Os enredos das escolas de samba de 1991 foram da água à evolução humana, passando por bananas, Rua do Ouvidor, botequim, chegando à construção do universo pelas rendeiras. Não podemos deixar de citar Alice que passeou no Brasil das Maravilhas e viu que somos bregas e kitschs e, orgulhosos nas asas da águia, fizemos um tributo à vaidade. Entre outras homenagens do mesmo ano, destaco, a feita pela Unidos do Viradouro em sua estreia no Grupo Especial, a Dercy Gonçalves.

A escrita do enredo se inicia com a belle époque, estilo do qual a homenageada foi contemporânea ao chegar na cidade do Rio de Janeiro, vinda de Madalena, interior
do estado. Durante a escrita, são expostos os sonhos e as expectativas que Dercy tinha da vida, além dos preconceitos que seus sonhos despertavam nos seus ciclos sociais: Uma menina que gostava de cantar (chegou a fazer parte do coro da igreja de Madalena), de se divertir, uma mulher que sonhava com um mundo diferente daquele em que vivia. E que não foi compreendida, sendo discriminada pelas outras na tacanha cidade. (Lopes e Quintaes)

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A escrita do enredo, nos informa que a heroína da história teve como inspiração o grupo de teatro que passou pela sua cidade e a inspirou a partir de trem para a capital. O texto descreve o início da sua trajetória, seus sucessos, até chegar ao sonho de encerrar a sua carreira no circo. Na última frase é sublinhada a informação de que na sua cidade natal, onde antes ela foi tratada com preconceito, agora há um busto em sua homenagem. Já no desfile, o cortejo termina com o sonho do circo.

A opulenta comissão de frente chamava a atenção para o dourado. Logo depois, via-se o carro abre-alas, branco com detalhes em rosa. O vermelho ficava por conta do vestido da homenageada, que estava com os peitos desnudos, abertos, de forma irreverente, sintetizando as cores do desfile. As demais fantasias durante a apresentação, exibiam os dégradés da abertura: dourado, branco, rosa e alguns pontos em vermelho. Destaquem-se os momentos coloridos com a presença de outras cores, como o carro do cassino, o jogo de cores opostas (vermelho e verde) na ala da “perereca da vizinha” e o carro do cogumelo que vinha na sequência. Nas últimas alegorias, os tons dourados e vermelhos, cores tradicionais da agremiação, acompanhavam o tom laranja.

A artista e a sua capacidade de se comunicar com o público nas mais variadas linguagens de seu tempo (teatro, cinema, cassino e tv), foram ricamente exploradas no desfile de cabo a rabo.

As fantasias eram luxuosas, de fácil leitura, criativas, algumas irreverentes. De uma forma geral, buscavam uma verticalidade ao apontar para cima, principalmente com ombreiras, costeiros e adereços de mão. O sentido de opulência vertical, também foi encontrado nos carros.

O carro abre-alas trazia junto à homenageada, musas que se assemelhavam às vedetes dos teatros de revista ou às chacretes populares da TV em cima de cisnes altos, enquanto Dercy estava no fim de uma grande escadaria , afinal, não existe teatro de revista sem escada. O vestido vermelho expressava a ideia de que a heroína se tornava, ali, a grande coroa, no sentido simbólico, popular ou irônico da escola. Alguns carros depois, no carro do cassino, a irreverência ficava por conta de uma outra destaque que vestia uma fantasia de nome “Dama de paus”. Apesar das pontuações irreverentes, faltou mais humor nas fantasias e alegorias, forma que o enredo permitia.

A ala que destaco, as baianas, representavam a Belle Époque e vinham logo depois do Abre Ala, vestindo fantasia de babados que misturavam tons rosa e branco. A rosa de suas saias tornava-se a origem da cor rosa, o vermelho, que está na coroa, elemento de destaque no segundo carro que vinha logo depois da ala. Essa posição é importante: as guardiãs da história da agremiação conectavam-se com o símbolo da escola.

Ao seguir o que o enredo escrito e a linguagem visual apresentaram, coube ao samba traçar o mesmo caminho: vida e obra. Porém, em alguns importantes versos há humor e conversa de maneira fácil com o brincante: “Eu vou me acabar (quá, quá, quá,quá, quá)” ou ainda: “Cada vez mais sapeca, quem diria soltando a perereca da vizinha”. A liberdade da linguagem musical, talvez, permitiu maior brincadeira.

O desfile é importante para a história da Viradouro. É com ele que a escola se apresentou ao Grupo Especial, grupo em que permaneceu por anos. Além disso, pode ser considerado uma das melhores homenagens da história da Sapucaí. É importante notar que a sua sétima colocação teve as mesmas pontuação da quarta, da quinta e da sexta colocadas no resultado final da apuração. A agremiação de Niterói, ficou nesta posição devido ao quesito de desempate. A homenagem a Dercy é tão inesquecível quanto a Perereca da Vizinha.

Autor: Luiz Henrique Duarte – Mestrando em Ciência da Literatura/UFRJ, membro
OBCAR.
Orientador: Leonardo Bora – Doutor em Ciência da Literatura/UFRJ, Pesquisador
OBCAR.
Instagram: @OBCAR_UFRJ

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