Segunda agremiação a entrada no Sambódromo do Anhembi, os Gaviões da Fiel trouxeram como enredo a palavra “Basta!”. Propondo-se a iniciar uma revolução em plena avenida, a escola não economizou na crítica e procurou chocar o público escancarando a dura realidade que muitas pessoas enfrentam todos os dias, além de relembrar os vários crimes cometidos contra a humanidade ao longo da história, como a escravidão, genocídios e devastação. * VEJA FOTOS DO DESFILE

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Cercado de muitas dúvidas por conta do grande atraso nos preparativos e as polêmicas que cirundaram todo o pré-carnaval da escola, a sensação foi de que um milagre aconteceu. A Torcida que Samba passou completa na avenida, com alegorias belas e de fácil leitura, e um conjunto de quesitos que surpreendeu até o corinthiano mais pessimista. Grande destaque para todo o elenco performático, da comissão de frente, passando pelo primeiro casal de mestre-sala e porta-bandeira e o teatro em cima das alegorias. Poucos esperavam alguma coisa positiva dos Gaviões, e isso pode ter sido um gás extra nas impressões positivas de todos que a viram passar no Sambódromo do Anhembi.

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Comissão de Frente

A Fiel Torcida iniciou sua apresentação do povo oprimido que luta pela liberdade, representado por Gaviões, contra os Monstros da opressão, em coreografia orquestrada por Sérgio Cardoso. O repertório foi nomeado como “Basta! Pela Liberdade!” e foi dividido em três momentos diferentes, onde os integrantes contracenaram com elementos cênicos móveis, que juntos formavam celas de um presídio. O primeiro ato representou o povo oprimido, com as aves se mantendo presas na clausura com suas asas abaixadas. Na segunda parte, eles alçam voo e iniciam um confronto com as criaturas malignas. Finalizando, os protagonistas, de asas abertas, aprisionam os vilões simbolizando a mensagem principal de “basta!” do enredo.

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A coreografia encaixou com sucesso de acordo com o ensaiado. Os componentes se esforçaram bastante em transmitir suas expressões nos mínimos detalhes. A transição entre os atos da encenação ocorreu sem dificuldade e contagiou o público. As três partes da apresentação ocorreram ao longo de duas passagens do samba e foram de fácil acompanhamento. Quesito sempre muito aguardado da escola, não desapontaram em nenhum momento.

Mestre-Sala e Porta-Bandeira

Wagner Lima e Gabriela Mondjian foram os responsáveis por carregar o pavilhão principal dos Gaviões da Fiel. Representando o “Tributo Gavião”, que fez alusão à ancestralidade africana, o casal aproveitou da energia da comissão para apresentar uma dança deslumbrante e de muita sincronia. Os movimentos se conversavam com tranquilidade, e nos momentos-chave do samba faziam gestos de protesto com os punhos cerrados. A grande atuação levantou ainda mais o público.

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Harmonia

Um verdadeiro calcanhar de Aquiles da escola, esperava-se que não seria diferente com base nos ensaios técnicos. Mas o grito de “basta!” parecia entalado na garganta, e o canto aconteceu na avenida. Muitos componentes dentro das alas cantaram o samba com gosto e formaram um belo coral na avenida.

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Enredo

Os Gaviões da Fiel trouxeram para a avenida um desfile bastante crítico, com ausência praticamente total de elementos que costumam marcar o carnaval. A intenção foi de fato chocar ao retratar a dura realidade que pessoas pelo mundo todo encaram diariamente, e propor ao público do Sambódromo do Anhembi a se juntarem à escola na promoção de uma revolução contra essa situação inaceitável.

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Partindo da herança africana, a realeza ancestral é mostrada em sua opulência anterior ao processo de escravidão. O Abre-alas faz uma transição entre esse momento e a população negra já no Brasil, onde essas pessoas seguem lutando dia após dia para consolidar seu lugar de fala. O segundo setor apresenta a desigualdade social, com enfoque principal na miséria das pessoas que sofrem nas ruas e favelas, enquanto ricos, por cima deles, desfrutam de suas regalias com pessoas morrendo pela fome e doenças, como a Covid-19. Da opressão aos menos favorecidos até a destruição de aldeias indígenas são marca do terceiro ato da apresentação da escola, que em apenas duas alas mostram várias fantasias para encravar com impacto quem oprime e quem é oprimido, encerrando com a devastação do meio ambiente em mais uma alegoria impactante. Encerrando a apresentação, grandes nomes da história do Brasil e do mundo são relembrados como exemplos de inspiração para um novo tempo, com as crianças representando a esperança de um futuro melhor através da educação, e encerrando a passagem com uma mensagem de paz.

