De volta com o projeto “Encontro de Quilombos”, a Beija-Flor abriu na noite do último sábado a temporada de ensaios de rua, recebendo a Vila Isabel. O encontro entre as duas azuis e brancas aconteceu na tradicional “pista de treinos de Nilópolis”, a Avenida Mirandela, na Baixada Fluminense. O povo de Noel fez uma apresentação leve e contagiou o público. A Deusa da Passarela, anfitriã do evento, fez seu primeiro ensaio de rua com a presença da comunidade em peso. E o encontro estava formado: uma escola com seu samba consagrado para reedição e outra dando os primeiros passos para convencer de que fez a melhor escolha para cantar em 2024.
A Vila Isabel fez festa. Saíram 15 ônibus da quadra e cerca de 650 pessoas estiveram em Nilópolis para inaugurar mais um “Encontro de Quilombos”. Teve a seriedade de um ensaio, mas em contingente bem menor que acontece na casa deles. Os componentes puderam mais brincar do que se preocupar com os quesitos. “A Vila Isabel está imensamente honrada pelo convite. Esse projeto do ‘Encontro de Quilombos’ só engrandece o samba e une as escolas. Ficamos todos muito satisfeitos de estarmos aqui hoje com a Beija-Flor. Carnaval é alegria e emoção. Foi isso que a Vila mostrou aqui hoje”, citou Wanderson Sodré, da comissão de harmonia da Vila.
Dudu Azevedo, diretor de carnaval da Beija-Flor, comentou a presença da Vila. Para ele, o encontro promovido em Nilópolis é oportunidade para a população ver as escolas que eles não têm muito contato ao longo do ano.
“Não tinha outra escola para abrir que não fosse a Vila Isabel. O povo de Noel rasgou isso aqui cantando o samba deles e a gente via a alegria de cada componente brincando o samba. A gente tem que agradecer a Vila por ter saído lá da 28 de setembro e vindo aqui fazer uma excelente apresentação. O povo de Nilópolis, que não consegue ir até a Vila Isabel, teve a oportunidade ver a escola de lá aqui, na cidade deles, Nilópolis é um polo cultural e estamos aqui, dia 11 de novembro, trazendo cultura para Nilópolis”, afirmou Dudu.
Mas, para a Beija-Flor era o início de um trabalho que vai terminar no domingo de carnaval. Para o primeiro ensaio, se percebeu uma escola solta, dos componentes à direção, que não usaram rádio para comunicarem entre si. Ainda assim, a escola foi organizada e o ensaio fluiu como de costume. É como se Deusa da Passarela estivesse sempre pronta para ganhar 10 em evolução e harmonia. O canto rendeu e o samba já está decorado e ecoando pelas alas.
“Esse primeiro dia foi para soltar a escola. Marcamos todas as paradas nos módulos, conseguimos colocar a bateria no box. Mas, tudo feito para deixar a escola solta e vimos um carnaval na Mirandela. A gente conseguiu alcançar o que vem acontecendo na quadra. Um samba para o povo, para a alegria de carnaval, com as pessoas brincando”, avaliou o diretor de carnaval da Beija-Flor Dudu Azevedo.
E, entre uma escola visitante em festa e outra ensaiando para valer, mais um encontro se forma toda vez que a Mirandela recebe um ensaio: o das crianças com o mundo dos sonhos do carnaval. Por percepção, é no ensaio da Beija-Flor onde estão presentes as crianças em maior número, em relação aos pequenos em outros ensaios. A quantidade deles, coloca em contraponto passado e presente de uma escola desfilando, e futuro na calçada, agitando uma bandeira praticamente do tamanho do corpo.
A Vila canta que a criança é esperança é Oxalá, sabendo que, em uma escola de samba, elas são sementes do ritmo do tambor e dos rituais que perpetuam a instituição. Que feliz ver olhinhos brilhando ao bailar de Claudinho e Selminha, que fazem questão de levar a bandeira para os menores beijarem. É mais que um gesto praticado pelos guardiões do quesito Mestre-sala e Porta-bandeira. É puro ensinamento da tradição e respeito ao pavilhão. São esses também os valores que a Vila Isabel canta como a função do homem em evoluir.
