Foi um desbunde. A Imperatriz pisou na Sapucaí com a qualidade alta dos quesitos de chão quente nos acostumamos a ver nos últimos anos. Mas, neste domingo, havia aquilo que faltava para nao gerar nenhuma dúvida, se a escola faria um grande desfile, a plástica impecável de Leandro Vieira. Se no ano passado, o carnavalesco recebeu algumas críticas pelo trabalho, dessa vez ele acertou a mão e mostrou algumas novas facetas como a utilização da iluminação cênica e predileção para a utilização de mais movimento nos carros. A estreia de Patrick Carvalho confirmou o acerto na escolha do profissional pela escola e o entendimento que o coreógrafo tem para fazer produções para a temática afro. O samba na voz de Pitty de Menezes teve alto rendimento, e o casal de mestre-sala e porta-bandeira Phelipe Lemos e Rafaela Theodoro foram perfeitos, confirmando o melhor momento da carreira dos dois. Já o canto da comunidade foi intenso e potente, e a evolução muito correra e sem sustos. Um desfile que mais uma vez coloca a Imperatriz na briga pelo título. Com o enredo “Ómi Tútú ao Olúfon – Água Fresca para o Senhor de Ifón”, a Imperatriz encerrou o seu desfile com 78 minutos.
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Comissão de Frente
Patrick Carvalho fez a sua estreia na Rainha de Ramos repetindo uma dobradinha que já deu certo no passado, e que inclusive aconteceu nesse ano na Série Ouro, a partir da Maricá, ao trabalhar com Leandro Vieira. A comissão se utilizou de dois elencos e inicialmente mostrou o velho rei, senhor de Ifón, Oxalá, protagonista da comissão a partir de 15 componentes, que caminhavam apoiado no cajado ritualístico do orixá, apresentando sua dança característica, ainda fora do elemento cenográfico. Este elemento da comissão era enorme fazendo referência a uma localidade da África, com uma, também enorme, cabeça de elefante na frente, que se mexia. Casas de Ancestrais adornavam a estrutura e também alguns ossos. A segunda parte da coreografia se deu na parte de cima onde havia uma espécie de espelho d’água em que se passava a narrativa, sintetizando o enredo. O segundo elenco, com Oxalá já mais enfraquecido dança até receber a cura no clímax da apresentação que terminava com o orixá levitando debaixo de fumaça e sendo aclamado pelo publico. A comissão também fez bom uso da iluminação cênica para dar destaque aos seus atos. No geral, sintetizou bem o enredo e mostrou boa sincronia. O elemento cenográfico também foi destaque pela beleza e pelos efeitos.
Mestre-sala e Porta-bandeira
Indo para o terceiro ano juntos, desde que retomaram a parceria, Phelipe Lemos e Rafaela Theodoro se apresentaram com a fantasia “Axé Funfum”, predominantemente na cor branca associada a Oxalá. Localizados no setor batizado de “O cortejo funfum”, eles se inseriram conceitualmente em uma abertura que fazia tributo a Oxalá, “o senhor da cor branca”. Cobertos por signos associados à deidade funfum celebrada pelos nagôs como o “pai da criação”, o figurino que vestiu o casal se valeu de adornos estéticos de contornos africanizados. Muito bonita a fantasia.
Na coreografia, a dupla mais uma vez confirmou seu melhor momento, com um bailado mesclando a característica que lhes chama mais atenção que é o bailado clássico com danças para os orixás. O início vem com a dança mais tradicional, com perfeição, com a dupla sempre se buscando, ele riscando o chao com perfeição e intensidade, ela maravilhosa nos giros e rodopios, sublime e sempre com um lindo sorriso no rosto e com a bandeira aberta o tempo todo. Mas, o que trouxe para a apresentação maior emoção e fez a dupla ser aclamada, aconteceu em dois pontos do samba, na verdade. Primeiro, mais com Phelipe no “Justiça maior é de meu pai Xangô “, em que o mestre-sala faz movimentos para o Orixá, com o mestre-sala muito leve na coreografia e com perfeição. Já no refrão de baixo no “Oní sáà wúre”, com a dupla fazendo a dança com o corpo inclinado, saudando o protagonista do enredo. Excelentes apresentações nos módulos.
Harmonia
O carro de som comandado mais uma vez pelo intérprete Pitty de Menezes foi um ponto alto do desfile. Pitty vive um momento sublime e tem muita qualidade. Junto com ele se destacaram tanto o time de cordas quanto as vozes de apoio. O cantor cantou com correção, fez seus já costumeiros cacos chamando o componente ao canto e arriscou até um caco imitando a gargalhada de Exú no refrão do meio que fala sobre esta parte da narrativa, de forma equilibrada e sem atraplhar o canto sustentado pela equipe. E a comunidade abraçou o samba com um canto potente, correto, e pelo tempo todo de desfile, sem deixar cair. Fez o que sempre foi visto nos ensaios e eventos da escola em geral. É uma comunidade que gosta de ensaiar e que canta hoje com o sorriso no rosto, já não parece ser mais uma obrigação, é natural.Um momento para se destacar foi o samba começando com a corda do caranguejo, com todo mundo abraçado no ” “vai começar “, algo que ficou tradicional nos ensaios na Sapucaí e em Ramos, e que foi levado para o desfile oficial, ainda que não conte ponto, ajudou a começar quente.
