A gélida noite de sábado teve muito samba na Zona Leste de São Paulo. A Nenê de Vila Matilde, onze vezes campeã do Grupo Especial do carnaval da cidade e atualmente no Grupo de Acesso I, escolheu o samba para defender o enredo “Um quê de poesia e um tanto de magia, a arte de encantar o imaginário popular”, desenvolvido pelo carnavalesco Danilo Dantas. Com três canções finalistas, venceu a obra composta por Adauto Alves, Dadô Poeta, China, Akash, Samuel Bussunda e Marcio Pessi.
Novidades e tradição
Após todos serme recepcionados por componentes da Ala das Baianas, foi realizada a cerimônia de posse dos casais. Apresentados pelas redes sociais no dia 03 de março, Edgar Carobina e Graci Araújo, enfim, se apresentaram como primeiro casal de mestre-sala e porta-bandeira à frente da comunidade. Depois, os tão tradicionais alusivos da azul e branca foram executados. Homenagens para baluartes da Vila Matilde foram feitas, e uma surpresa também aconteceu: juntamente com outras tantas agremiações (casos de Gaviões da Fiel, Imperador do Ipiranga, Amizade Zona Leste, Leandro de Itaquera e as X-9 [tanto a Pioneira, da cidade de Santos, quanto a de São Paulo]), uma roda de pavilhões se fez presente ao som de históricos sambas da instituição – como “Narciso Negro” (1997) e “Em Não Se Plantando, Tudo Nos Dão?… Não!” (2002).
Também houve espaço para uma apresentação do Grupo Independente de Ginástica Geral e Acrobática (GIGGA), com elementos circenses e acrobacias bastante arriscadas, que causaram frisson na reportagem e em todo o público presente.
Hora da verdade
A disputa, então, começou. O primeiro samba a se apresentar, com o público repleto de bexigas azuis e brancas, foi composto por Marcelo Casa Nossa, Fredy Vianna, Nando do Cavaco, Bruno Rodrigues, Daniel Cava, Helber Medeiros, Rodnei Machado, André Filosofia, Polonês e Xandinho Nocera – e interpretado pelo atual cantor da Mancha Verde.
Veio, então, a canção escrita por Kaska, Turko, Silas Augusto, Fabio Souza, Rafa do Cavaco, Vitão e Bruno Gianelli, interpretado por Tiganá.
O samba campeão foi o último a se apresentar, com muitas bandeiras azuis e brancas na quadra. A gravação original, interpretada por Ito Melodia, ficou a cargo de Luiz Felipe e Tiago Nascimento no palco.
Definição clara
Ao contrário de outras tantas, a parceria campeã tem um modus operandi bastante bem dividido, com cada componente tendo uma função específica. Quem explica é Dadô Poeta: “Quando chegou a sinopse, o Adauto começou a rascunhar a letra e a métrica que seria o samba. Trouxe isso para todo mundo já mastigado, para já concluirmos na melodia. A nossa canção veio em cima dessa situação, da concepção dele e do entendimento do enredo”, comentou.
Citado pelo parceiro, Adauto Alves também exaltou os demais compositores: “Na nossa parceria, geralmente fazemos assim: eu cuido da adequação com o enredo e o Marcio Pessi, o Dadô e todos os demais são ótimos na melodia e me ajudam com o samba”, refletiu.
Mais do que isso: Adauto já destacou quem foi o responsável por tomar a iniciativa de já trazer uma parte importantíssimo da canção: “Fizemos poucas reuniões, mas o Dadô já mandou o refrão logo de primeira e eu já complementei com a letra. Um vai dando uma ideia para o outro e o samba saiu”, disse. Boêmio, Dadô revela que a parceria se rendeu às inovações tecnológicas: “Tivemos umas duas ou três reuniões, mas também conversamos muito por WhatsApp. Eu sou do modo antigo: gosto de ter aquela cerveja, a resenha, e ter a discussão, no bom sentido”, comentou.
Ambos também disseram não esconderam que aproveitaram todo o tempo possível dado pela diretoria quanto às entregas dos sambas: “Gostamos de fazer tudo no final. Nos últimos quinze dias, quando já tínhamos o refrão, que pegamos firme na letra e acabamos. Terminamos e entregamos o samba na última semana possível”, assumiu.
