Sidnei França, carnavalesco estreante no Grupo Especial do Rio de Janeiro, chega à Mangueira com cinco títulos no Grupo Especial de São Paulo para desenvolver o enredo “À Flor da Terra – No Rio da Negritude Entre Dores e Paixões”. Em entrevista ao site CARNAVALESCO, o artista compartilhou como aconteceu o convite para trabalhar na Estação Primeira, seu sentimento diante das expectativas para o Carnaval 2025, o ápice do enredo, o que não pode faltar no samba de 2025, como está conciliando os trabalhos entre Rio e São Paulo e até revelou uma curiosidade sobre seu samba preferido da Verde e Rosa.

Foto: Maria Clara Marcelo/CARNAVALESCO

Ele contou como recebeu o convite da Mangueira, descrevendo esse momento como uma mistura de honra e alegria, destacando a raridade de um carnavalesco de São Paulo assumir um posto no Rio de Janeiro. Sidnei se sente honrado pela oportunidade de trabalhar em uma escola tão tradicional e vê o convite como um reconhecimento de seu trabalho. No entanto, também reconhece a grande responsabilidade e expectativa que isso gera.

Em relação ao enredo, o carnavalesco compartilhou que foi um processo de construção conjunto com a direção da escola e que o tema surgiu da vontade de abordar a negritude e a cultura afro-brasileira de forma profunda e emocionante. Ele espera que o desfile seja uma celebração da história e da resistência do povo negro, além de transmitir uma mensagem de empoderamento e orgulho da ancestralidade africana. O carnavalesco expressou estar leve e feliz com essa oportunidade e se sente acolhido pela Mangueira, tanto pela estrutura da escola quanto pela comunidade, se colocando a disposição para contribuir da melhor forma possível para o Carnaval de 2025.

“O convite da Mangueira para esse próximo carnaval para mim foi um misto de honra e alegria. Honra porque um carnavalesco de São Paulo não é comum, um profissional de São Paulo chegar ao Rio, a gente sabe muito bem que tem uma série de questões que envolvem, não só preconceito, mas até mesmo realidades, estruturas diferentes. Recebi com bastante honra, a Mangueira é uma escola quase centenária, essa história gigantesca que qualquer apaixonado pelo samba e pelo carnaval tem essa dimensão e muita alegria também, porque isso também chancela meu trabalho, me coloca num lugar de observação e eu tenho a exata noção da responsabilidade e da expectativa que causa um carnavalesco que não só estreia na Sapucaí, mas já estreia na Mangueira. Isso gera uma sensação de muita responsabilidade para mim e de muita expectativa para os outros. Estou leve, feliz e, principalmente, me sentindo abraçado pela Mangueira, seja como estrutura, seja como administração, seja pela comunidade. É um momento muito bonito estar aqui hoje e me coloco sempre a serviço dessa escola gigantesca para o carnaval”, disse Sidnei.

Integrantes da Mangueira aprovaram a escola fechar o domingo de carnaval

Durante a entrevista o carnavalesco revelou que o enredo surgiu a partir de uma dissertação de mestrado que abordava a questão da ancestralidade bantu. Ele se apaixonou pelo tema por ser muito ligado às questões identitárias e históricas da comunidade negra. A ideia central é explorar como a alma carioca resgata a ancestralidade bantu e como essa cultura ancestral influencia o modelo de vida atual. O ápice do enredo será mostrar como o Rio de Janeiro atual, marcado por contrastes entre violência e prazer, dores e paixões, reflete a história e a cultura da população negra.

Como surgiu o enredo de 2025

O desfile vai dialogar constantemente com o passado e o presente, revelando como a cultura preta sofreu perseguição, apagamento e invisibilidade ao longo dos séculos, e como isso ainda reverbera nos dias atuais. Assim, a Mangueira pretende trazer para a Sapucaí uma narrativa que explique muito do que se vive no Rio de Janeiro contemporâneo, destacando como a cidade aprendeu o significado da negritude entre dores e paixões.

“O enredo parte de uma dissertação de mestrado e um amigo meu do Rio me colocou em contato com essa leitura e eu me apaixonei, porque eu sou muito ligado às questões identitárias, às questões da historicidade preta. Isso me sensibilizou e eu resolvi propor para a Mangueira um discurso ligado na ancestralidade bantu, e aí já falando do enredo, na questão de como a alma carioca, ela recupera a ideia de ancestralidade bantu e da contribuição desse tronco linguístico, dessa cultura ancestral para o modelo de vida atual. É um enredo que dialoga com o passado e com o presente ao tempo inteiro, é uma maneira de interpretar esse Rio de Janeiro atual caótico entre a violência e os prazeres, entre as dores e as paixões. Explica muito do que a gente vive no tempo presente, observar no passado o quanto a cultura preta, a sociedade bantu, sofreu de perseguição, apagamento e invisibilidade, e como isso ainda é reverberado até os dias atuais, então se hoje a gente faz carnaval, se hoje a gente celebra a vida constantemente no Rio de Janeiro é para suportar a dor de tanta violência que vem desde a colonização e a Mangueira se debruça sobre uma história de uma cidade que aprendeu o que é negritude entre dores e paixões”, revelou Sidnei.