Entre cores vibrantes e tons de azuis diferentes das duas escolas, é no bailado do passista, do casal e dos braços do mestre de bateria, que a criança pode sonhar mais alto de estar ali um dia. É vendo Marcinho, Cris, Claudinho e Selminha entrando com garra em um módulo de jurados, que uma criança pode encontrar de vez a sua alma de sambista. E foi bem assim que as crianças viram e poderão sonhar de fazer um dia.
Mestre-sala e Porta-bandeira
O casal da Vila é cativante. Na dança, Marcinho e Cris Caldas conseguem exalar simpatia e contagiam o público com um bailado que só melhora com o tempo. Os dois se apresentaram de forma suave. A Cris gira com uma precisão admirável, enquanto Marcinho é pura elegância e seus movimentos dão um acabamento poético na dança. Quando entraram para apresentação no módulo, Cris colocou a mão na cintura. Marcinho apontou para ela, levantou a perna esquerda, apoiando o peito do pé na parte de trás do joelho direito e lá foi a porta-bandeira emendar uma sequência de 15 giros, enquanto o mestre-sala a conduzia com a maior classe do mundo, como se estivesse desenhando o chão para ela rodopiar quase que infinitamente. Conquistaram de vez os nilopolitanos. Eles ainda aproveitaram para sentir de novo o gostinho da distância da pista do Sambódromo, que é a mesma projetada onde a Beija-Flor ensaia.
“Aqui foi bem gostoso. A energia do povo de Nilópolis foi bem contagiante. A pista aqui é um pouquinho maior que na 28 de setembro, mas é bom para começar os preparativos para o desfile. O que contou, foi a vibração que o público passou para a gente o tempo todo”, festejou a porta-bandeira Cris Caldas. Ela ainda aproveitou para trazer informações do desfile, dizendo que terá uma surpresa, mas que não vai trocar de roupa.
Para Marcinho Siqueira, receber carinho de um público novo, é combustível para o trabalho do casal. “Foi ótimo sentir a energia de uma galera que não nos conhece muito e não acompanha o nosso trabalho de perto. Foi gostoso ver a galera aplaudindo e vários adjetivos positivos. Para a gente, é sempre muito bom receber esse carinho”, garantiu o mestre-sala.
Após a bela passagem do casal da Vila, na hora do ensaio da Beija-Flor o casal, lenda do carnaval e de Nilópolis, Claudinho e Selminha Sorriso se apresentou com o primor e a perfeição de sempre. Na apresentação de módulo de jurados, eles entraram no refrão do meio do samba. Selminha fez uma sequência de 14 giros, parou para pegar um ar e emplacou mais 12. Enquanto Claudinho a cortejava, como um malabarista que pode fazer o que quer com as suas sofisticadas pernas. Os dois provam todo dia que são a realeza do quesito.
Samba-enredo
O consagrado Gbalá segue tranquilo na voz do povo do Noel. A ausência do cantor oficial, Tinga, não baixou o canto da escola, ainda que com ele tudo fica mais vibrante. A equipe do carro de som conduziu bem a canção e fez uma ótima passagem por Nilópolis.
Motivo de tensão nas redes sociais após a escolha, o samba da Deusa da Passarela finalmente ganhou a rua. Para uma medição mais precisa sobre seu andamento e capacidade de sustentar um desfile, será preciso aguardar a voz do Neguinho ao ar livre. A equipe do carro de som, responsável por conduzir a canção no ensaio de sábado, deixou boa impressão sobre a possibilidade de crescimento da obra, mas é preciso que a voz do “Homem” entre para inflar de vez a comunidade.