Elogios à safra
Como é de praxe em finais de sambas-enredo, diversos integrantes-chave de segmentos elogiaram não apenas a canção campeã – mas, também, todos os finalistas. Foi o caso de Rinaldo José Andrade, o Mantega, presidente da Águia Guerreira: “Eu gostei da nossa safra para 2025. Fomos felizes e os compositores também foram felizes. Escolhemos um samba bom e estamos bem representados, não temos dúvida”, resumiu.
Quem também sintetizou a própria opinião foi Bruna Moreira, diretora de carnaval da agremiação: “Para a gente, para a nossa grande surpresa, os sambas estão maravilhosos. Tivemos muita dificuldade para escolher qual desses sambas vamos levar para a avenida, todos tinham muita qualidade”, comentou.
Um dos estreantes na escola da Zona Leste, Edgar seguiu a linha dos demais ouvidos pela reportagem: “Todas as obras que estiveram aqui e foram escritas pelos compositores eram lindas. Os três finalistas estão de parabéns. Qualquer uma que ganhasse representaria bem a Nenê”, disse. Já Graci aproveitou para comentar certa angústia antes da escolha da canção: “Até agora, estávamos ensaiando em cima dos três sambas – e, agora, isso vai mudar. Estávamos ansiosos e na torcida – e, agora, isso acabou”, revelou.
Outro sentimento também foi relatado por Agnaldo Amaral, intérprete da Nenê: “Estamos muito bem, com certeza! Foram três sambas maravilhosos, qualquer um que escolhermos vai ser de bom grado para a Nenê. Está tudo dentro do contexto e da formação da escola. Estava louco de vontade de soltar o samba campeão!”, destacou.
Quem também pontuou o nível da disputa foi Matheus Machado, mestre da Bateria de Bamba: “A Nenê teve uma safra muito boa de sambas-enredo e o samba escolhido segue essa linha. A disputa foi bem acirrada. Sambas bonitos, melodias encantadoras. Foi uma disputa muito bonita”, elogiou.
Mais detalhes
Dois importantes nomes da Nenê de Vila Matilde para 2025 detalharam um pouco mais o que estavam sentido. Danilo Dantas foi um deles: “Acredito que, de tudo que foi apresentado para nós, tínhamos até mais que três sambas para trazer para a final. Falei para todos que, dos treze sambas, praticamente todos estavam dentro do enredo. A minha parte será a mais fácil: todos seguiram à risca a proposta que apresentei para a escola. Agora, falando de melodia, os três finalistas são os que melhor possuem o nível de qualidade que a escola precisa. O resultado fica por parte do nosso júri interno, um de cada setor da escola – que escolherá o melhor para a Nenê. Mas, qualquer um deles, se tivermos que mexer, será pouco. Os três finalistas possuem tudo do enredo, com coesão e melodia”, pontuou.
Já Rodrigo Oliveira, ao ser perguntado sobre o samba vencedor, começou falando sobre os motivos pelos quais ele foi o vencedor: “O carnaval está se ajustando a cada momento, virou algo natural da disputa. Você percebe que, a cada ano, se reavalia o critério de julgamento – e não é por instabilidade, é que a festa está ficando tão grandiosa que ela pede, sempre, reavaliações na medida em que a gente precisa readequar para que a disputa seja equilibrada. E isso vem acontecendo, na minha opinião. E não falo apenas de jurados: falo da forma como tudo está se propondo para que tudo se equilibre. É bacana ver que o objetivo é essa. Em alguns quesitos, isso já pode ter acontecido; em outros, não. Em 2024, a Liga-SP já rediscutiu o quesito samba-enredo. As escolas já trazem para os seus formatos de disputa ou escolha essa questão. Já tem uma segurança maior. Na Nenê, estamos com uma disputa nesses critérios: sambas muito ricos e dentro do que o enredo fala, dentro da sinopse. Fomos contemplados de uma forma muito precisa. Tínhamos três sambas na final com grande capacidade de vencer e representar a escola em 2025. Quando um samba vence, a escola tem que se reunir novamente, avaliar o formato dentro da voz do intérprete e do time de canto, já que elas são diferentes do que a parceria apresentou. Também temos que ver qual a necessidade, dentro do critério de samba-enredo, se é necessário fazer algum ajuste ou não. Hoje, os sambas vem mais prontos para o critério. Se houver ajustes, serão muito pequenos. Te falo com segurança que o samba vencedor vai representar muito bem o carnaval 2025 da Nenê”, comemorou.
