Por Gustavo Lima e Will Ferreira
A final de uma eliminatória de samba-enredo costuma levar torcidas bastante animadas às quadras das escolas. Na última sexta-feira, a Rosas de Ouro coroou uma obra que apostou, justamente, no contrário. Escrita por apenas três compositores (Vaguinho, Rapha SP e Marcus Boldrini), a canção teve acompanhamento bem mais discreto de quem acompanhava a execução da obra – que, claramente, não investiu em torcedores ou adornos como bexigas e bandeiras. O CARNAVALESCO conversou com diversos segmentos da azul e rosa durante o evento.
Superação
Assim pode ser definida a vitória do Samba 10 na eliminatória da Roseira. Último a se apresentar, chamou atenção de todos a falta de torcedores mais animados, com camisas alusivas e pessoas cantando efusivamente, com bexigas e bandeiras – atitudes comuns em finais de samba-enredo, que os concorrentes (enumerados como 9 e 7 nas eliminatórias, de acordo com a ordem de apresentação) optaram em buscar. Vaguinho, um dos compositores da obra, destacou o quanto ele e os companheiros precisaram se desdobrar para a grande final.
“Foi um dia maravilhoso, mágico, já que vencemos pegando a sinopse bem tarde. Na verdade, estávamos abdicando de fazer por conta da mudança de parceria, estávamos tristes. Decidimos fazer e encarar o desafio de fazer apenas nós três, sem dinheiro e sem torcida. Tive o apoio pessoal do Igor Federal, compositor e meu parceiro, que nos ajudou com algum apoio financeiro – embora não precisássemos de muito, já que a comunidade abraçou. Estamos muito felizes, juntamente com o Rapha SP e com o Marcus Boldrini”, afirmou.
Aqui, é importante destacar que o trio já venceu em outras oportunidades o concurso da Roseira. Os três tiveram a honra de ser escolhidos pela quinta vez na agremiação desde 2017 – mas, nas outras oportunidades, a parceria tinha entre oito e dez pessoas.
Rapha SP também destacou as adversidades encontradas para exaltar a vitória da parceria. “É sempre uma emoção nova. Agora estamos com essa parceria enxuta com três compositores. Criamos essa missão de ganhar a disputa de samba nesse formato. A gente conseguiu e isso não tem preço. Falar da nossa cidade, de São Paulo é muito importante. O Ibirapuera é um parque que eu frequento”, desabafou, aproveitando para destacar a importância da temática escolhida.
‘A Roseira vai te emocionar’
O último verso do refrão de cabeça da canção vem bem a calhar para quando os compositores deixaram claro o quanto a vitória foi especial. Marcus Boldrini, torcedor desde pequeno da azul e rosa, deixa isso claro.
“Ganhar na Rosas de Ouro é um sentimento inenarrável. É minha escola de coração, sou nascido e criado aqui. Eu trabalho com a Leci Brandão, faço shows, sou diretor musical e meu primeiro show com ela, quando eu tinha 19 anos, foi aqui na Rosas de Ouro. Sou o maior campeão aqui. Ganhei em 2010, 2011, 2015, 2016, 2017, 2018, 2020 e agora 2024. É minha casa e não tem o que falar”, relembrou.
Já Vaguinho preferiu falar um pouco mais sobre o processo criativo para criar a obra vencedora. “Quando pegamos a sinopse e lemos, conseguimos incorporar e nos vestirmos da ideia do carnavalesco. Falamos sobre um enredo teoricamente muito difícil, mas não era. Nos vestimos de poesia, tentou fazer o melhor, como sempre, e acredito que conseguimos – se não, não teríamos vencido o concurso”, comentou.
Trio parceiro
Para superar parcerias com diversos compositores, a compensação veio com base em muita união entre o trio. Rapha SP contou um pouco sobre as reuniões para que a obra fosse composta. “Esse samba foi composto totalmente presencial. Sem home office. Tomamos uma cerveja sentados juntos e em quatro dias fechamos ele. Foi maravilhoso, todos opinaram. O Marquinhos é maestro, o Vaguinho é meu professor e eu estou fazendo o que eu posso por essa escola”, pontuou.
