Pelo segundo ano seguido, a Beija-Flor de Nilópolis levará para a avenida um enredo com temática social e de extrema importância para a sociedade, o que é uma característica marcante da escola. Desenvolvido pelos carnavalescos Alexandre Louzada e André Rodrigues, o enredo “Brava Gente! O grito dos excluídos no bicentenário da Independência” fará, como o próprio título sugere, um mergulho no bicentenário da independência do Brasil, mas com um olhar crítico, voltado para contar a história que não foi contada nos livros. Fugindo do formato tradicional de sinopse, a proposta do enredo foi dividida em “Convocação”, “Justificativa” e “Fala Mais”.
Em busca de sua décima quinta conquista, a azul e branca da baixada será penúltima escola a desfilar no segundo dia de desfiles do Grupo Especial e a obra escolhida para embalar o cortejo é dos compositores Léo do Piso, Beto Nega, Manolo, Diego Oliveira, Julio Assis e Diogo Rosa.
O site CARNAVALESCO dando início à série de reportagens “Samba Didático”, entrevistou o compositor Julio Assis para saber mais sobre os significados e as representações por trás dos versos e expressões presentes no samba da Beija-Flor para o carnaval de 2023. Júlio Assis explica o olhar sobre o enredo que a composição vencedora tomou para dar o seu recado. Confira a explicação de alguns versos e expressões do samba:
“A revolução começa agora onde o povo fez história e a escola não contou”
“A gente pegou o gancho que a comissão de carnaval deu pra gente na sinopse e tentamos fazer um samba e forma de convocação, foi um samba que foi feito em cima de uma convocação, a forma que entregaram a sinopse pra gente foi como se fosse um panfleto de convocação, por uma questão de desordem no que desrespeito a memória que são construídas no país a gente pegou esse gancho e deu start na primeira parte do samba. Tudo que a gente aprende na escola com esse enredo a gente percebe que não foi bem daquela que aconteceu, quando começa a pesquisar sobre os assuntos, se descobre que não foi da forma que aprendemos na escola, esse enredo vem pra questionar a independência do dia 07 de setembro”.
MARCO DOS HERÓIS E HEROÍNAS
DAS BATALHAS GENUÍNAS
DO DESQUITE DO INVASORNAQUELE DOIS DE JULHO, O SOL DO TRIUNFAR
E OS FILHOS DESSE CHÃO A GUERREAR
O SANGUE DO ORGULHO RETINTO E SERVIL
AVERMELHAVA AS TERRAS DO BRASIL
“Muita coisa aconteceu e não ficou claro na nossa época de escola, nesse período, que na verdade foi no dia dois de julho e não no dia 07 de setembro, aconteceram muitas guerras e surgiram muitos heróis que acabamos não conhecendo, não ficou muito claro pra gente quem são e o que fizeram, no dia 07 de setembro decretaram a independência, mas a independência deles, não a do povo, o dia dois de julho, que é o triunfar que a gente colocou no samba foi a independência do povo brasileiro. Quando falamos sobre o sangue do orgulho retinto e servil avermelhava as terras do Brasil, é justamente para enfatizar a questão das guerras e mortes que aconteceram e que ficaram escondidas nesse período”.
EH! VIM COBRAR IGUALDADE, QUERO LIBERDADE DE EXPRESSÃO
É A RUA PELA VIDA, É A VIDA DO IRMÃO
BAIXADA EM ATO DE REBELIÃO
“No nosso refrão do meio é mais um chamado, a gente tentou fazer sempre isso, uma convocação, um alerta, sempre querendo criar um sinal de alerta pro povo brasileiro e no refrão do meio não foi diferente, a gente fala da questão de irmos para a rua cobrar igualdade, liberdade de expressão, de unir, quando a gente é a rua pela vida, é a vida do irmão, queremos unir, é um pelo outro. O Baixada em ato de rebelião a gente tentou fazer um duplo sentido é como se fossemos baixar um decreto com ato de rebelião, quando você escuta a palavra rebelião você logo lembra de presídio, mas na verdade usamos no sentido de imposição, de firmamento do pensamento, do que a gente quer, usamos esse termo, que na minha opinião é um dos mais fortes do samba, pra gente funcionou bastante e é uma forte mensagem que conseguimos colocar nesse refrão do meio”.
