A MPB – de Música Preta Brasileira – ganha uma alegria lapidada nas melhores rodas de samba e no maior palco da nossa cultura. Neguinho da Beija-Flor e Xande de Pilares estrelam juntos “Empretecendo”, homenagem ao grande intérprete da Sapucaí, que em 2025 atravessou o altar dos bambas ao microfone pela derradeira vez, arrematando trajetória de meio século à frente de sua escola.

Primeira produção assinada por Xande de Pilares e Luciano Broa e álbum de estreia do selo Ednax / Gold Records, o trabalho chegou às plataformas de áudio dia 18 de abril, com 19 faixas e 25 músicas, quatro delas inéditas. As gravações foram escritas no segundo semestre de 2024 e cruzaram a temporada carnavalesca, consumando-se como primeiro trabalho de Neguinho no pós-avenida.
O decano dos intérpretes da Passarela, inventor das assinaturas sonoras “Olha a Beija-Flor aí, gente” e “Chora, cavaco”, e o homem do “É Deus que aponta a estrela que tem que brilhar” convidaram outros sambistas para se engajarem à reverência. Ferrugem, Zeca Pagodinho, Teresa Cristina, Pique Novo, Renato da Rocinha, Andrezinho do Molejo, Helinho do Salgueiro, Swing e Simpatia, Revelação e Vando Oliveira ampliam a paleta de estilos com participações em 10 das 19 composições – para mostrar, de novo, que a Música Preta é um potente caldeirão de diversidade.
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As canções inéditas carregam significados essenciais aos protagonistas do álbum, oriundos de gerações diferentes da mesma dinastia de bambas. Neguinho, 75 anos, e Xande, 55, firmam o ponto na cruzada antirracista em “Empretecer”, composição de Jonathan Fernandes Vieira, Rodrigo Cavanha, Wilsinho Paz, Serginho Sumaré, Théo Ribeiro, Léo Freire, Felipe Mussili e o próprio Neguinho, que concorreu na disputa da Beija-Flor para o Carnaval de 2022: “Sou negro/ Sou muito mais orgulho que lamento/ A minha pele é empoderamento/ Sou cria do Quilombo da Baixada”.
“Borracha Fraca” (composição dos dois com Gilson Bernini) integra-se à campanha para debelar a violência de gênero, que tem o Brasil como trágico líder na mazela. “Borracha fraca ele é/ Já tá provado que é/ Se for pra encarar um marmanjo/ Ele mete o pé/ Borracha fraca ele é/ Na pista é um Zé Mané/ Em casa ele é valentão/ Pra bater na mulher”, denuncia, no tom característico das melhores rodas de samba cariocas.
“Samba, O Gosto da Minha Comida” apresenta nova parceira de Neguinho: a mulher dele, Elaine Reis, responsável, como ele mesmo destaca, “por ter minha vida organizada, segura e feliz”. “Samba/ É o meu modo de vida/ O gosto da minha comida/ O bom viver, do meu viver/ Samba/ Me deu mais do que mereço/ O que me deu não tem preço/ Minha salvação é você (Meu samba)”.
“Zé Bonitinho” (Charles André e Neném Chama) reforça o quinhão de humor e picardia protocolar no samba. Descreve o amigo da roda, “que é comédia, quando bebe perde a rédea, gente boa sem noção, na primeira dose ativa o modo ‘pai tá on’”. E vira o Zé Bonitinho, “que toma chá de belezol”. Delícia de batucada.
Estão lá ainda clássicos como “Negra Ângela” (Alexandre Rodrigues e Serginho Meriti), “Gamação Danada/ Bem Melhor que Você” (Neguinho e Almir Guineto), “Problema Social” (Guará e Fernandinho) e “Menino de Pé no Chão” (Helinho do Salgueiro e Jarbas de Souza), pérolas superpopulares que vivem no coração dos apaixonados por samba.
Para completar, a capa do álbum é uma criação do artista visual Marcelo Ment, especializado em realismo. As fotos do projeto são de Walter Firmo, um dos grandes fotógrafos brasileiros vivos, que reuniu os dois cantores em Nova Iguaçu, na casa onde Neguinho cresceu.
Xande de Pilares revela que criou o “Empretecendo” como um réquiem em vida a um de seus grandes ídolos e, inicialmente, seria apenas produtor. “A ideia nasce pela importância de pessoas como o Neguinho na minha vida. Não só ele, mas Zeca, Mussum, Almir Guineto, Arlindo Cruz, Nei Viana, Dominguinhos do Estácio, Aroldo Melodia, Pedrinho da Flor e Jamelão, entre outros”, lista.
