém, a letra retratada falou mais alto que o andamento que a escola quer, mesmo sendo a última agremiação a desfilar na sexta-feira.