Por Diogo Cesar Sampaio
Após viver momentos dramáticos para conseguir por o carnaval de 2018 na rua, o ano de 2019 tem tudo para representar uma virada de página na história da escola. Apesar de todas as dificuldades enfrentadas no atual pré-carnaval, a Renascer de Jacarepaguá investiu em seu barracão, e irá apostar em um desfile grandioso e volumoso plasticamente. Com outros dois trabalhos assinados na agremiação em 2017 e 2018, os carnavalescos Alexandre Rangel e Raphael Torres acreditam que o atual trabalho será o com resultado mais impactante e surpreendente deles.
“Esse ano, mesmo com a crise, vamos trabalhar com alegorias grandiosas. A diferença para carnavais anteriores é essa. Mesmo com toda a dificuldade, a gente está apresentando algo que a Renascer há muito tempo não apresenta. São carros bem maiores do que a Renascer vinha apresentando, e com muito mais esculturas. Acredito que essa parte estrutural vai surpreender”, afirma Raphael Torres.
No entanto, mesmo com mudanças na plástica, algumas características dos trabalhos anteriores permanecerão. Para Alexandre Rangel, assim como 2018, o desfile de 2019 será marcado pela superação dos problemas.
“Assim como os desfiles de 2017 e 2018, o desse ano também terá muita garra, muito amor, muito carinho e muita dedicação, tanto vinda da nossa parte como da parte da comunidade. O carnaval de 2019 é o carnaval da superação e dedicação. Tem muito amor envolvido, tem muita baiana esperando a roupa dela chegar, tem muitas pessoas da comunidade esperando ansiosas pela fantasia, tem a velha guarda com o olho cheio d’água… Isso que faz eu, a cada dia, vir para o meu barracão e fazer o carnaval da Renascer de Jacarepaguá.”, declara Alexandre.
Dois de Fevereiro e o Rio Vermelho
O desfile de 2019 da Renascer de Jacarepaguá vai trazer a história de um dos eventos mais relevantes, e de maior importância, do calendário baiano. A festa de Iemanjá, que acontece todo dia dois de fevereiro, no bairro do Rio Vermelho, em Salvador, move milhares de pessoas todos os anos. A reportagem do site CARNAVALESCO indagou a dupla de artistas da escola sobre como surgiu a ideia do enredo, e como eles pretendem desenvolvê-lo.
“Nós apresentamos três propostas para o Salomão (Antônio Carlos Salomão, presidente da Renascer) de enredo. E aí o Salomão veio com Bahia… A gente tinha um outro enredo de Bahia, só que com uma outra pegada. Mas o Salomão queria falar sobre o Rio Vermelho, só sobre o Rio Vermelho. E o bairro Rio Vermelho é uma Lapa hoje em dia. E o que acontece no Rio Vermelho? A festa de Iemanjá. E em uma conversa entre eu e o Raphael pela madrugada, depois de muito bater papo, ele me falou que achava inviável a gente falar só sobre o Rio Vermelho, e deu a ideia de irmos para Salvador. Viajamos para conhecer lá a fundo, pesquisar e trazer material para, em si, começar a desenvolver o enredo. E foi aí que a gente encontrou o nosso fio condutor, que é a festa de Iemanjá, que acontece dia dois de fevereiro. Uma festa muito conhecida, que se não me engano, depois da Lavagem (das escadarias da Igreja do Senhor do Bonfim), é a maior festa que acontece lá. Só que não é tão divulgada assim. Vai gente do mundo todo para essa festa. O bairro fica abarrotado. Daí com esse fio condutor, a gente começou a trabalhar o enredo, e apresentamos para o Salomão essa proposta junto com o Cláudio Russo. Sentamos os quatro juntos, debatemos, pegamos essa pegada que é um pouco para o afro e um pouco para o cultural também, para não sair dessa linguagem que é da Renascer de Jacarepaguá.”, relata Alexandre.
