Pelo segundo ano consecutivo abordando um enredo afro-religioso, a Viradouro trouxe em 2025 a história de Malunguinho com o enredo “Malunguinho: O Mensageiro de Três Mundos”. Figura central na Jurema Sagrada, ele é amplamente reverenciado no Norte e Nordeste, especialmente em Pernambuco, mas ainda pouco conhecido pelo grande público.
A escola, atual campeã do carnaval, dá visibilidade a tradições populares negras e indígenas frequentemente marginalizadas. O enredo também denuncia o apagamento histórico dos povos originários e a exploração ambiental.
O CARNAVALESCO ouviu a comunidade da Viradouro sobre as suas compreensões sobre o enredo.
“Minha ala vem falando do fogo do carnaval e mais um ano iremos colocar fogo nessa avenida, dessa vez com a ajuda do Malunguinho. Eu não conhecia a história dele, passei a conhecer por conta do enredo e adorei, tem tudo a ver com o nosso objetivo que é trazer a vitória para a nossa escola. Confiante eu já estou, aliás, todos nós estamos bem confiantes na busca do bi, que com certeza já é nosso”, disse a comerciante Rosângela Oliveira, de 55 anos de idade, moradora de São Gonçalo e componente da Viradouro há 25 anos.
Emocionada com a sua estreia na Viradouro, a professora universitária Etiene Santos, de 31 anos, recém-chegada do Pará para morar em Niteroi, se sentiu acolhida pela escola e pela potência do enredo.
“Quando eu vim morar no Rio de Janeiro, a Viradouro representou para mim esse espaço de acolhida. Quando eu me sinto triste, é lá que eu me recarrego. E vir aqui para o carnaval e chegar aqui nesse local é uma emoção que invade a minha alma e me faz minimizar a saudade de casa. Viradouro é catimbó! Não conhecia a história e a figura do Malunguinho, mas escola de samba é isso, estamos aqui. Estou há seis meses no Rio e tenho uma história com a Viradouro desde 2018, a última vez eu morei um ano aqui no Rio de Janeiro e tive que retornar, mas deixei aqui uma semente. E quando foi final do ano passado, me chamaram no concurso e eu vim morar aqui colhendo os frutos da semente”, contou a Etiene com os olhos marejados, componente da ala 2 “Semente, folha e raiz”.
“Fiquei encantada pela história do Malunguinho, não conhecia e passei a conhecer na quadra com os ensaios, e achei uma maravilha. A comunidade abraçou, o samba é ótimo, a escola está cantando bem. Aliás, nossos últimos carnavais são sempre excelentes. Mas esse ano será ainda melhor, iremos com a força dos reis Malunguinho, falando de uma história nordestina, que não deixaremos apagar. A minha fantasia fala dos indígenas, se chama “Folha do Catucá, que era uma planta curativa que os indígenas cultivavam”, disse Vani do Nascimento, empregada doméstica de 57 anos que sai de Itaboraí para desfilar pela Viradouro.
Ao apresentar Malunguinho como um rei quilombola, a escola reforça a resistência e a força das raízes populares brasileiras. O enredo é vasto e traz reflexões sobre demarcação de territórios indígenas, preservação de quilombos e suas histórias, o contrário do que a sociedade escravista brasileira continua tentando fazer.
“Eu sempre fui torcedora da Viradouro, mas esse é o meu segundo ano desfilando. Já estreei campeã, dei sorte e agora venho em busca do bi. Conheci o Malunguinho através da escola e achei lindo, interessante. São muitas coisas que a gente desconhece. Muitas coisas interessantes que vão ficando para trás, por conta da vontade que algumas pessoas têm de apagar a trajetória de pessoas pobres e, se não é um evento como esse, a gente nunca toma conhecimento. A minha fantasia mesmo fala sobre o poder da cura indígena pelas ervas. Então a gente vem desfilar para falar desse apagamento de tradições também”, contou a aposentada Solange dos Anjos, componente da ala 9 “Cipó de Japecanga”.
Com um enredo que exalta a luta quilombola e a espiritualidade afro-indígena, a Viradouro não apenas busca o bicampeonato, mas também fortalece a preservação da memória de Malunguinho. Em um país marcado pelo apagamento de suas raízes, a escola transforma o carnaval em um grito de resistência e orgulho ancestral.