Após conquistar o 11º título da elite do carnaval paulsitano, a Mocidade Alegre decidiu por apostar na mesma fórmula de sucesso do enredo de 2023, que uniu uma história original e inovadora a um tipo de enredo ao qual a escola costuma se dar muito bem. A equipe do site CARNAVALESCO conversou com o carnavalesco Jorge Silveira e o enredista Leonardo Antan, que explicou a origem da proposta do tema (“Brasiléia Desvairada: A busca de Mário de Andrade por um país”) para o desfile em que a Morada do Samba buscará o bicampeonato consecutivo.
“Foi muito difícil pensar algo para depois do Yasuke, dar essa ideia de continuidade. Tivemos a ideia de cultura, que é muito diferente do Yasuke. Tentamos alguns caminhos antes do Mario, apresentamos algumas ideias para a escola. Eram ideias, de alguma maneira, muito parecidas com coisas que a escola já havia feito, e a escola nos pediu algo diferente. Acho que o Yasuke trouxe esse verniz de unir o trabalho do Jorge com o trabalho da Mocidade Alegre, e dar uma cara ao mesmo tempo familiar e diferente. Acho que a junção disso foi um grande acerto. A partir disso, nos motivamos a pensar o que seria isso, o diferente, mais familiar para a Mocidade Alegre, e fomos descobrindo essas coincidências de ser uma escola que já pensou muito São Paulo e brasilidade. Chegamos na figura de Mário de Andrade, que me acompanha há muito tempo, sempre me despertou interesse por ser esse desbravador e construtor da cultura brasileira. É isso que une o meu trabalho com o Jorge, um ponto de convergência muito importante e que agora estamos acompanhados de Mário, somos quase um trisal nesse sentido, pensando esse assunto”, contou Leonardo.
Busca de Mário de Andrade por um país
A importância da obra de Mário de Andrade é incalculável para as mais diferentes áreas. O objetivo do enredo da Mocidade Alegre, de acordo com Jorge Silveira, é focar no trabalho que inspirou registros como os apresentados no livro “Turista Aprendiz”, concluído em 1943.
“Especialmente o foco que vamos dar ao trabalho é o foco no olhar do Mário sobre o próprio Brasil. Vamos caminhar pela interpretação do Mário nessa trajetória de descoberta desse Brasil profundo, esse Brasil distante da capital. Vamos passear necessariamente por aquilo que é mais autêntico, genuíno e original da nossa cultura, das nossas manifestações, da alegria do nosso povo. Esses símbolos, essas imagens que compõem o nosso imaginário sobre a diversidade brasileira são a matéria-prima que eu vou transformar em fantasias e alegorias. Esse caldo intelectual todo o Léo traz com toda a pesquisa dele, com todo conteúdo e a formatação das ideias. A maneira como ele conseguiu ler a viagem do Mário e traduzi-la de uma forma que me entregue um material rico o suficiente para gerar as imagens. Tem uma coisa que eu gosto muito de trabalhar com o Léo e temos uma facilidade muito grande, que deu muito certo no Yasuke, é a geração de imagens. O carnaval é uma festa audiovisual, e precisamos ser claros na transmissão da nossa informação, é uma obrigação nossa levar esse conteúdo. Esse carnaval tem um papel educativo muito importante, de educar a nossa visão sobre a nossa própria matriz cultural. Quanto mais claro formos, mais direto e mais didáticos, eu acho que isso contribui para que a leitura do carnaval seja boa. Mário deixou um farto material de referências para que possamos nos guiar”, explicou Jorge.
Busca pelas origens do samba paulista
A parte final do desfile será dedicada ao trabalho de Mário de Andrade em busca de conhecer as origens do samba paulista, no chamado samba rural. Leonardo Antan destaca a importância de se falar a respeito das raízes do carnaval de São Paulo.