Com a revelação daquela série o último ano do intérprete na Beija-Flor, e a consequente barafunda na agenda dele, o destino deu outro boato ao projeto. Xande trabalhou como cantor das bases, e o resultado da parceria ficou espetacular. Os dois artistas, então, decidiram cantar juntos todas as músicas – e o álbum virou um dueto. “Gravei um disco com meu ídolo Neguinho da Beija-Flor”, exalta o inventor da ideia.
Ele, aliás, viaja nas lembranças, quando ouvia o ícone no rádio e nos LPs e o admirava de longe, em visitas bissextas à quadra do Salgueiro. “Aí, veio a gravação de ‘Problema Social’, do Guará e do Fernandinho, meu primo. O Helinho do Salgueiro, responsável por eu estar na música, gravou ‘Menino de Pé no Chão’. E em 2001, Neguinho gravou ‘Grades do Coração’, samba que compus com Mauro Júnior e João Carlos. Fomos nos esbarrando, de forma respeitosa, sem pressa. Fico feliz de poder dizer que sou amigo de Neguinho da Beija-Flor. Ele não é só o intérprete da escola; é um cara que faz parte da história do samba que eu conheço”.
De seu lado, o homenageado embarcou no projeto “Empretecendo” de cabeça. Dividiu as gravações com os shows e os ensaios da escola, que terminaram campeã em seu último ano de intérprete (assim como foi na estreia, em 1976, o do “Sonhar com Rei Dá Leão”). “Nem nos meus melhores sonhos imaginei um presente esses, que me foi dado pelo meu compadre Xande de Pilares”, festeja Neguinho. “A alegria dessa nova parceria está pelo disco todo. Muita felicidade! Mas é aquilo: quem sabe rezar não xinga Deus”, brinca o cantor.
Vem empretecer com Neguinho da Beija-Flor e Xande de Pilares. Melhor caminho para ser feliz.
NEGUINHO DA BEIJA-FLOR
Luiz Antônio Feliciano Neguinho da Beija-Flor Marcondes nasceu na Casa da Mãe Pobre, em Vila Isabel, mas cresceu na pobreza da periferia de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense. Filho de um padeiro e músico diletante e de uma diarista, ligado-se ao samba ainda menino. No fim da adolescência entrou para o Leão de Iguaçu e, no meio de 1975, chegou à Beija-Flor. No ano seguinte, estreou na avenida cantando um samba seu, “Sonhar com Rei Dá Leão”. A escola terminou campeã e ele nunca mais parou, até o último Carnaval. Além da avenida, gravou mais de 30 discotecas, com sucessos como “O Campeão”, “Deusa da Passarela” e “Negra Ângela”.
XANDE DE PILARES
Alexandre Silva de Assis, criado do Morro do Turano, na Tijuca, é um dos mais importantes sambistas brasileiros. Começou em 1991, no grupo Revelação, mas, após 13 anos, escolheu uma carreira solo, em qual coleciona seis discos, entre eles o sucesso mais recente, “Xande canta Caetano”. Astro do Carnaval, compôs, com parceiros, três sambas-enredo para o Salgueiro, sua escola de coração, além de outros três, para Unidos de Padre Miguel, Império Serrano e Vai-Vai (SP).
Tracklist do álbum “Empretecendo”:
1- Empretecer
2 – Recomeçar
3 – Vi/Divina (parte. Pique Novo)
4 – Menina da Ladeira / Se Liga Doutor (part. Andrezinho Molejo)
5 – Zé Bonitinho
6 – Negra Ângela
7 – Não É Bem Assim
8 – A Mulher do Malandro / Malandro Também Chora (part. Zeca Pagodinho)
9 – Quero Meu Direito de Viver (part. Helinho do Salgueiro)
10 – Gamação Danada / Bem Melhor Que Você (part. Ferrugem)
11 – Flor / Coisa Complicada (parte. Swing e Simpatia)
12 – Esmeralda
13 – Foi o Teu Amor (parte. Teresa Cristina)
14 – Pra Lá de Legal
15 – Favela (part. Renato da Rocinha)
16 – Borracha Fraca
17 – Samba, O Gosto da Minha Comida (part. Vando Oliveira)
18 – Grades do Coração (parte. Grupo Revelação)
19 – Problema Social / Menino de Pé no Chão