Muitos pensam que o encerramento dos desfiles de escolas de samba de São Paulo em 2024 não teria arquibancadas cheias nem emoção já na manhã do domingo de carnaval. Não poderia existir engano maior. Com o fortíssimo e culturalíssimo enredo “Ifá”, o samba-enredo ganhou destaque e conquistou o prêmio Estrela do Carnaval. Para falar sobre temas ligados à canção, o CARNAVALESCO, organizador da honraria, entrevistou dos dois compositores da obra: Carlos Bebeto e Macaco Branco. A festa de premiação será realizada na segunda-feira, dia 22 de abril, a partir das 18h, no Pratifaria Bar – Avenida Brig. Faria Lima, 2627 – Jardim Paulistano. * COMPRE AQUI SEU INGRESSO
Paixão pela obra
A entrevista com Carlos Bebeto foi realizada por telefone. Ao adicionar o número do compositor, a reportagem, por curiosidade, clicou para ver qual seria a frase de apresentação do mesmo no WhatsApp. Eis que ela se revelou: “Epá Oju Olorun, Ifá ó Exú agô!” – nada mais, nada menos que os primeiros versos após o refrão do próprio samba-enredo. Mais do que isso: logo ao entrar em contato com o compositor, ele já falou um pouco sobre a sensação de conquistar o Estrela do Carnaval: “Estamos extremamente felizes e orgulhosos do resultado! Nossa obra proporcionou à comunidade da Cantareira tirar nota máxima – e ajudar a escola foi imensurável. Agora, ser premiado por um dos principais sites em uma premiação do carnaval de São Paulo é um momento ímpar em nossas vidas que será eternizado. Toda a gratidão a vocês. Foi realmente uma sensação inesquecível e uma sensação maravilhosa: todos os principais compositores do Brasil disputaram a eliminatória”, comemorou.
Palavras semelhantes foram ditas por Macaco Branco – que, além de compositor, também é mestre de bateria da Swingueira de Noel, da Unidos de Vila Isabel, vencedor do Estrela do Carnaval carioca do segmento em 2024 e ouvido pela reportagem na premiação. “É uma gratidão imensa ganhar um prêmio de tamanho grandeza que é o Estrela do Carnaval, do CARNAVALESCO, que é o site mais conceituado do nosso Carnaval e que temos um grande respeito, já que cobre o carnaval de ponta a ponta do nosso país. Esse reconhecimento é maravilhoso. Graças a Deus fomos felizes com os arranjos, com o trabalho que fizemos esse ano, então fomos agraciados pelo nosso trabalho”, pontuou.
Ao falar sobre como foi o processo de construção da obra, Macaco Branco revelou que ficou sabendo da história a ser contada pela Acadêmicos do Tucuruvi no site que você lê neste momento. Ele também aproveitou para falar sobre o quanto a religiosidade é importante para ele – e, graças a essa vivência, veio a inspiração para tal samba: “Na verdade, quando saiu o enredo, eu vi o lançamento no CARNAVALESCO mesmo, porque eu estou muito antenado e ligado no que está rolando. E, quando eu vi o enredo sobre Ifá, eu falei que tinha que voltar a compor. Já tinha sido tricampeão na União do Parque Curicica junto com o Carlos Bebeto… e eu sou um apaixonado por Ifá. Não sou iniciado no Ifá, mas sou iniciado no Candomblé de Nação Angola [também conhecido como banto]. Decidi chamar o Bebeto, que é meu parceiro, para poder fazer essa homenagem para Ifá. Na verdade, não sabia se ia ganhar ou se ia perder, mas o importante era o amor e o carinho pelo que podemos fazer com a obra e com a poesia para poder saudar Ifá. E, graças a Deus, nosso samba foi escolhido por Ifá para ser o samba que ia defender a escola na avenida. Graças a Deus foi cotado como um dos melhores sambas do carnaval, ajudou muito a escola e ganhamos o Estrela do Carnaval. Então, para mim, é um presente divino de Ifá, de Orunmilá. Eu só tenho a agradecer a Deus e aos meus orixás por ter a honra de ter ganho o Estrela do Carnaval aqui no Rio de Janeiro, com a melhor bateria, e de samba-enredo em São Paulo. Eu sou um cara muito feliz”, relembrou.