Mesmo perguntado sobre o novo regulamento, Vaguinho fez questão de frisar o quanto a parceria com os demais autores ajudou no processo. “Eu nem encaro mais com uma responsabilidade, porque são muitos anos fazendo obras vencedoras. Aqui no Rosas, é a quinta vez que eu saio como vencedor. Temos cumprido a expectativa da escola e conseguido bons resultados. Vai ser mais um ano em que vamos cumprir parâmetros de jurados. Tomara que gabarite, é sempre difícil, mas a responsabilidade a gente leva como paixão. Paixão não tem profissionalismo, a gente ama samba-enredo, se diverte fazendo, gosta de fazer, se diverte depois”, comentou o compositor.
Falando em regulamento…
Diversos segmentos da escola aproveitaram a final do concurso de samba-enredo para falar sobre o impacto das mudanças no novo regulamento para 2024. Um deles foi Uilian Cesário, mestre-sala da escola, que bailará com Isabel Casagrande pela primeira vez no próximo ano – se a porta-bandeira já é uma veterana na Freguesia do Ó, atuando desde 2016 na agremiação, ele desfilará pela primeira vez na Roseira na próxima temporada, depois de desfilar entre 2019 e 2022 na Mocidade Alegre.
“Estávamos acostumados com o modelo anterior, mas há anos o quesito pedia por mudanças. Isso eleva a dificuldade, porque acaba diferenciando os casais (o que é ótimo), mas teremos que reaprender a fazer tudo isso na prática, na coreografia e na dança. Estamos preocupados e ansiosos, e com o regulamento embaixo do braço nesses primeiros passos. Agora, com o samba-enredo, vamos continuar trabalhando da forma mais técnica possível para que não traga risco nenhum para a comunidade”, comentou.
O próprio Vaguinho deixou claro que, em certas situações, a reflexão só poderá ser feita de maneira integral depois da apuração do carnaval de 2024. “Esse é um ano atípico, porque é complicado cumprir algo quando você ainda não sabe o roteiro do desfile. Acredito que tenhamos acertado ou, pelo menos, chegado perto. Sabemos, também, que o carnavalesco adequa a ordem de desfile dele de acordo como samba-enredo, então espero que a gente tenha sido feliz nesse sentido e que a Rosas tenha um bom resultado na avenida”, destacou.
Outro fato que envolve a Liga Independente das Escolas de Samba de São Paulo (Liga-SP) foi levantado por Dante Batista, diretor de Harmonia da agremiação: o horário do desfile. Em 2024, a escola será a última a se apresentar na sexta-feira de carnaval – combinação mais tarde possível no carnaval paulistano, dada a diferença de horários entre as primeiras e segundas noites na folia da cidade. “Que horas abre o parque? A gente vai desfilar no horário em que estaria abrindo o parque. Foi uma decisão interna da Liga, mas entre nós ficou muito mais gostoso, porque vamos desfilar em um horário de parque. Para gente foi um grande momento. Vamos ter a nossa escola presente, até porque se a gente voltar em 2017, fizemos um grande desfile sendo a última escola, por exemplo”, comentou.
Boa primeira impressão
Se não haviam pessoas tão efusivas quanto nas outras apresentações, a canção escolhida pela Rosas de Ouro agradou pessoas-chave na agremiação. Comandante da Bateria com Identidade desde 2014, Rafael Oliveira, o mestre Rafa, destacou que os ritmistas compraram a ideia dos compositores de maneira quase que imediata.
“Gostei muito do samba, era algo que entre eu e a diretoria nós escolhemos nessa semana. Foi um samba que veio de uma semifinal sem torcida, foi um samba que a bateria escutou e abraçou. Eles vieram com a cara com a coragem, era um samba de melodia bacana e legal para nós, foi um samba que os ritmistas da bateria gostaram e escutaram. Pode ter sido um amor à primeira vista, sim. Aqui, inclusive, tem uma tradição: a bateria se manifesta na final. Eu nem fico na frente da bateria para não incentivar, mas eu sempre falo para o pessoal ficar à vontade para se manifestar – desde antes da minha chegada como mestre de bateria, é assim há muito tempo. Estamos felizes e realizados, só tinha gente da escola torcendo para o samba – e não somos contra torcida de amigos e etc, acaba abrilhantando o espetáculo. Mas ganhou o samba que o povo da escola queria”, comentou, aproveitando para elogiar o respeito entre os comandados.
