Por Will Ferreira e fotos de Fábio Martins

A Fábrica do Samba é um marco histórico no carnaval de São Paulo. Desde 2016 com dois dos três blocos inaugurados e com obras concluídas em 2022, o espaço que abriga os catorze barracões das escolas de samba que ocupam o Grupo Especial da folia paulistana também é utilizado em outros momentos – desde 2017, por exemplo, o local sedia o minidesfile para o lançamento do CD dos sambas-enredo das agremiações da Liga-SP, evento que começou na maior cidade da América do Sul e foi “exportado” Brasil afora.

Se os amplos, largos e grandes barracões, por motivos óbvios, ajudam e tornaram-se fundamentais para absolutamente todas as escolas de samba de São Paulo, uma dessas agremiações aproveita a Fábrica do Samba das mais diversas maneiras. Trata-se da Dragões da Real, que tornou-se pioneira na utilização do local das mais diferentes maneiras, indo muito além da confecção de alegorias e fantasias. Em entrevistas exclusivas para o CARNAVALESCO realizadas no evento para o lançamento do enredo da instituição da Vila Anastácio em 2025 (intitulado “A vida é um sonho pintado em aquarela”), Renato Remondini (popularmente conhecido como Tomate), presidente, e Jorge Freitas, carnavalesco da agremiação, falaram um pouco sobre a vanguarda da instituição da Zona Oeste.

Não é de hoje

O evento em questão foi histórico por si só: foi a primeira vez que uma escola de samba fez um evento dentro do próprio barracão. E, aqui, é importante ressaltar algumas características da Fábrica do Samba que, embora sejam conhecidas pelo universo carnavalesco paulistano, exigem explicação de quem não tem tanta intimidade assim com tal “bolha”.

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Dos 14 barracões, treze deles são utilizados por escolas do Grupo Especial. A exceção é a Império de Casa Verde, por um motivo bastante especial: sediada na rua Brazelisa Alves de Carvalho, a agremiação fica, literalmente, na primeira rua à direita saindo da Dispersão do Anhembi. Por conta de tal situação, o Tigre prefere alugar um terreno nas proximidades do Sambódromo (e, obviamente, também da quadra) e, lá, realizar o trabalho de barracão.

Dessa maneira, um espaço na Fábrica do Samba fica vago. E, em tal conjunto, costumam acontecer shows e eventos diversos organizados por uma (ou mais) agremiações ou pela própria Liga-SP. Fazer algo no próprio barracão, porém, era algo que, até então, nunca tinha sido feito. A Dragões, entretanto, foi pioneira também na utilização do barracão que fica vago, mostrando para o mundo do carnaval que é possível otimizar ainda mais a Fábrica do Samba. O pioneirismo em tal aspecto, portanto, vem de longe.

Ideia

Os dois entrevistados pela reportagem comentaram um pouco sobre como foi realizar tal evento. Primeiro, é importante destacar que o conceito veio de Jorge Freitas. Na visão do carnavalesco, tudo foi pensado para que o componente da Dragões e os integrantes da comunidade se sentissem ainda mais próximos da escola de samba, com mais contato com a produção de tudo que é visto no Anhembi: “Promover o lançamento de um enredo no barracão de uma escola de samba… por que a ideia? Nada é por acaso. Você já imaginou que os componentes de uma agremiação só veem as alegorias na Concentração? Quando você está lá, você passa pelas alegorias (ao menos para quem não consegue visitar durante o ano), desfila na frente de uma e atrás de outra… e acabou. Isso tudo pertence a eles, a cada componente: para eles verem que as nossas alegorias e fantasias são feitas aqui durante todo o ano e empregam, diretamente, diversas famílias. Fazer o evento aqui é para que eles se sintam orgulhosos e pensem que aquilo lá é deles, pertence a minha escola e é muito bem feita. Esse orgulho tem que ser trazido para a nossa comunidade, que é muito próxima da gente e que está aqui”, pontuou.

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Como o lançamento do enredo é, no ciclo carnavalesco, o pontapé inicial para uma agremiação, não eram todos os materiais que estavam disponíveis para apreciação. O grande destaque quanto à estrutura foi o palco do evento, que era o tripé utilizado pela comissão de frente da agremiação reestilizado. Durante a festividade, nele foram realizadas uma série de apresentações, com falas de diversos integrantes importantes da agremiação. Também foi coroada Beatriz Roberta, a nova Musa da Ritmo Que Incendeia, bateria da instituição.

