No solo sagrado da Sapucaí o Sereno de Campo Grande apresentará no Carnaval 2024 o enredo “4 de Dezembro” que aborda a relação de Oyá e Santa Bárbara. O carnavalesco Thiago Avis conta de onde veio a ideia do enredo que foi desenvolvido em trabalho conjunto com os enredistas Juliana Joannou e Leonardo Antan e comenta como vai ser o desfile e os preparativos.
Surgimento do enredo
“Ele surge de uma observação minha, durante a finalização do carnaval passado de 2023. Por volta do dia 19 de fevereiro, por aí, teve uma tempestade e caiu um raio dentro do barracão, onde nós estávamos concluindo as alegorias e aquilo foi bem marcante. Depois que a escola se consagrou campeã e no domingo posterior, nós estávamos comemorando dentro da quadra, entrou uma borboleta monarca muito grande e pousou numa senhora que estava sentada na quadra. Eu me lembro que a camisa dessa senhora era bem tropical, com flores, com frutas, e eu achei aquilo interessante, eu gravei essa cena. Como eu estava brifado por um babalorixá, tambor de mina, referente ao enredo do ano passado. Eu fui perguntá-lo, né, e eu também conhecedor das religiões matriz africana, eu entendia que Oyá e Santa Bárbara tinha relação. Eu já tinha um conhecimento da festa e sabia que a festa nunca tinha sido contada na avenida. Então nós unimos uma coisa com a outra. Então, foi um trabalho de observação do artista, mas a pesquisa de todo um grupo. Porque o enredo é uma ideia minha, uma estruturação, mas com o desenvolvimento de pesquisa do Leonardo Antan e da Juliana Janot também”.
Durante a pesquisa e descoberta, Thiago, fala que o que mais te interessou foi as experiências, as trocas e a cultura que viu. “É, me interessou a troca com o Babé Vitor, que é um babalorixá que teve em Oió. Eu tive a oportunidade de estar na Bahia e agora em dezembro para o festejo de Santa Bárbara. Tudo que eu conhecia, eu conhecia era de uma pesquisa secundária, eu necessitaria fazer uma pesquisa primária. Então, eu e Leonardo Antan fomos à festa. O Leonardo já conhecia a Bahia, ácido frequentador já de Salvador. Eu fui, fiquei encantado e muito emocionado com o que eu vi lá, porque assim, é uma expressão totalmente diferente do que eu já tinha visto aqui no Rio de Janeiro. Com isso, eu tive essa troca com o Babar Vitor que teve em Oió e me mandou imagens, vídeos de realmente como é o culto lá, inclusive os segredos que tem dentro do Palácio de Oió, são segredos da religião. Existe um juramento que você não pode passar diante dessas ideias. Não é nada tão fantástico, mas é um mistério que existe lá dentro. Porque eu não sei se vocês sabem, mas a Oyá, ela vem de Irá, da cidade de Irá. Só que o culto, ele se perde em Irá. Ele é cultuado em Oio, e o governo de Oio, recentemente, reconstruiu o palácio na cidade de Irá, que é a cidade de Oyá. Então, o rio Níger tem toda essa relação com a Oyá também, o Odoyá, o Odoyá de Iemanjá, mas é Odoyá a água de Iemanjá, o rio de Yansã. E o Oio, o rei Xangô, o Obá. Ela foi esposa dele de Xangô, então o grande amor da vida dela, por isso essa relação dela com a cidade Jóia”, explicou o carnavalesco.
Criação e desenvolvimento antes de chegar desfile
Com um enredo tão rico, a escola irá desfilar com três alegorias, um tripé e 1.800 componentes e promete marcar a Marquês de Sapucaí. O carnavalesco comenta os desafios de ser uma escola nova na Série Ouro, os seus enfrentamentos pessoais e o grande trunfo que irá trazer no desfile.