Rafa continuou fazendo elogios à obra, aproveitando para relembrar ao menos uma vez em que os ritmistas não tiveram a preferência escolhida pela direção. “Tinham dois sambas que gostávamos bastante, que tinha muita possibilidade de trabalho, e esse era um dos nossos favoritos. Eu costumo falar que não trabalho muito com sinopse, eu cuido da melodia – quem tem que cuidar de sinopse é carnavalesco e comissão de carnaval. Graças a Deus ganhou um samba que queríamos trabalhar, aqui, em alguns momentos, não ganhou o samba que a bateria queria, já “perdemos”, mas tivemos um bom resultado – como em 2019, que não simpatizávamos, mas a canção nos proporcionou um mega trabalho, reconhecido com vários prêmios. O bom de ter um mestre de bateria de casa é que, se ganhar ‘Ciranda Cirandinha’ ou ‘Ilari Ilariê’, vamos tocar felizes. Nosso intuito aqui é colocar a escola entre as campeãs de novo, brigar pelo título e tudo mais”, brincou.
Mais sucinto, Uilian também aprovou a escolha. “Gostei muito da escolha, foi um samba abraçado pela comunidade e deu para sentir uma energia muito diferente dele. Estou muito animado com ele e muito feliz”, revelou.
De maneira mais técnica, Dante também teceu elogios à obra. “A ideia é uma proposta melódica que permite essa interação. Tem refrões bem construídos, faz a escola se mexer naturalmente. Os quesitos estão mudando e é uma oportunidade de nós melhorarmos a nossa evolução. Esse samba nos permite fazer isso”, comentou.
Processo de renovação
Apesar de deixar ótima impressão para público e crítica em 2023, com “Kindala! Que o amanhã não seja só um ontem com um novo nome”, a Rosas de Ouro teve dificuldades na apuração. A agremiação da Zona Norte ficou na 12ª colocação (a pior da heptacampeã do carnaval no Grupo Especial), apenas um décimo à frente da zona de rebaixamento.
O resultado seria desastroso por inúmeros motivos. Um deles versa sobre o orgulho da agremiação de nunca ter sido rebaixada – juntamente com a Mocidade Alegre, são as únicas escolas que nunca caíram de grupo. As notas, entretanto, não tem sido favoráveis à azul e rosa: desde 2019 a instituição não vai ao Desfile das Campeãs.
Para tentar recolocar a Rosas nas primeiras colocações, diversos processos estão sendo feitos, de acordo com Dante. “A gente tinha uma safra legal de sambas-enredo com propostas diferentes e a gente procurou escolher aquele que é mais adequado com a nossa estratégia de desfile. A Rosas de Ouro está passando por uma série de mudanças. A gente está pensando muito em reconhecer os nossos problemas e tentar superar. Acho que esse samba nos traz uma oportunidade melódica de fazer um carnaval mais leve e mais solto para a nossa comunidade. Foi isso o que pesou, mas eram três sambas legais. Acho que a gente teve uma condução muito bacana. O samba 9 é de compositores da casa, o 7 é da ala de compositores. Eu acho que saímos fortalecidos por trazer a nossa comunidade de volta. Conseguimos melhorar o horário e estou muito feliz com essa final”, aproveitando para falar da organização da instituição, que não contou com grandes atrasos para a escolha do samba-enredo.
A todo vapor
Muitos dos segmentos da agremiação já estão ensaiando para que todo o planejamento seja executado à perfeição. O casal de mestre-sala e porta-bandeira, por exemplo, já está há quase um semestre em ação, conta Uilian. “Já estamos ensaiando desde março, que foi o mês que antecedeu a minha apresentação na comunidade. Agora, vamos conseguir ter uma dança mais contextualizada, com gestos e movimentos muito mais sincronizados com o samba e, possivelmente, com a bateria – sabemos que a bateria do Rosas costuma ter muitos breques e paradinhas. Ao longo desse trabalho, vamos conseguir incrementar para termos a unidade na apresentação, tanto junto com a bateria quanto na coreografia na pista em si”, revelou.
Os ritmistas da Bateria com Identidade também já estão esquentando o couro – e logo no começo da semana, como é tradicional na Brasilândia. “Já estamos ensaiando, estamos lapidando um pessoal que veio de audições que realizamos. A partir de agora, começamos a fazer laboratórios e começamos a montar arranjos e testá-los. Continuam os ensaios de segunda-feira, e vamos passando para a bateria o que vamos criando”, finalizou Mestre Rafa.