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Samba Didático: União da Ilha vai levar para avenida as mazelas da sociedade

Por Victor Amâncio

“Sou mãe dignidade é meu destino / Rogo em prece meus meninos / Ao longe alguém ouviu”. Levando para a Sapucaí o enredo “Nas Encruzilhadas da Vida, entre becos, ruas e vielas, a Sorte está Lançada: Salvem-se quem puder!”, a União da Ilha promete fazer um grito de socorro pela comunidade. Além do clamor feito pela mulher retratada no enredo, a comissão de carnaval que é composta por Fran Sérgio, Cahê Rodrigues, Larrisa Pereira, Anderson Netto, Allan Barbosa e Felipe Costa, e liderados pelo mestre Laíla, pretende levar uma mensagem de esperança para a classe mais desfavorecida da sociedade. O samba-enredo é uma composição dos poetas Marcio André, Marcio André Filho, Rafael Prates, J Alves, Daniel e Marinho.

O site CARNAVALESCO dando continuidade à série de reportagens “Samba Didático” entrevistou os carnavalescos Cahê Rodrigues e Fran Sérgio, e o compositor Márcio André para saber mais sobre os significados e as representações por trás dos versos e expressões presentes no samba da agremiação da Ilha do Governador para o carnaval de 2020. Confira abaixo a análise feita pelo entrevistado dos versos e trechos do samba:

“Senhor… Eu sou a Ilha / E no meu ventre essa verdade é que impera”

“Quem conduz o nosso enredo é uma mulher grávida, negra e no centro, no meio da favela, da sua comunidade. No samba ela conversa com um alguém que tem o poder, para falar da situação dela e o filho que está prestes a nascer. Como será o futuro dessa criança que vai chegar nesse mundo? Ela se apresenta, fundida a escola, sendo uma só pessoa, para fazer esse pedido de socorro”, afirma Fran Sérgio.

“Essa parte é a própria mulher, a mãe, a porta voz do enredo se dirigindo a Deus. Nesse momento ela incorpora, ela transcende o ser dela, é a porta voz da escola, de toda uma comunidade. Ela fala em nome de toda escola. Os versos colocam em evidência o sentimento de clamor, de oração, de lamentação que essa mãe faz nesse início do samba. Ela é a própria verdade, é o coração e alma dessa comunidade, indignada ela busca entender por quê tanto sofrimento com a sua gente”, indaga Cahê.

“A voz do rancor não cala meu povo não”

“O trecho mostra que mesmo com tudo de ruim que está acontecendo socialmente o povo continua firme, continua trabalhando, continua indo em frente, continua tendo esperança, lutando por dias melhores e uma vida melhor”, diz Fran.

“Esse verso é um momento bem delicado do samba e do enredo, esse nó na garganta são acúmulos de abandono, descaso e de tanta dor acumulada. E no dia da comunidade, o dia do nosso desfile, o povo se aproveita para colocar para fora, para externar todo esse sofrimento. É o povo mais uma vez dando uma lição de vida que mesmo em meio a dor, o sofrimento e a tantas injustiças que ninguém vai calar a voz e a luta deles”, completa Cahê.

“Inocentes culpados, são todos irmãos / Esse nó na garganta vou desabafar
O chumbo trocado, o lenço na mão / Nessa terra de deus dará”

“O refrão fala da falta de cuidado do poder público com a educação, com a saúde, com a segurança, tornando todos nós irmãos nessa luta. Muitas vezes as pessoas são levadas para situações por conta da falta de cuidado dos poderosos”, explica Fran.

“Inocentes e culpados, todos os dias morrem por conta dos desmandos, e isso nos aproxima, somos todos irmãos, filhos da pátria mãe gentil. Queremos mostrar que pessoas tidas como culpadas vão para o caminho do mal por conta do abandono, pela falta de apoio do poder. Nessa luta toda inocente ou culpado sofre e estão a mercê da violência. São as mães que choram com o lenço na mão, é uma verdadeira guerra e vivemos num salve-se quem puder”, frisa Márcio André.