Enredo
A comunidade de Ramos há muito tempo pedia por um enredo que abordasse um orixá, a última vez foi em 1979 com “Oxumaré, a lenda do arco-íris”. Por isso, esse enredo despertou muita expectativa, não só do sambista amante de carnaval, mas especificamente do gresiliense. Basicamente, a proposta de Leandro Vieira era contar a jornada de Oxalá ao reino de Oyó, para visitar Xangô, ressaltando valores como humildade e respeito, e festejando uma grande cerimônia religiosa no Candomblé que é “As águas de Oxalá”.
Para isto, a Imperatriz trouxe no primeiro setor ” O Cortejo Funfum” um ambiente de contorno estético africanizado. Na abertura, a cor branca e os artigos decorativos em prata e marfim evidenciaram a celebração da figura de Oxalá, o senhor de Ifón. Logo em seguida em “Na consulta ao Ifá, presságio “a escola se debruçou nos “antecedentes” da viagem contada no enredo da Rainha de Ramos. No terceiro setor ” O fardo de dever”, a Imperatriz focou na figura de Exú, que ao não receber o agrado de Oxalá, passa a ser “travessura da travessia”. No quarto setor “Depois da tristeza, Justiça maior”, o carnavalesco abordou o tempo em que Oxalá esteve encarcerado e a maneira como Xangô realizou a “justiça maior” que põe fim ao drama narrado pelo itã. No último setor “preceito Nagô a purificar”, a Imperatriz encerrou seu desfile com as águas de tempos imemoriais que encerram o setor anterior e seguem sendo derramadas sobre o orixá. O enredo passou de forma muito didática pela Sapucaí, com a narrativa bem clara desde o início com Oxalá se preparando para começar sua jornada, passando pela parte dos conflitos com Exú até o momento da redenção. As fantasias, por mais que tivesse uma temática mais afro, que para quem não é tão iniciado nesta cultura poderia gerar dúvidas, em seu desenvolvimento estético e até na palheta de cores ajudaram na visualização da narrativa. História bem contada.
Evolução
A escola passou de forma muito correta, com aquilo que te se destacado nesta transformação da Imperatriz nos últimos anos, muito mais quente, muito mais alegre, sentindo e aproveitando suas passagens na Sapucaí. Ainda que no ensaio técnico tenha sido ainda melhor, é fácil de explicar que o público era totalmente diferente de hoje. A escola passou bem, correta, sem deixar grandes espaçamentos, em um ritmo cadenciado, alegre e realizando com excelência todos os momentos mais críticos de um desfile, seja nas apresentações da comissão de frente e do casal, além de entrada e saídas da bateria do recuo. Em relação a alas coreografadas, a escola não apostou de forma tão latente o que manteve os componentes com espontaneidade.
Samba-enredo
O samba tem autoria de Me Leva, Thiago Meiners, Miguel da Imperatriz, Jorge Arthur, Daniel Paixão e Wilson Mineiro. A parceria assina a obra pelo terceiro ano consecutivo, com o asterisco de que em 2024 foi uma junção, e, talvez dos três este seja o que melhor sintetiza o enredo, ainda que o de 2024 tenha conseguido uma maior interação com o público. Mas, como obra para este carnaval, mais uma vez permitiu que a bateria de mestre Lolo abusasse da musicalidade do enredo com bossas, utilizando atabaques e agogôs, tocando para o orixá. Como em 2023, ano do Lampião, a escola apostou em um bis na cabeça do samba com o ” Vai começar ” que desagua no “Orinxalá ” com uma transição melódica que dá um charme a obra e a partir daí ganha ritmo e leva obra. É um samba para frente, que possui dois bons refrãos como ” Oní sáà wúre” no de baixo e “Ofereça pra exu” que mesclam potência com melodia, além do excelente falso bis na parte de baixo em “Justiça Maior é de meu Pai Xangô “. Como colocado acima, ainda que a obra de 2024 tenha interagido um pouco mais com a Sapucaí, a de 2025 fez um bom trabalho e conseguiu vencer a barreira de se apresentar ainda na segunda escola do domingo.