‘Celebrar a vida, desafiar a morte e ainda fazer carnaval’

O artista destacou que no samba de 2025 não pode faltar a força da raça negra, especialmente a ancestralidade preta, com ênfase na cultura bantu. Ele ressaltou que o enredo não é de lamento ou tristeza, mas sim de celebração da vida sob o olhar bantu. O carnavalesco enfatizou que é essencial transmitir a alegria característica do povo da Mangueira, que enfrenta a realidade diariamente para construir seu presente e futuro. Portanto, o samba precisa refletir a alma festiva e valente da Mangueira, que celebra a vida, desafia a morte e faz carnaval.

“Não pode faltar no samba a força da raça negra, eu tenho repetido muito internamente, a partir de agora com a sinopse isso é externo, isso é para o mundo, que não é um enredo que cobra nada, ele apenas reflete e reforça a ancestralidade preta, especialmente bantu, não é um enredo de lamento, de tristeza e de reprodução. É um enredo que celebra a vida sob um olhar bantu, então não pode faltar a alegria característica do povo do Morro da Mangueira que a cada dia acorda e enfrenta a realidade para construir o seu presente e projetar o seu futuro. Não pode faltar a alma da Mangueira, festiva, valente que consegue, como diz o desfecho do enredo, celebrar a vida, desafiar a morte e ainda fazer carnaval”, destacou Sidnei.

O carnavalesco explicou que está conciliando o trabalho entre Rio de Janeiro e São Paulo com duas equipes distintas. Ele possui uma equipe de muitos anos em São Paulo, enquanto montou uma nova equipe no Rio de Janeiro para acompanhar seu trabalho na Mangueira. No Rio, Sidnei tem estado mais presente pessoalmente para entender a dinâmica do Carnaval carioca. Enquanto isso, em São Paulo, ele supervisiona o trabalho à distância, dando orientações e contribuindo com sua assinatura e desenvolvimento dos projetos.

Conheça a sinopse do enredo da Mangueira para o Carnaval 2025

“Eu tenho uma equipe de muitos anos em São Paulo que me acompanha e ela ficou lá. Então eu montei uma equipe no Rio, uma equipe, entre aspas, nova, para me acompanhar aqui com a minha presença. Eu tenho ficado muito mais presente aqui na Mangueira, no Rio, para entender a dinâmica do carnaval do Rio. E eu tenho uma equipe que conduz o meu trabalho em São Paulo, onde eu faço a assinatura e faço, lógico, os desenhos, o desenvolvimento, mas eu tenho uma equipe que toca, porque até sabe como eu penso, como eu gosto, como eu funciono e aí eu fico aqui no Rio mais presencial”, explicou Sidnei.

Sidnei acompanha o carnaval do Rio desde os 16 anos, e até se tornar carnavalesco, ia a todos os desfiles da Sapucaí anualmente, até por volta de 2008 ou 2009. Durante esse período, assistiu a desfiles marcantes, como os de Chico Buarque, o Nordeste de 2002 e a Língua Portuguesa, entre outros. Ele destaca o samba de 1990, “E deu a louca no barroco”, como o ápice da beleza melódica e da construção, este samba o encanta muito por conta da narrativa sobre uma mulher que surtou em Vila Rica e construiu um mundo particular em um enredo que se pretendia barroco. Ele elogia a construção e desconstrução desse enredo, e destaca que o samba vem de um enredo de Fábio Borges, um carnavalesco com quem teve o prazer de conviver e que também trabalhou em São Paulo.

“Eu posso dizer que eu não tenho um desfile preferido, mas eu tenho um samba. Eu acompanho o carnaval do Rio desde os meus 16 anos, desde 1996 eu venho todo ano até eu me tornar carnavalesco, porque aí o carnaval se tornou um trabalho, um compromisso e a partir de 2008, 2009, já não consegui manter essa regularidade. Mas de 96 a 2008 eu vim em todos os desfiles da Sapucaí, eu acompanhei Chico Buarque, o Nordeste de 2002, a Língua Portuguesa e foi vindo vários desfiles incríveis. Eu não consigo classificar um desfile, eu destacaria o samba de 90, ‘Deu a louca no barroco’ . Acho esse samba o ápice da beleza melódica e da construção, ou melhor, da desconstrução, uma narrativa de um enredo que se pretendia barroco, mas era muito louco falar de uma mulher que surtou lá em Vila Rica e construiu um mundo particular. Aquele samba me encanta muito, que inclusive vem de um enredo, o enredo é do Fábio Borges, um grande querido que trabalhou em São Paulo e a gente teve o prazer de conviver”, contou Sidnei.