“O seu abraço é minha dor (seu doutor)”

“Nesse verso a mulher retratada no enredo, diz para o poderoso que a falsidade dele causa dor. É hipócrita, falso. Ela vivendo o caos, sem condições de vida, e o poder está rindo, abraçando e fingindo se importar” diz Fran Sérgio.

“Está falando das pessoas que se aproveitam da situação para ganhar vantagem em cima da classe desfavorecida. A dor aumenta a partir do momento em que essas pessoas acreditam nas promessas e no final nada acontece e tudo continua igual ou pior. A dor de lidar com a ganância, com a hipocrisia”, explica o compositor.

“Eu sei que todo mal que vem do homem / Traz a miséria e causa fome”

Fran Sérgio explica que esses dois versos do samba retratam a maldade, a falta de amor ao próximo, essa falta de cuidado e respeito ao próximo são as causas toda essa miséria, da falta de vida digna dos mais pobres e dos mais necessitados.

“De todos nós, o enredo fala das encruzilhadas da vida, nós como sociedade, dentro das suas particularidades passamos por problemas, mas essas pessoas, as comunidades sofrem muito mais”, conclui.

“Esse homem é aquele homem que enganou o povo, é aquele que subiu o morro, prometeu dignidade, melhoria de vida; apresentou soluções e deu esperança para comunidade. E ai passando as eleições some, e tudo continua igual, ou pior, do que antes. O descaso dessas autoridades que deveriam cumprir o que prometem, mas só fazem aumentar a miséria e a fome. Apesar de estarmos numa grande cidade o problema da fome aqui ainda é grande. É uma realidade muito cruel e o povo está cansado, incrédulo. Nesses versos o samba fala dessa cruel realidade”, explica Cahê.

“A nossa riqueza é ser feliz / Por todos os cantos do país /
Na paz da criança o amor da mulher / De gente humilde que pede com fé”

“O refrão principal do samba e o encerramento do desfile tem a cara da União da Ilha: uma escola alegre e emocionante. Essa mulher diz no samba que a única forma do povo passar por essas dificuldades e todas as mazelas é a solidariedade, a amizade. É você estar num samba, em um baile funk ou em um churrasco na laje. Então é você buscar alegria dentro do que você pode, para sobreviver a tudo de ruim que acontece e passamos. Apesar de tudo, somos um povo com esperança, e acreditamos que as coisas vão melhorar. A Ilha traz esse grito de alerta e de fé em dias melhores”, conclui Fran.

Para Cahê, esse trecho fala um pouco do maior patrimônio desse povo humilde, de comunidade que é a chance de ser feliz; fala de um povo que apesar dos pesares nunca desiste de acreditar em dias melhores; e que mesmo passando por tantas dificuldades na vida eles conseguem reservar um momento singular para serem felizes, como por exemplo o dia do desfile, o carnaval.

“Está aí o dia da comunidade e eles não abrem mãe deste dia, é o dia em que reservam para brincarem e serem felizes e eles não abrem mão de participar desse momento festivo e alegre, sejam crianças, jovens ou adultos. Quando diz “De gente humilde que pede com fé” o samba faz referência ao dia-a-dia dessa gente que antes de sair de casa para o trabalho, por exemplo, descendo o morro, saindo de suas comunidades elas se benzem, fazem o sinal da cruz e pedem a Deus a chance de voltar para casa depois de um dia de batente e voltar para o convívio da família. A riqueza dessa gente não é o dinheiro ou
bem material, é a alegria”, encerra Cahê.

União da Ilha 2020

Depois de amargar a décima posição no carnaval de 2019, a União da Ilha do Governador, em busca do título inédito do Grupo Especial, é a sexta escola a desfilar no dia 23 de fevereiro, domingo de carnaval, na Marquês de Sapucaí. A escola levará para avenida o enredo: “Nas Encruzilhadas da Vida, entre becos, ruas e vielas, a Sorte está Lançada: Salvem-se quem puder!”, desenvolvido pela comissão de carnaval.

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