Por Juan Tavares
A G.R.E.S. Chatuba de Mesquita desfilou na Intendente Magalhães na noite deste domingo. Contudo, apesar de ser uma das últimas escolas a desfilar na Série Prata, isso não foi motivo para cansaço e desânimo. Muito pelo contrário, foi uma das razões para tanto destaque, principalmente na sua comissão de frente, que chegou mandando um “beijinho” no ombro para os concorrentes, em alusão à música da funkeira Valeska Popozuda.
O desfile começou e terminou pontualmente aos 40 minutos. O enredo Funk-se Quem Quiser, dos autores Alexandre Costa, Lino Sales e Marcus do Val, foi representado na voz de Edinho Gomes. A agremiação foi a nona na ordem dos desfiles, porém esteve disposta a mostrar todo o seu potencial na noite da Avenida Intendente Magalhães. A ala das crianças fantasiadas de hip-hop foi um show à parte. Esse momento foi muito emocionante, pois mostra que o som que antes era recriminado passa para as próximas gerações de maneira ressignificada.
Comissão de Frente
A comissão chamada ‘O Baile de Funk e seu Paredão’ representou muito bem os passinhos que jovens costumam dar nos bailes. Os integrantes usaram um figurino bastante fidedigno, com direito a cropped e short curto, com cores que variavam entre prata, verde fluorescente e rosa pink. Nas mãos e pés de alguns componentes, foram colocadas caixas representando o paredão de som.
Mestre-sala e porta-bandeira
O casal Cristiano Foguinho e Ana Beatriz Arruda fez sucesso na performance com muita animação e sincronia. O rapaz estava vestido com a fantasia dourada, em homenagem ao saudoso James Brown, famoso e um dos responsáveis pela evolução do ritmo gospel no mundo. Além disso, ele também influenciou outros gêneros musicais, como rock, jazz, reggae, disco e hip-hop.
Já Ana estava com uma fantasia maravilhosa, vibrando e girando como se fosse sua primeira vez em uma apresentação dessa magnitude. A componente manteve-se impecável, celebrando cada momento e levando foliões à loucura com seu carisma e sua fantasia com adereços na cor verde e dourada, as mesmas das cores da bandeira da escola. Ali, quem estava presente certamente era Betty Davis, que fez história no cenário do funk nos anos 70.
Harmonia
De modo geral, a escola teve uma harmonia bem animada durante os 40 minutos na avenida. A ala das baianas, que representava o gênero musical ‘black music’ – música feita pelos negros escravizados nos Estados Unidos – esteve bem entrosada. As saias rodadas coloridas, com uma espécie de escudo prateado e a imagem de uma mulher com black Power e uma coroa dourada, mostraram o empoderamento não só do estilo, como também da mulher preta.
As musas Michele e Aline foram um show à parte. Ambas mostraram que samba no pé é com elas mesmas, ainda que não estejam no padrão de corpo que a indústria da moda prega.
A segunda ala, chamada ‘sons metálicos’, nas cores branca e prata, contribuiu ainda mais com a beleza da escola, principalmente pelos contrastes que diversos instrumentos podem criar entre si quando estão juntos. As vozes dos demais componentes pareciam um uníssono quando a bateria caprichou junto com os puxadores, no trecho: “Glamurosa, rainha do funk. É som de preto e favelado. Beijinho no ombro, respeite a nossa luta. Atenção, chegou Chatuba.”
Evolução
Um pequeno buraco se formou na ala 8, chamada Tamborzão, e no tripé ‘Tambores de Ogã’, que, por sinal, estava lindo. O muso Diego Edson deu o melhor de si durante sua apresentação. Foi uma pena que sua presença ilustre, seu desempenho e sua simpatia não tenham sido o suficiente para minimizar ou sanar este pequeno problema que permeava os dois “setores”.
Samba
A escolha do samba mostrou-se ainda mais necessária nos tempos difíceis nos quais vivemos. Apesar de o tema ser recorrente nos debates sociais, não se pode esquecer o quão o ritmo – funk, embora celebrado hoje – já foi marginalizado por ser oriundo das periferias e do povo negro escravizado.
Os principais pontos positivos são, de fato, a letra somada à voz dos cantores e dos componentes, que celebram a libertação de criar uma arte que movimenta a economia, não somente na favela, como também transforma inúmeras vidas, gera empregos e dá uma outra perspectiva sobre a vida de uma pessoa de origem simples.
Os negativos, por outro lado, podem ser a falta de referência a outros cantores de funk, que não fazem uma crítica social, mas sim apologia a determinadas situações, como crime, abuso e relações sexuais explícitas. Esses discursos muitas vezes descredibilizam o gênero como arte e o colocam novamente num patamar de inferioridade pelo seu conteúdo.
Outros Destaques
Vale salientar que, além da bateria da escola ter sido excelente, sua identidade visual representativa também deve ser comentada aqui. Todos os componentes estavam trajados de polícia militar, fazendo referência à repressão truculenta que muitas vezes o Estado impõe contra as minorias menos favorecidas.
O segundo casal de Mestre-Sala e Porta-Bandeira também deu o seu melhor, com muito sorriso, passos, giros e energia. Eles estavam muito “solares” na noite de ontem, com a fantasia de frutas tropicais, que também remete à época das mulheres-frutas.
A ala 12 também não pode passar despercebida, com seus integrantes usando a fantasia com o nome ‘Silva’, um dos mais comuns, porém muito famoso por conta da música “Rap do Silva”, que diz: “É só mais um Silva que a estrela não brilha. Ele era funkeiro, mas era pai de família.” Esse trecho se refere a como os funkeiros eram marginalizados e excluídos, muitas vezes tratados como “marginais” tanto pela sociedade quanto pelo poder coercitivo exercido pelas autoridades da área de segurança pública, que deveria protegê-los e não os prender.