Sobre a dinâmica
Rodrigo também aproveitou para destacar o quanto as eliminatórias de sambas-enredo são importantes para a agremiação: “O samba é uma disputa dentro da disputa do carnaval. Primeiro acontece aqui dentro e depois disputamos o carnaval. E essa primeira disputa é da comunidade. As pessoas ficam naturalmente divididas: um grupo com um, outro com outro. No final das contas, como a escola tem que escolher tecnicamente, às vezes não ganha o samba que a comunidade quis, mas o samba que dará um melhor julgamento para a escola. No decorrer do ano, a comunidade absorve isso e abraça a causa. A Nenê tem um chão forte e abraça o enredo e o samba”, disse, aproveitando para elogiar a comunidade matildense.
Danilo também pontuou que a observação para votar em uma canção não vem apenas do gosto pessoal dele: “Eu faço algo que eu nem sei se é normal: além de ouvir só comigo, fico circulando pela quadra para ver a sustentação dele com o canto, com a bateria e com alguns setores da escola. Acho que todos os setores devem estar bem integrados com a escolha feita”, refletiu.
Novos nomes
Danilo Dantas fará a estreia do carnavalesco na Nenê de Vila Matilde, tal qual Edgar e Graci. Perguntado sobre os novos quadros, Mantega foi enfático: “A gente ajustou o que tinha que ajustar. Fomos ajustando, fazendo outros detalhezinhos aqui com gente, pra não dar meia volta e ficar muito competitivo. A gente está procurando a excelência. Sem excelência, vai ficar difícil. A Nenê vem pra brigar, como sempre. Se Deus quiser, vamos voltar pro nosso lugar”, vociferou.
Próximos passos
Outros segmentos preferiram focar no que será feito a partir de agora, com o samba já definido. Matheus foi um deles: “Nossos trabalhos já com o samba escolhido começam já na segunda-feira. Nesse dia, já nos reunimos na quadra com a nossa direção de bateria e com mais uma rapazeada, a base da nossa bateria. A gente sabe que o carnaval vai ser no começo de março, mas a gente precisa se reunir e trabalhar para alcançar o nosso objetivo. Parece que está longe, mas está bem perto. Já vamos trabalhar duro em cima desse samba”, pontuou.
Aproveitando para relembrar o trabalho já feito até aqui, Agnaldo focará na própria personalidade: “Eu gravei cinco dos sambas – e olha que eram apenas três finalistas. Por conta disso, estou com todos os sambas na mente. Cantei os sambas para a diretoria e para o presente, então sempre fica um ponto de interrogação por todos eles serme bons, todos caíram na graça do pessoa. Procuramos fazer o mais simples possível para ficar todo mundo igual na disputa. Agora, com o samba escolhido, a gente vai colocar a canção com a minha interpretação, do jeito que tem que ser, para ele ficar bem legalzinho. Estamos firmes e fortes, foram treze sambas de obras boas à beça, mas vai só um. Sentimos se os sambas estavam arrastando o pessoal e isso também contou para a nossa escolha”, pontuou.
Bruna já trouxe uma estimativa de data para o próximo grande evento da escola: “Nós já estamos trabalhando para e pensando no próximo carnaval. Daqui duas semanas, já vamos lançar as fantasias do próximo desfile. Estamos a todo vapor! A Nenê, em 2025, vem com um grandioso carnaval”, comemorou.
O figurino, por sinal, foi tema das falas de Graci: “Nós já vimos o figurino, recebemos a sinopse do que representa a fantasia do casal, o carnavalesco já contou como viremos e todo o contexto. Ensaiamos muito para o dia de hoje e já pegamos vários trechos que cabem para aproveitar algo na avenida. A gente visiona desenhos coreográficos que super dá pra aproveitar”, contou. Já Edgar focou na dança de ambos: “Vocês podem aguardar que vai vir muita coisa boa na pista. A gente tem feito um trabalho muito intenso, bastante dedicado. Eu e a Graci estamos trabalhando muito pra gente atingir o nosso ápice da dança. A gente sempre está buscando o nosso melhor. E, esse ano, posso dizer que está sendo muito especial. Vem muita coisa boa na avenida, é só um spoilerzinho aí que eu posso dizer”, finalizou.