O diretor Dudu Azevedo comentou sobre os questionamentos que o samba vem sofrendo nas redes sociais: “Samba é gosto, é uma arte. Algumas pessoas não terão a mesma visão que nós, que estávamos dentro da quadra conseguimos enxergar. Hoje, nós temos excelentes compositores, fazendo grandes sambas e, o que ganha, é o ue fez a obra que a escola se propôs a desfilar. E a Beija-Flor se propôs a desfilar com esse samba. Uma escolha da comunidade e dos seguimentos, porque era de encontro com o conjunto plástico do João Vitor, com o modo que a harmonia vai trabalhar, com o que o mestre Rodney vai organizar na bateria, com todo mundo brincando. Nós escolhemos o samba que vai do gosto dos nossos líderes”. E foi assim que Dudu Azevedo praticamente colocou uma pedra no assunto escolha de samba.
Harmonia
Se hoje a Vila poderia se dar ao luxo de ser uma diversão, os componentes brincaram da forma mais séria possível, liderados por Tinguinha, no carro de som. Havia uniformidade no canto da escola do início ao fim, sem momentos de explosão e queda do samba. Claro que o refrão principal é onde todo mundo pula mais, mas a comunidade dos Macacos segurou bem o andamento do samba.
A comunidade da Beija-Flor canta como poucas. O trabalho de harmonia é fantástico. A gana por cantar e berrar o samba é tanta, que a letra da obra foi distribuída para o público poder cantar com a escola e somar vozes ao coro dos componentes. Antes do ensaio começar, Dudu Azevedo já tinha pegado o microfone para alertar que, em Nilópolis não se canta, mas se grita o samba. E assim foi feito pela grande maioria das alas.
Evolução
Em contingente menor, fica tranquilo para direção da escola gerenciar a evolução da apresentação da Vila. Os componentes brincaram durante todo o tempo na pista de treino festivo, o que foi praticamente um respiro ao treino raiz que eles fazem no Boulevard 28 de Setembro, toda quarta-feira.
E a escola de Nilópolis evolui praticamente sozinha nos ensaios e tudo dá muito certo, tamanha aplicação tanto das equipes das alas, quanto dos componentes. Neste primeiro ensaio, já se viu uma escola pulsante, compacta e sem clarões entre as alas. Era tudo muito organizado, até algumas alas levaram elementos de mãos, como chapéus de frevo e porta-estandartes com versos do samba.
Bateria
A bateria da Vila é um show à parte e a ausência do mestre Macaco Branco não alterou em nada o ótimo swing, que foi capaz de levantar o público de Nilópolis desde o esquenta. Os ritmistas apresentaram bossas e paradinhas que ajudaram a motivar ainda mais os componentes.
E de bossas, a Soberana está muito bem. Mestre Rodney está pronto para buscar mais um 40 e, desta vez, com um enredo diferente dos que vinha dando ritmo nos últimos anos. A promessa é que seja um desfile alegre e a bateria da Beija-Flor seja convite para o público da Sapucaí brincar carnaval com a escola e com a história de Rás Gonguila.
“A gente vai usar a melodia do samba para brincar carnaval e aproveitar a questão cultural de Maceió. Pode esperar muita vontade e empenho da nossa bateria. Esse enredo é diferente do que vínhamos fazendo, é um samba para cima e nós vamos mostrar a alegria que a cidade de Maceió tem”, explicou mestre Rodney.
Neste primeiro contato com o seu time na rua e os novos arranjos, ele avaliou bem o início de trabalho e aproveitou para reforçar que a escolha do samba foi aclamação coletiva da escola.
“O samba é um looping impressionante. Não fizemos o samba cair e o fomos muito felizes nos arranjos. Estou muito satisfeito com o resultado do primeiro ensaio e com a resposta do público que brincou carnaval com a gente. Para mim, o primeiro ensaio foi maravilhoso”.
A Vila Isabel voltará para seus ensaios de quarta-feira. A Beija-Flor, agora, espera encontrar a Grande Rio, no dia 25 de novembro, em Nilópolis.