“Essa parte para nós foi uma parte muito querida nesse enredo, porque é algo que cabe pensar aqui no carnaval de São Paulo. Estamos pensando o carnaval de São Paulo, o carnaval dessa cidade e o samba dessa cidade. Para nós é muito importante pensar o samba que se desenvolveu em São Paulo. O samba em São Paulo tem uma matriz rítmica diferente do samba do Rio. São origens distintas. A origem do samba paulistano foi definida pelo Mario de Andrade como “samba rural paulista”. Ele tem um texto, que é da década de 1930, em que ele foi a Pirapora do Bom Jesus, que é esse berço de encontro de ex-escravizados e de negros nesse período do início do século XX e que criaram essa matriz rítmica do samba de São Paulo. Terminamos o nosso enredo relembrando e festejando simbolicamente a festa de Bom Jesus de Pirapora como essa matriz. É uma cidade hoje tocando a herdeira dessa tradição do samba de Pirapora. Mário, como essa figura que peregrinou não só Brasil, mas peregrinou também dentro do estado de São Paulo. Terminamos fazendo essa brincadeira, de que depois de passear o Brasil inteiro, ele passeou aqui mais pertinho para pesquisar e pensar o samba rural paulista. Falamos muito sobre a casa da Tia Ciata, sobre esse espaço do samba carioca que é fundamental, mas esquecemos que aqui em São Paulo tem uma outra matriz. É a contribuição de outras pessoas, de Madrinha Eunice e toda essa galera que vinha de Pirapora e que fundou os primeiros grupos carnavalescos aqui em São Paulo”, declarou o enredista.
Jorge Silveira é um carnavalesco carioca cujo talento é reconhecido no eixo Rio-São Paulo. Questionado sobre alguma curiosidade que se destacou ao longo dessa pesquisa sobre as origens do samba paulista, o artista revelou que para 2024 o foco de sua atenção está mais próximo com a ponta oeste da Via Dutra. Para Jorge, o sentimento de desfilar em ambos os carnavais não tem distinção.
“Isso dá um podcast! Mas assim, muitas vezes me fazem essa pergunta porque eu sou talvez um dos que mais faz fluência entre Rio e São Paulo. Eu brinco dizendo que eu fiz cinco carnavais no Rio, cinco carnavais em São Paulo, mas farei o 11º invertendo a tabela para São Paulo, então estou mais paulistano que carioca. Claro que existem tecnicamente diferenças, maneiras de fazer diferentes, tem sonoridade diferente, tradição diferente, mas no fundo o sentimento é o mesmo. Quando toca aquela sirene, o sentimento lá na curva da Sapucaí ou quando entra no Anhembi é a mesmíssima coisa, porque bate no coração da gente com muita forte. O jeito de fazer é diferente, tem peculiaridade, mas sentimento é o mesmo, é o que nos une enquanto brasileiros. Eu tento enxergar mais o que nos une do efetivamente aquilo que nos separa”, destacou o carnavalesco.
Brasiléia Desvairada de Fernando Pinto
A escolha de “Brasiléia Desvairada” para o título do enredo causa uma inevitável comparação com o nome do enredo campeão da escola de samba Estácio de Sá em 1992 “Paulicéia Desvairada – 70 anos de Modernismo”. Questionado se esse e outros desfiles serviram de base para dar nome ao carnaval de 2024 da Mocidade Alegre, Leonardo Antan conta, porém, que a referência é anterior a essa, de um projeto que nunca vira a luz de um dos maiores nomes da história do carnaval brasileiro.
“Tem uma lista! Um ponto muito em comum do nosso trabalho é que somos malucos por carnaval. Para fazer esse enredo, assistimos uns cinco desfiles juntos. Ficamos na casa do Jorge assistindo desfiles, uma coisa chatíssima (risos). Assistimos o Paulicéia, assistimos Villa-Lobos do Renato Lage, que acho que é um desfile parecido de alguma medida também da época do nosso enredo, de dois pensadores do Brasil. Trazemos a ideia da Paulicéia muito mais para o trabalho do Mario que para o desfile da Estácio. Entender que a Paulicéia era pequena, que a Brasiléia era algo que ele precisava se deter mais abrangentemente. E o título tem uma brincadeira também com Fernando Pinto, que tinha um enredo chamado “Brasiléia Desvairada” que ele nunca desenvolveu, que ele disse em entrevista. A “Brasiléia Desvairada” aparece no final de “Tropicália Maravilha”, desfile de 1980 da Mocidade Independente de Padre Miguel, então para nós traz um aroma de Fernando Pinto nessa brincadeira, nessa salada que o desfile representa para a gente”, concluiu.