“É a primeira vez que eu faço África, de fato, em quase 20 anos. Ano que vem eu faço 20 anos que eu estou no carnaval, desde 2005, isso transitando pela Intendente Magalhães. Então é uma estreia meio reestreia, mas é uma estreia mesmo na Sapucaí e fazendo uma áfrica, sabe, eu acho que isso mexe um pouco. Eu sempre perguntei como seria, eu fazendo áfrica e agora eu tô tendo a resposta. É claro que, dentro do que eu posso fazer, do que eu gostaria de fazer. A gente sempre quer fazer de uma outra forma, mas vejam, uma escola que subiu da Série Ouro agora, teve que montar uma estrutura de barracão, estrutura de chassi. Tudo isso impacta também no andamento do seu barracão, é diferente de uma coirmã que já está estruturada. Isso não tem a ver só com financeiro, mas eu acho que quem já está ali com todas as suas máquinas, com todos os seus profissionais, tudo organizado, é diferente. É quase você criar um pouco no meio do caos, mas sem deixar o caos tomar conta de você. Eu acho que o grande trunfo do desfile, além do canto aguerrido da escola, dos componentes do Sereno de Campo Grande, também a homenageada Santa Bárbara. Eu acho que vale o olhar para esse trabalho que a gente está fazendo em cima da santa Bárbara, que é a grande homenageada, como ela vai ser apresentada na avenida. Nós temos uma alegoria que vem representando o andor de Santa Bárbara”.
A escola que será a primeira a desfilar no sábado de carnaval trará o abre-alas representando o grande Palácio de Oyá, importantíssimo para o enredo. E Thiago Avis fala que ele é o do seu queridinho do barracão
“Eu acho que o carnaval, num todo, eu tenho gostado, o tratamento que nós temos feito com abre alas que vem representando o Palácio de Oyá em Oio, na verdade, o Rio Níger. Ele é todo baseado, a pesquisa foi feita junto ao Babá Vitor. As cores, nós fomos fiéis, as cores que tem lá, do jeito que é lá. Foi feito um levantamento iconográfico de padronagens, de modo de pintura, pra gente tentar manter o mais fiel possível, claro, carnavalizando”.
A escola que é originalmente azul e branco promete ter cores variadas da cultura africana. “É um desafio porque o Sereno de Campo Grande tem as cores branco e azul. E o enredo, o manto de Santa Bárbara é vermelho e Oyá é uma iabá da cor quente. Então, nós conseguimos fazer uma mescla dentro de todo o desfile, de um cromatismo que prevalecesse as cores quentes, mas que tivesse o contraste também dos tons frios da escola”, afirma o artista.
Estrutura da Coruja da Zona Oeste
As escolas da Série Ouro ainda não tem um espaço específico, barracões organizados e com boa infraestrutura para desenvolver o carnaval. A Cidade do Samba II foi prometida para esse ano de 2024 e efetivamente seu funcionamento para o carnaval 2025. Ao subir da Intendente Magalhães para a Sério Ouro, o Sereno trocou de barracão com a agremiação que desceu, a Lins Imperial, mas deu sorte de ter uma mínima estrutura.