“Na verdade, eles queriam falar justamente sobre a festa, mas eles queriam falar também de todo o contexto do Rio Vermelho. O que eu falei pra o Alexandre foi que era inviável essa proposta, e que a gente teria de pegar um fio condutor. Todo enredo tem que ter início, meio e fim. Foi nesse momento que falei para começarmos com toda a história da chegada dos negros escravizados até a festa em si.”, complementa Raphael.
Contando com a participação de Cláudio Russo no processo e construção do enredo, a dupla de carnavalescos comentou sobre a relação deles com o compositor. Segundo Alexandre, a parceria se reflete no trabalho de ambos e consiste em ajuda mútua.
“É bacanérrima nossa relação com o Cláudio Russo. Antes de fazer o samba, a gente tem reuniões com ele, com o Moacyr Luz e com o Diego Nicolau. É um cara que a gente passa a sinopse para ele, que sempre a acompanha e dá sugestões. Ele participa ativamente e aponta algumas coisas que tem de mudar”.
A dupla também contou sobre as pesquisas que basearam o desenvolvimento do enredo, destacando o ponto que para cada um chamou mais atenção. Enquanto para Alexandre foi a história de Iemanjá e dos orixás, para Raphael foi a relação da rainha do mar com Oxum, rainha das águas doces.
“Falar sobre Iemanjá é uma coisa muito forte, falar sobre os orixás… É uma coisa muito delicada quando você fala de um orixá. Isso que me despertou muito interesse na hora de fazer a pesquisa. A cada imagem, a gente chegava lá e fotografava. A cada pessoa que a gente via, perguntávamos. Porque quando você vai fazer um laboratório, você tem que sentir realmente aquilo dali, se aquilo é pra você realmente. Quando você fala de um orixá é uma coisa muito séria, uma coisa que tem que ter um sentimento focado para aquilo dali. Nós ficamos uma semana em Salvador, então a gente foi pesquisando tudo, todos os detalhes. É um enredo riquíssimo, totalmente cultural. A cada momento ele vai abrindo uma base, ele vai abrindo um caminho novo”, disse Alexandre.
“O interessante é que quando a gente pesquisou e começou a ver o contexto do enredo, a gente viu que no próprio enredo de Iemanjá se encaixa com Oxum. Muito antes de você cultuar à Iemanjá, que é a orixá das águas salgadas, você tem que homenagear também Oxum, que é das águas doces. Eu achei isso muito interessante, porque um orixá é interligado ao outro. Foi a parte da pesquisa que mais me chamou a atenção, sem dúvidas”, alega Raphael.
Crise nos bastidores para 2019
Em meio a tantas dificuldades, tanto financeiras, quanto estruturais, a cada ano se torna mais difícil fazer carnaval na Série A. Para a dupla Alexandre Rangel e Raphael Torres é sim possível ter prazer em trabalhar no grupo, além de acreditarem em um futuro mais próspero.
“Não tem porque não sentir prazer em fazer carnaval. A gente gosta do carnaval, é uma coisa que fala mais alto, tem um amor envolvido. É o que faz a gente estar aqui hoje, dentro do barracão da Renascer: o amor pela arte e pelo carnaval. Essa é uma crise que eu creio que vai passar. É uma nuvem. Eu acredito que dias melhores vão acontecer. Depois da tempestade vem sempre a bonança, como diz aquele ditado popular”, citou Alexandre.
“Eu acredito também que essa crise vai passar. Isso é para gente ter um alerta antes de votar. A gente precisa votar em algo ou em alguém que realmente faça pelo carnaval, e não apenas promessas. Porque de promessas já estamos cansado. O mundo do Carnaval tem que se unir e votar na pessoa certa”, opinou Raphael.
Quanto ao uso de materiais para confecção do carnaval, é preciso ser criativo. Além dos problemas financeiros, a crise também se deu na oferta de materiais, muitos em falta no mercado. Por isso, é necessário achar soluções baratas e, muitas delas, alternativas.