De leitura fácil, o enredo cumpriu a missão de passar o recado ao longo de toda apresentação. Os setores centrais da escola causaram bastante comoção, e foram o ponto alto do desfile dos Gaviões

Evolução

Ao longo de todo o desfile os Gaviões conseguiram andar na pista com fluidez e tranquilidade. Em um momento no terceiro módulo, porém, houve uma abertura de buraco na frente do Abre-alas que pode custar alguns décimos caso outras falhas foram percebidos pelos demais jurados.

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Samba-Enredo

O samba dos Gaviões é uma das mais belas obras da safra de 2022. Porém, como foi apresentado ainda em 2020, houve a substituição do carnavalesco Paulo Barros por Zilkson Reis, e é um tema que trata uma realidade em constante atualização, essas mudanças acabaram fazendo com que elementos na pista não fossem ouvidos nos versos da música. A explosão de casos da pandemia do novo coronavírus, por exemplo, ocorreu após a divulgação da letra e contou com representação no segundo carro, mas nada é citado a respeito nos versos.

Ernesto Teixeira impressionou como sempre e liderou o carro de som da escola com a maestria de um grande veterano. O samba foi de fácil entendimento pelo público, que começou a cantar com a escola progressivamente ao longo do desfile. A trilha sonora da Fiel Torcida foi parte importante para dar o tom do ambiente proposto pelo enredo.

Fantasias

O conjunto de fantasias da escola chamou atenção por trazer uma organização e distribuição incomuns. A escola veio com apenas 11 alas, incluindo a Velha Guarda, ala de convidados e a bateria. As demais oito alas vieram distribuídas pelos quatro setores perceptíveis, que não possuíam uma divisão delimitada, e as alas de números 5, 6 e 7 vieram com várias fantasias diferentes, com similaridades entre si ao longo de cada segmento. Lembrou brevemente a ousadia proposta pela Beija-Flor de Nilópolis no carnaval carioca de 2017 com seus grupos cênicos.

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No geral simples, mas de fácil leitura, as fantasias conseguiram ser compreensíveis mesmo nos setores em que se misturavam. Alas grandes, mas com diferentes elementos, ajudaram a transmitir uma visão diferente de se ver o setor na avenida e conseguiram agradar sem faltar com a mensagem que pretendiam passar.

Alegorias

Muito comentadas no pré-carnaval pelos boatos acerca do atraso na concepção, as alegorias dos Gaviões da Fiel procuraram transmitir mensagens claras e impactantes. O Abre-alas contou com um primeiro módulo representando a realeza africana junto da ave símbolo da escola, enquanto o segundo procurou relatar, através de grupos cênicos, quatro situações: Reis e rainhas antes da chegada dos europeus, o período da escravidão, o racismo estrutural dos dias de hoje e a conquista da igualdade em solo brasileiro.

O segundo carro, com uma mensagem de muito impacto visual, levou uma gigante escultura de uma criança esquelética representando a fome, e teve sua parte inferior tomada por favelas, a miséria dos que moram na rua e das vítimas causadas pela má gestão da saúde, inclusive na pandemia. Acima de todos esses elementos, o luxo da vida de um pequeno grupo de ricos, que se esbanjavam de toda fartura. Foi a alegoria mais marcante de todo desfile, mesmo com o acabamento mais simples.

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A terceira alegoria representou a devastação ambiental na forma de uma floresta tomada por chamas, indígenas sendo “queimados” por labaredas saindo do chão e enormes serras giratórias. Foi outro carro de grande destaque, e fechou os atos de drama e suspense com chave de ouro.

Encerrando o desfile, o último carro trouxe o Dia da Revolução proposta pelos Gaviões, na forma de uma alegoria toda trabalhada na cor branca e com imagens de grandes representantes da luta pela liberdade e democracia ao longo da história.

Outros destaques

A rainha veio! Sabrina Sato marcou presença na frente da bateria Ritimão e foi aplaudida pelo público. Ainda haviam dúvidas sobre sua presença no desfile, afinal ela também é a majestade principal da Unidos de Vila Isabel, no Rio de Janeiro.

Mas o maior destaque de todo o desfile sem dúvidas foram as encenações dos componentes por toda a avenida. Repleta de diferentes interpretações, no segundo carro dos Gaviões da Fiel pessoas dramatizavam comer restos de lixo, uma mãe com seu filho morrendo em seus braços durante uma troca de tiros, e pra finalizar, um homem morrendo sufocado por falta de oxigênio. O carro arrancou lágrimas do público e foi ovacionado na avenida em um momento para entrar na história.

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O carnavalesco Zilkson Reis, que na parte final dos preparativos foi muito bem substituído pelo enredista Júlio Poloni após o caso ocorrido na quadra da escola, não deixou de ser homenageado. Ernesto Teixeira desejou pronta recuperação ao artista, e dedicou o desfile da escola a ele.

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