O carnavalesco recebeu elogios de Tomate: “O Jorge Freitas é um menino, é um multicampeão do carnaval, mas ele trocaria todos os títulos da vida dele pelo de 2025”, afirmou, aproveitando para falar do enredo da agremiação, criado, entre outros motivos, em homenagem a Jorginho Freitas, neto do profissional que faleceu no dia 16 de abril.

Logística

Nos últimos anos, o regulamento do carnaval de São Paulo prevê quatro carros alegóricos para cada agremiação. Como já dito, eles são montados nos barracões de cada escola de samba. Como, então, fazer uma festa em um espaço que tem quatro grandes chassis de ferro, metal, aço e uma série de itens decorativos?

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Perguntado, Tomate destacou que nada disso seria possível sem a ajuda de outras pessoas próximas e ligadas a coirmãs: “Primeiramente, tenho que agradecer os meus amigos presidentes. Tem carro nosso no Barroca, na Milênio, na Colorado… peguei autorização com o presidente da Liga-SP e do Águia de Ouro, Sidnei Carrioulo, locamos o estacionamento… fizemos tudo certinho. Mas, mesmo assim, foi um grande desafio”, destacou, aproveitando para demonstrar a gratidão em relação aos presidentes Ewerton Cebolinha, Silvão Leite e Antônio Carlos Borges (popularmente conhecido como Ká), respectivamente. Vale destacar, também, que o mandatário da Dragões também é vice-presidente da Liga-SP – e, mesmo assim, precisou correr atrás de uma série de itens para realizar o evento.

Dificuldades estruturais

Um barracão de escola de samba, como é imaginado, não é um espaço projetado para a realização de eventos. Para viabilizar a festividade em grande estilo, a presidência da Dragões da Real pensou em como minimizar algumas situações que poderiam prejudicar a experiência de quem estava no local: “A acústica não é a mesma, por exemplo. Quando a gente faz as nossas Super Feijoadas, com grandes shows, para milhares de pessoas, nós colocamos o palco já muito próximo da saída. E, aqui, não dava: o palco era o carro – e isso faria com que as pessoas tampassem a visão de quem estava atrás. Foi um desafio imenso”, pontuou, citando outro evento bastante tradicional organizado pela agremiação da Vila Anastácio.

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Inovação no DNA

Como dito nos primeiros parágrafos do texto, a Dragões está acostumada a ser a pioneira em diversos aspectos. E tal característica também foi destacada por Tomate: “A Dragões gosta tanto de fazer algo diferente e superar desafios, tem tanta coisa nova que a gente está preparando e vamos promover daqui a pouco… a Dragões é movida pela novidade, pela ousadia e pela inovação”, comentou, prometendo ainda mais novidades em breve.

Gratidão como mantra

Hexacampeão do carnaval paulistano, Jorge Freitas gostou do que viu no dia 25 de maio – em especial, pelo senso de pertencimento que a festividade conseguiu trazer: “Olha quantas pessoas da nossa comunidade estavam aqui hoje! A Dragões está de parabéns. Que sirva de exemplo para que todos possam ver esse espetáculo que hoje foi apresentado. Todas as escolas tem condições de fazer isso. Eu sou um apaixonado pelo carnaval de São Paulo, e o que eu puder fazer para melhorar cada ano a folia daqui e a escola eu vou fazer. Pretendo ficar por muito tempo aqui na Dragões. Que papai do céu nos abençoe para que a gente continue fazendo esse trabalho maravilhoso”, arrebatou o natural de Nova Friburgo, declarando-se como um folião paulistano de primeira categoria.

Já Tomate, para concluir a entrevista, surpreendeu ao perguntar sobre o principal desafio que teve para a realização do evento: “Se você perguntar para mim qual foi a maior dificuldade, vou te responder que não foi nem uma. Nós temos muita gente que ajuda e todo mundo compra a ideia. Estávamos com medo que não coubesse todo mundo aqui dentro do nosso barracão. Nós não convidamos as coirmãs porque não tínhamos espaço para colocar as pessoas. E estava lotado: tudo que a gente faz, lota. Eu só posso agradecer a Deus todos os dias da minha vida”, finalizou.