DESFILA O CHUMBO DO AUTOCRACIA
A DEMAGOGIA EM SETEMBRO A MARCHAR
AOS “RENEGADOS” BARRIGA VAZIA
PROGRESSO AGRACIA QUEM TEM PRA BANCAR
“Logo no início da segunda a gente coloca justamente aquilo que a gente aprendeu na escola, o desfile do dia 07 de setembro, você aquela demonstração de poder, de tanques, homens armados, o que faz a gente lembrar a época da ditadura, a gente acha uma demagogia, como colocamos no samba, porque na verdade os renegados, a grande maioria do povo, que somos nós, está de barriga vazia, então é um desfile de poder, ele é feito pra demonstrar força, mas na verdade o povo não participa, no ultimo verso desse trecho a gente coloca que o progresso ele só agracia quem tem pra bancar, então pra quem tem dinheiro está tudo bem, mas não é uma verdade para a grande maioria do povo brasileiro. Quem realmente necessita está perspectiva de vida”.
ORDEM É O MITO DO DESCASO
QUE DESCONHEÇO DESDE OS TEMPOS DE CABRAL
A LIDA, UM CANTO, O DIREITO
POR AQUI O PRECONCEITO TEM CONCEITO ESTRUTURAL
“Aí a gente fez também um duplo sentido com a questão da ordem, algo que a gente desconhece desde os tempos de Cabral, ou seja, todos da nossa geração não pegaram, a gente debochou, desconhecemos essa ordem até hoje. A gente enfatiza também que u lugar pra morar é um direito de todo brasileiro, isso deveria estar para todos, a gente enfatiza também e que eu acho mais importante nesse trecho é a questão do preconceito, a gente vive isso todo dia, não é segredo pra ninguém, o preconceito racial é estrutural, já está no DNA do nosso povo, infelizmente é dessa forma, é muito ruim pra mim, eu que sou preto já sofri situações bem ruins, é algo que está na estrutura e que a gente resolveu enfatizar no samba também”.
PELA MÁTRIA SOBERANA, EIS O POVO NO PODER
SÃO MARIAS E JOANAS, OS BRASIS QUE EU QUERO TER
DEIXA NILÓPOLIS CANTAR!
PELA NOSSA INDEPENDÊNCIA, POR CULTURA POPULAR
“Mátria é um termo interessante, é uma designação para pátria que a gente usou sob a ótica feminina, a gente quis dizer com esse trecho é que deveriam ter muito mais mulheres no poder, elas tem esse extinto materno que já vem com a mulher, essa ânsia de cuidar, acho que seria muito mais produtivo e muito mais aproveitado se tivessem mais mulheres no poder, a gente entende dessa forma e colocamos no samba, achamos interessante dar esse alerta, o intuito da nossa parceira sempre foi usar a Sapucaí como forte instrumento de disseminação de informação, a gente faz com muito cuidado tudo o que a gente escreve, queremos mais mulheres no poder. Logo em seguida o penúltimo chamado, a penúltima convocação que a gente faz nessa obra, que é chamar Nilópolis
para cantar, no nosso entendimento ninguém faz melhor nessa questão de se colocar, se posicionar no carnaval do que a Beija-Flor, já é uma tradição de quase sempre se impor, de explorar temas latentes na sociedade. Então, antes do refrão principal pedimos que deixem que a Beija-Flor cante pela nossa independência, no nosso entendimento não tem ninguém melhor que a comunidade de Nilópolis para fazer isso”.
Ô ABRAM ALAS AO CORDÃO DOS EXCLUÍDOS
QUE VÃO À LUTA E MATAM SEUS DRAGÕES
ALÉM DOS CARNAVAIS, O SAMBA É QUE ME FAZ
SUBVERSIVO BEIJA-FLOR DAS MULTIDÕES
“Chegamos ao refrão, é a última convocação, a gente tentou de verdade criar samba em forma de convocação para um posicionamento, essa foi a última, é o povo brasileiro que vive excluído, mas está lá as 4h da manhã pra pegar o ônibus cheio, o BRT, o transporte público que for pra matar o dragão do dia, aí chega em casa tarde pra fazer janta, dormir meia noite, para acordar às 4h de novo pra matar o próximo dragão, então abram alas pro cordão dos excluídos, é um povo que merece, é um povo que luta, e é um povo que além disso tudo é um povo carinhoso, amoroso e receptivo. É um povo que merece toda atenção das autoridades, de quem coordena, de quem comanda, é um povo que tanto luta e faz por essa nação. Seguindo nesse trecho, falamos do povo Nilopolitano, como falamos acima de que não existe comunidade melhor para se posicionar que a comunidade de Nilópolis, a gente fala que além dos carnavais, ou seja, de muito tempo, desde sempre, já vem essa questão da Beija-Flor se colocar á frente das polêmicas que tem em nossa comunidade, ela acaba fazendo esse povo subversivo, aquele cara que se coloca contra, que expõe sua opinião, que luta pelo o que quer, então o subversivo Beija-Flor das multidões nada mais é que o componente da escola, aquele que vai cantar o samba e colocar pra fora toda essa obra, toda essa exposição de informações pra fazer chegar o mais longe possível”.