“A precarização dos barracões impacta, assim como também a verba impacta do momento que ela chega para a escola. Então quanto mais em cima do carnaval, mais próximo do carnaval a verba chega, existe uma maior dificuldade. Porque você tem todo um projeto para levantar, que deveria ter sido levantado em 3, 4, 5 meses, em dias. Então você vai abdicando de alguns itens, algumas coisas e vai dando outras soluções. Eu em questão de barracão, eu não posso nem reclamar porque eu já tive situações realmente muito precárias para isso, mas esse ano, graças a deus, a gente está num lugar que é coberto, tem banheiro e não é tão insalubre. Eu sei de outras coirmãs, isso não tira também a questão de que outras co-irmãs. A gente até divide aqui espaço com outra, com uma irmã que também tá com um carro em dois barracões. Você imagina um colega carnavalesco fazer um carnaval em dois barracões diferentes, um longe do outro né, então é bem difícil em relação a isso. O trajeto para a avenida é uma outra dificuldade, porque você tem muita afiação no caminho, tem ambulantes. Então tudo isso, apesar de estarmos num barracão que é próximo da avenida, que daria um certo conforto pra gente, mas a gente tem essa dificuldade em relação a limitação da altura de alegoria. Todo um cuidado para que ninguém tenha algum problema em relação a algum morador de alguma casa que fica sem energia elétrica. Tudo isso está sendo pensado para causar o menor dano possível às pessoas. O nosso ateliê fica na quadra da escola, fica lá em Campo Grande. Foi algo que nós começamos mais cedo, foi um pensamento mesmo de engenharia de produção. A gente precisava primeiro limar toda a necessidade, escoar essa produção de ateliê com fantasias para a gente poder focar no barracão em si”.
Diante de problemas e dificuldades de barracão e de investimento, os truques que uma escola de sambos da Série Ouro são necessários para tentar trazer um desfile espetacular, assim como fala Thiago Avis do barracão da Coruja da Zona Oeste.
“Eu acho que é ter pé no chão, né? É ter pé no chão, ter o pé na terra firme. Eu, pelo menos no meu caso, eu sou virginiano, eu costumo falar isso. Então a gente tenta buscar organização e é um signo de terra. Então eu acho que você ter esse pé no chão é válido, porque você não pode sonhar tanto. Você gostaria de fazer mais, mas você tem que fazer aquilo que é possível, que cabe dentro do bolso e tirar aquela velha história, né? Tirar da cabeça o que o bolso não tem. Então, é quase um jogo de quebra-cabeças, porque a gente não tem 12 metros de altura dentro do barracão para testar uma alegoria. Então a gente sonha ou vislumbra que isso vai dar certo na hora. Então assim, é tentar manter a calma que é o primordial”.
As dificuldades não podem deixar abalar a questão da inteligência emocional para Thiago, é preciso ser profissional para levar o carnaval a Avenida para o artista.
“Se é prazeroso trazer o carnaval, é prazeroso. De certa forma é, né? Eu acho que com a maturação, com a maturidade, você vai aprendendo a lidar melhor com as pessoas, lidar melhor com todo o processo, tem o estresse e é corrido. Eu aprendi uma palavra no último ano, na verdade eu já sabia, mas não sabia empregá-la da forma correta. Eu falo que é desafiador. Quando o dia tá difícil, eu falo que é desafiador aquele dia, porque o outro dia, quem sabe, você melhora um pouco. Então, se você manter essa calma e o ritmo, você consegue tocar o seu trabalho e entregar, que é o primordial. Hoje você tem que ser sério e são pessoas que trabalham com você. Então, isso faz parte de uma inteligência emocional. Se você, como liderança, é uma direção de arte, como um carnavalesco, você tem que manter um discernimento. Se você estressar todo mundo, você não consegue botar seu carnaval na rua. Então, pelo menos pra mim, esse tipo de atitude, acho que não rola”.
História da Azul e Branco sendo contada na avenida
“Nós temos três setores no desfile todo, o início, o meio e o fim. Como toda história é, como no cinema é contado, como no livro é contado”, conta o carnavalesco.
Setor 1: “O primeiro setor, nós temos Oyá, em Oyó, na cidade de Oyó, ela chegando em Oyó, e o Palácio de Oyá”.
Setor 2: “O segundo setor, nós vamos pra Bahia, pra mostrar como essa Oyá, ela é festejada nesse terreiro, no dia de Santa Bárbara”.
Setor 3: “E o terceiro setor, é o setor da festa de Santa Bárbara, que nós mostramos todos os símbolos e signos que tem a ver com a santa em si. Ela é padroeira de quem ela, quem são os devotos dela, quais são as comidas que acontecem no dia. Todas essas coisas vão fazer parte desse setor”.