Figurinista, projetista, designer, entre outras habilidades marcam a história de André Rodrigues, 29 anos, carioca e mergulhado nas ondas do samba. Com passagens na Vila Isabel (2019-2020), Vai-Vai (2012), Águia de Ouro (2013), Mocidade Alegre (2014), Império Serrano (2016), União da Ilha (2017-2018) e Grande Rio (2011) ele reconhece os planos realizados, mas não se sente satisfeito e segue sempre em busca por inovações a cada desfile. André é o personagem do “Lugar de Fala” nesta semana e recebeu o site CARNAVALESCO para o bate-papo.

A escola de samba é a casa do sambista onde cada mensagem colocada no samba-enredo, narra uma história que representa milhares de pessoas envolvidas com as agremiações, tal relação abre portas para criar peças, estruturas e composições das alas.

“Quando começo a criar consciência racial, de classe e vejo a importância do que eu poderia dizer através do meu trabalho com a escola, começo a usar desse poder de discurso para entregar conforto, alegria e reflexão aos meus”, declara André ao acreditar nas possibilidades de expressão cultural nas passarelas do Rio e São Paulo

Homem, negro e sambista. Essas características representam um ser humano que superou desafios para conquistar importantes vitórias e quebrar padrões elitistas. As barreiras do preconceito são reais e cabe aos próprios integrantes da comunidade a missão de desconstruir esses obstáculos que impedem a diversidade.

“Burlar o racismo velado, ora por questões de heranças estruturais, ora por maldade. Burlar o estereótipo de carnavalescos desde a formação até o arquétipo aceito para fora do mundo das escolas de samba, o preconceito aos saberes artísticos que o carnaval traz, tanto teórico quanto prático de realização dessa arte”

O lugar de fala não é único, mas representa uma pluralidade de vozes em variados momentos. Por ser carnavalesco de carreira, André Rodrigues entende o papel que desenvolve nas quadras assim como a importância da contribuição pessoal. Na modalidade samba de roda, por exemplo, que surgiu na Bahia ocorriam grandes festas onde os homens tocavam os instrumentos e as mulheres dançavam. Em outra versão, o casal entra no meio da roda e dança ao som de batuques, versos e uma roda de samba. Essa narrativa representa a vida de uma população de origem africana que há décadas chegou ao nosso país e tem os costumes em prática na atualidade.

“Em nenhum momento pego as narrativas como um lugar de fala exclusivo, mesmo que elas reflitam alguma realidade vivida por mim. os discursos são plurais e as experiências diversas. Eu posso dizer por aquilo que carrego e represento, o que não é invalidar não-negros de estudar e apresentar suas visões, mas é importante ter a consciência do lugar de observador e entregar a quem é de direito o protagonismo. Se o assunto for participação a escola de samba é como um quilombo, há espaço para todos viverem aquela cultura, que tem uma história, conceitos, ritos e fundamentos próprios”

Ter referências é como ter uma bússola de ouro e André escolheu seguir personalidades conhecidas. Isso porque ele tem o desejo de contribuir com o inconsciente coletivo que trabalha por desfiles mais interativos. “Eu gosto de tudo! Tenho minha preferência pelo estilo de construção de carnaval do João 30, amo as cores e roupas da Rosa e Viriato, vidrada nas soluções e finalizações do Renato, influenciado demais pelo discurso do Fernando Pinto, hoje, reverberando demais a modernidade e coragem do Leandro e o amor em dar tudo que há de melhor para o carnaval a exemplo do Louzada”.

Os impulsos para os primeiros passos no samba vem de berço e tem a presença forte de duas mulheres. “Mãe e madrinha, uma mangueirense e outra portelense elas me ensinaram a amar as escolas de samba são as verdadeiras matriarcas do quilombo. Eram dias de folias que ficarão guardados em nossos corações durante o ano, no quarto de serviço que vivíamos onde a minha mãe trabalhava como doméstica”, relembra André dos momentos com a Dona Antônia, mãe e grande referência do filho que tem entre outras personalidades femininas Selminha, Clara e Maria Aparecida Urbano.

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De família maranhense, André, acompanha os desfiles há décadas e tem entre os mais marcantes o da Caprichosos de Pilares em 1998 “Negra Origem, Negro Pelé, Negra Bené” e da Beija Flor em 2001 “A Saga de Agotime, Maria Mineira Naê”, sendo o último marcante por fazer referência ao estado de origem própria o Maranhão.

Sobre o enredo “Empretecer o pensamento é ouvir a voz da Beija-Flor” o figurinista ressalta a participação coletiva dos componentes da comunidade em desenvolver um tema sugerido à escola pelo jornalista João Gustavo Melo. A ideia partiu após um forte anseio da comunidade para levantar uma bandeira presente nos pilares dos nilopolitanos.

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Casos de preconceito são comuns em uma sociedade marcada por diferenças sociais e raciais, isso porque o racismo no Brasil tem ligação com o papel social desempenhado no período da escravidão. Em 1988 foi promulgada a Constituição que condena a prática do racismo como um crime inafiançável, mas está longe de ser obedecida. Sobre o futuro de homens e mulheres negras que estão construindo uma história no maior espetáculo da Terra é necessário ter paciência, ousar na inteligente para ocupar os espaços que desejam, além de trocar experiências em grupos para elevar uns aos outros.

“É constante ver esse tipo de atitude, não pagar um funcionário para dar uma lição é preconceito, sentir-se superior a pessoas só porque é um administrador também. Junto com ele vem o racismo, homofobia, machismo. Infelizmente, nós temos muito o que aprender”

O enfrentamento à pandemia não impede que novas metas sejam traçados na vida do carnavalesco. “Meu maior plano para 2021 é fazer o carnaval de 2022. Caso seja possível, vou ajudar as agremiações em soluções para manter seus ritos e encontrar vias de receita. Não é o meu papel, mas eu me sinto nessa obrigação, já que posso contribuir”.

Ter inspiração para criar os adereços não é uma tarefa fácil e exige do profissional um mergulho profundo na proposta da agremiação, bem como os aprendizados adquiridos no percurso histórico dos dirigentes.

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“Bons amigos e procurar amor onde não se vê. Amor a novas possibilidades, novos enredos, novas visões, novas estéticas. Vivemos um mundo que está mudando muito rápido e devemos enxergar essas mudanças como possibilidades e não como entraves. Eu amo o que eu faço, o que a escola de samba pode proporcionar”.

O resultado do trabalho de André Rodrigues é obtido com dedicação e alcançado as poucos. “Eu sempre fui assistente e procurei ser o melhor assistente possível. Evoluindo no meu trabalho para entregar o melhor de mim e das possibilidades para os carnavalescos com quem já trabalhei. Sou de muito envolvimento com os projetos, trato escola de samba com amor e os projetos como estratégia de guerra. A Beija-Flor e a Vai-Vai me trazem as melhores lembranças de negritude carnavalesca, eu aprendo todo dia com suas histórias”, finaliza André.

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