Fantasias
O conjunto de fantasias elaborado por Leandro Vieira foi muito pertinente para a transmissão do enredo. O primeiro desfile totalmente afro de Leandro Vieira trouxe um cuidado de seguir mais a risca ao vestuário e a indumentária utilizada nas religiões de matriz africana. O carnavalesco procurou não inventar muito e apostar no bom acabamento, na utilização de materiais de muito bom gosto, além da fidelidade, como retratado acima, aquilo que estava sendo retratado. Por isso, talvez as fantasias tenham impressionado menos que as alegorias, onde o carnavalesco se permitiu ser mais criativo e fugir um pouco mais de caminhos óbveis. O artista, aliás, se utilizou da palheta de cores para dar o clima de cada momento do desfile. No início abusando do branco de Oxalá, para sujar o orixá a partir do segundo setor, se utilizando mais do vermelho e dos tons alaranjados para colocar Exú na jogada. Depois, há uma maior utilização dos tons escuros quando o orixa vai para a prisão e o mal chega para o povo. No final do desfile, as fantasias retomam o branco original após o banho em Oxalá, quando o enredo encerra com a cerimônia das águas de Oxalá. O único ponto negativo foi o problema apresentado na saia de algumas baianas que passaram arriadas pela Sapucaí.
Alegorias e adereços
A Imperatriz levou para a Sapucaí cinco carros e mais dois elementos alegóricos e aí, talvez, tenha sido o grande destaque do trabalho de Leandro. O carnavalesco colocou na sua caixinha de ferramentas mais alguns recursos que a gente não via com tanta rotina, como a iluminação cênica, que o profissional se rendeu neste desfile e a utilização de maior movimento, mas, tudo isso, sem perder o bom gosto, o bom acabamento, o traço fino e a qualidade visual, inclusive na reprodução das esculturas que faz o artista ser um dos mais bem conceituados. Conjunto alegórico deslumbrante.
O Abre-alas “O senhor de Ifón” se apresentou como um tributo a Oxalá – e esta é a razão para que a cor atribuída fosse o branco. Composto por dois módulos, a alegoria tinha no primeiro, Oxalá em seu trono, ladeado por sua corte e nas laterais do segundo módulo a presença de elefantes tingidos por grafismos tribais brancos, marfins e adornos de estética africanizada no chumbo e na prata. Na segunda alegoria “Ofereça pra Exú ” veio a face zombeteira de Exu, apresentada em múltiplas esculturas que sugerem a sua gargalhada. Em linhas gerais, o conjunto cenográfico se desdobra como um grande alguidar de barro e a alegoria ganha uma outra qualidade quando é colocada em contraste com a iluminação cênica. Os galos presentes também se mexiam.
O terceiro carro “O reino do quarto Alafin de Oyó” trouxe em sua cartela cromática a combinação de tons vermelhos e matizes alaranjadas fazendo valer as cores rituais daquele que é considerado a divindade do fogo que arde. Também a representação do machado que corta para os dois lados e lhe serve de paramenta, ocupava o mais alto lugar do elemento. Já a quarta alegoria “A justiça verdadeira” , reproduziu em seu conjunto escultórico os súditos de Xangô que carregavam os jarros que serviram para o armazenamento das águas, depois derramadas sobre o senhor de Ifón, excelente trabalho de escultura e na tonalidade do verde e dourado da Imperatriz.
A última alegoria da Rainha de Ramos “Axé de Ibá” retomou o branco do início do desfile, a partir da interpretação do Ibá de Oxalá limpo e purificado após a cerimônia que recria a lavagem do corpo do rei, agora vertido em contorno sagrado. Desse modo, a coroa, símbolo da escola, apresenta-se como um ADÊ (coroa) de Oxalá depositado sobre uma espécie de altar cenográfico. Ainda que um pouco abaixo na concepção em relação ao demais carros, a alegoria também cresceu bastante quando contrastada com a iluminação do sambodromo. Mas, é preciso falar do elemento cenográfico “dor, tristeza e solidão” é uma das melhores coisas que passaram por aqui nos últimos anos. Representando a prisão que Oxalá ficou, o carro tinha seres do mal que saíam em tons de roxo escuro, uma espécie de serpentes com movimentos, muito bem acabadas de traços únicos, impressionaram o público.
Outros destaques
A bateria Swing da Leopoldina de mestre Lolo veio de “Orinxalá e o Sal” representando a figura de Oxalá carregando um fardo amarrado nas costas. Com isso, o visual geral dá conta da passagem narrada pelo itã em que Exu esperou que o soberano adormecesse para amarrar um fardo de sal em suas costas e acrescentar ainda mais desgaste em sua caminhada. E a rainha Maria Mariá era ” sal”, desfilando todo o seu samba no pé em seu terceiro ano a frente dos ritmistas da Rainha de Ramos. Mestre Lolo veio também de Oxalá, mas com uma face diferente do orixá em relação aos ritmistas. No esquenta, Pitty de Menezes cantou algumas obras do tradicional Cacique de Ramos como “Vou festejar (Chorão, não vou ligar)” e já emendou no ponto “Barraca Velha” para puxar a Cigana Esmeralda de 2024. Em seu discurso, o agora vice-presidente da escola, João Drumond falou sobre uma Imperatriz pronta para ganhar campeonato.