Um tema delicado atualmente, mas necessário ser abordado diz respeito às afinações das peças. Cada instrumento de uma bateria recebe um tipo de afinação, normalmente vinculado a tradição musical da própria agremiação. Os surdos culturalmente representam as afinações mais vinculadas ao DNA rítmico de cada escola. No Salgueiro, por exemplo, o peso das marcações fascina pelos dois extremos, um surdo de primeira bastante grave, com uma resposta mais aguda da segunda bem forte. A primeira marcação mangueirense, com timbre grave também encanta e é uma herança musical de longa data em Mangueira. Já na Mocidade Independente, a inversão das afinações em relação às demais escolas faz com que a primeira ecoe de forma aguda, enquanto a resposta do surdo de segunda deixa grande parte do ritmo com um aspecto de timbre grave.
Esse breve resumo só relatou sobre algumas peculiaridades musicais de cada bateria envolvendo afinação de surdos. E o intuito principal da coluna está longe de ser sobre afinação somente de marcações. É passar exatamente uma visão geral de um problema que tem passado despercebido em inúmeros ritmos, a importância de aperfeiçoar e potencializar a afinação de cada naipe, visando atingir o máximo possível para que sobressaia o conjunto.
Peças bem afinadas representam a possibilidade de entregar musicalmente o melhor individualmente, o que necessariamente acaba impactando num conjunto rítmico que ressoa de forma mais eficiente, aproveitando todo o potencial possível de cada naipe. Um surdo de terceira bastante apertado praticamente não ressoa, por exemplo. Isso vai impactar na produção de cada ritmista da terceira, afetando também a sonoridade final de todo o naipe, que poderá ser pouco percebido por julgadores e público, gerando um ritmo deficiente em balanço.
Repiques apertados além da conta praticamente não produzem som e podem representar uma inconsistência musical nos naipes médios. Assim como as caixas de guerra, que com uma afinação que por vezes caminham mais para o médio-agudo, não irão auxiliar na percepção do complemento musical por parte dos médios. A atenção deve ser redobrada com baterias que usam caixas vazadas, que já são puxadas para o timbre agudo de modo natural. Sobre caixas e taróis, inclusive, vale lembrar que bordões em excesso podem dificultar que o médio sobressaia como se deve.
Tirar o potencial máximo da sonoridade de cada naipe individualmente pode representar, no conjunto, uma fluidez rítmica cada vez mais notável. Essa fluência pode ser obtida através de afinações que permitam uma propagação sonora diferenciada para cada naipe. O próprio efeito musical de consistência e integração rítmica pode residir em se aproveitar melhor do timbre de cada peça, alcançando um famoso jargão popular no universo das baterias, com um “ritmo que está com tudo no lugar”.
O equilíbrio, sem dúvida alguma, é o desejado e almejado produto final de uma bateria de Escola de Samba. E o equilíbrio rítmico é representado, sobretudo, através da consistência obtida pela fluência plena entre todos os naipes. É conduzir a bateria para uma sonoridade perfeitamente enxuta, indicando que o samba e o ritmo possuem integração musical praticamente orgânica, como se tivessem nascido um para o outro. Isso é ainda mais potencializado por uma equalização de excelência, que consegue evidenciar as distinções entre os mais variados timbres presentes no ritmo. Tem sido um caminho natural de inúmeras baterias criarem arranjos musicais que deixam evidentes as diferentes afinações de surdos, durante a execução de uma bossa. Isso só é possibilitado graças a um trabalho diferenciado de equalização, que permite que a boa definição entre os timbres mais diversos seja musicalmente notada.
Importante ressaltar, portanto, que é vital a contínua conferência das afinações de surdos ao longo de todo o desfile da bateria. Caso contrário, até a sonoridade das bossas que utilizam diferenciação de timbragem como diferencial deixarão a desejar. E ainda que não ocorram arranjos musicais desse tipo é prioridade rítmica uma afinação de surdos que permita a manutenção de andamento, o balanço das terceiras em evidência, além da propagação da pergunta (primeira) e da resposta (segunda) consistentemente. Afinadores de surdo são os autênticos e verdadeiros cardiologistas do ritmo! Esse texto é gentilmente dedicado ao eterno e saudoso mestre Cláudio Cardoso, o exímio afinador de surdos Claudinho Meião.