Carlos Bebeto aproveitou para pontuar que, mesmo sendo o único paulistano da parceria, não sabia se a eliminatória seria fácil por conta de tal característica. “O trabalho para a composição parte primeiramente do meu irmão, amigo e parceiro de composição Macaco Branco, que é iniciado na religião. Quando ele viu o enredo, me propôs este desafio. Fiquei ressabiado por ainda não ter nenhum tipo de contato na Tucuruvi – mesmo nascendo em São Paulo e morando no Rio de Janeiro. Quando saiu a sinopse, eu, que sou pós-graduando em História, me encantei. Como sou apaixonado pelas religiões de matriz africana, comecei a criar e canetar junto do meu parceiro Macaco Branco. Nesse momento, chamei meus parceiros compositores da Unidos de Vila Isabel para fecharmos a parceria. E, graças a Deus, o resultado foi esse samba maravilhoso”, pontuou.
Histórias no carnaval paulistano
Mesmo morando atualmente no Rio de Janeiro (ele, atualmente, é pós-graduando em Ensino de História e Cultura Africana e Afro-brasileira no IFRJ), o primeiro contato de Carlos Bebeto com as agremiações foi na cidade-natal do compositor: “Nasci em São Paulo, na Zona Leste, na região de Itaquera, e me mudei com minha mãe ainda criança para o Extremo Leste do município, na Cidade Tiradentes. Meu primeiro contato com o carnaval foi através da paixão da minha mãe com o Vai-Vai e na escola de samba do meu então bairro, a Princípe Negro. Comecei na agremiação onde morava em 95 em uma ala, depois na bateria, fui compositor e até mesmo intérprete oficial em 2003. Mas eu sabia que cantar não era o meu quadrado… em 1998 tentei desfilar no Vai-Vai e, em 1999, nos Gaviões – mas não consegui em ambos. Em 2000, me tornei ritmista dos Gaviões, onde permaneci até 2004 – e me tornei Ritmista do Vai-Vai. Na Saracura fiquei até 2017 e, paralelamente a isso, ganhei três sambas na Príncipe Negro, um na Dom Bosco e, em 2015, no Amizade Zona Leste. Perdi três finais seguidas na Nenê, uma no Morro da Casa Verde e uma disputa nos Gaviões em 2019, o que me fez desistir de compor em São Paulo. Isso até Papai do Céu (ou melhor, Ifá) colocar a Acadêmicos do Tucuruvi na minha vida”, contou.
Mesmo carioca da gema, não foi a primeira vez que Macaco Branco participou de eliminatórias paulistanas. Em 2020 e em 2022, respectivamente, ele também teve composições em São Paulo, em escolas do Grupo Especial: “Eu já tinha feito samba, já tinha disputado samba nos Gaviões da Fiel, na Acadêmicos do Tatuapé. Nos Gaviões da Fiel foi sobre o amor, o carnavalesco era o Paulo Barros. Na Tatuapé, era sobre Preto Velho, também. Fiz o samba por ser um samba sobre a nossa ancestralidade. E, agora, sobre Ifá, no Tucuruvi, que é uma escola que eu tenho um carinho imenso, pude aprender a conhecer a comunidade. Tem pessoas lá que eu admiro pra caramba, como o Mestre Serginho, que é um grande mestre, um dos maiores mestres de bateria do Brasil. Quero deixar um abraço para a galera do Zaca, para o presidente, para a diretoria de carnaval, para todos os passistas, para a galera da comunidade: se não fosse eles, nada disso seria possível. Não adianta você ter um grande samba, um samba excelente, se você não tiver os componentes ali imbuídos em fazer isso acontecer na avenida. Graças a Deus conseguimos fazer um ritual maravilhoso para ensinar o carnaval de São Paulo com o nosso samba sobre Ifá”, destacou.
Vem mais por aí?
Durante a conversa com a reportagem, Carlos Bebeto destacou que, ao menos ele, não pretende se afastar das eliminatórias paulistana. E, perguntado se ele estaria novamente presente nas eliminatórias da Acadêmicos do Tucuruvi (unânime na opinião dos sambistas paulistanos como a mais forte em 2024), fez mistério: “Se Deus quiser, em 2025, será outra paulada. Se teremos outro samba ou não… aguarde e verás! “NoIlêDaCantareiraSouFeliz”, finalizou.
É importante destacar que o Zaca, como a escola é popularmente conhecida, já tem enredo para 2025: trata-se de “Assojaba – A Busca pelo Manto”, que relata a história dos raríssimos mantos tupinambás produzidos no período colonial brasileiro.