“Aqui a gente usa tudo. Tudo é reciclado. Olha pra um lado, olha pro outro, vai com aquilo dali, transforma aquilo outro. Se um amigo tem algo para me dar, serve. Tudo serve para gente. Tudo a gente muda, a gente transforma, a gente cria. O verdadeiro artista é isso, é você se reinventar todo dia, você já sai de casa se reinventando”, declarou Alexandre.
“Nós viemos da Intendente de Magalhães. Já utilizamos todos os tipos de materiais e acredito que não tenha nada de diferente do que eu já tenha usado. Não temos vaidade, e assim, tudo o que a gente vê dentro do barracão é útil para a gente. Desde um pedaço de madeira ali no canto, até um pedaço de ferro, tudo para a gente é reciclado e tudo pra a gente é viável para colocar no nosso carnaval”, confidencia Raphael.
Dramas e as superações oriundas de outros carnavais
O atual cenário de crise da folia carioca afetou a todas as agremiações que fazem parte da festa, independente do grupo que elas estejam. Um cenário alarmante, porém longe de ser o pior encarado pela Renascer e pela dupla de carnavalescos Raphael Torres e Alexandre Rangel. Durante os preparativos para 2018, a escola teve seu barracão na Zona Portuária do Rio devastado por cinco incêndios no pré-carnaval. Os artistas tiveram de lidar com fato de não terem um lugar para construir seu carnaval e nem material, ambos consumidos pelas chamas. No entanto, contando com doações e todo o tipo de ajuda do mundo do samba para se reerguer, a Renascer surpreendeu a muitos com sua apresentação e mostrou o seu poder de superação.
“Ano passado, eu lembro que as pessoas vieram perguntar para nós se íamos conseguir colocar a Renascer na avenida. E a gente no barracão, seja com sol ou com chuva. No último momento, nossos dois macacos pegaram fogo, e o Raphael olhava para a minha cara, com a lágrima no olho, perguntando o que faríamos. Foi aí que fomos para a Cidade do Samba, para continuar a fazer aquele carnaval, mesmo com muitas dificuldades. Então, a gente não se abala assim. Acho que são esses desafios que deixam o ser humano mais forte, mais preparado pra vida aí fora. A verdadeira faculdade, realmente é a Série A, porque aqui só sobrevivem os fortes. Aqui somos todos guerreiros, não tem essa de vaidade com a gente. A gente não tem, a gente vai te pedir. Eu peço aos meus amigos, eles pedem à mim, tem aquela coisa de união com o outro, e essa união é que está fazendo a gente mover o carnaval da Série A esse ano, assim como aconteceu nos outros carnavais”, relembra Alexandre Rangel.
Entenda o desfile
A Renascer de Jacarepaguá será a segunda a desfilar no sábado de carnaval. Em 2019, a escola contará o enredo “Dois de Fevereiro no Rio Vermelho”, e levará para Marquês de Sapucaí um total de 1800 componentes, distribuídos em 21 alas e 4 carros alegóricos. O carnavalesco Raphael Torres explicou como a dupla dividiu o desfile:
Setor 1: “No primeiro setor a gente vem abordando a calunga grande, que é a chegada dos negros escravizados ao Brasil. Eles que trouxeram o culto à Iemanjá. Esse primeiro setor se resume a isso”.
Setor 2: “O segundo setor ele vem abordando a parte do ritual, da festa. Antes de cultuar a Iemanjá, orixá das águas salgadas, a gente tem que cultuar Oxum. Esse segundo setor vem abordando essa parte do dique tororó. Então, antes de cultuar à Iemanjá, a Renascer vem justamente cultuando a Oxum”.
Setor 3: “Já o terceiro setor entra na parte da festa do Rio Vermelho, da festa de Iemanjá, no qual o terceiro carro vem abordando a igreja de Santana”.
Setor 4: “O quarto setor vem fechando a parte a festa. A festa no mar no qual vai estar sendo abordado, no último carro, um grande barquinho de Iemanjá. Um gigante, que encerra o desfile da escola”.