O sábado foi de decisão na Zona Leste de São Paulo. A Unidos de São Lucas escolheu o samba-enredo que levará para a avenida para representar o enredo “Ijexá”, desenvolvido pelo carnavalesco Fernando Dias. A noite, que consagrou os “pratas da casa” Bruno Leite e Ricardinho Olaria, únicos compositores da canção, também teve presenças especialíssimas e a coroação de uma nova rainha. Em tempos nos quais os nomes de compositores se repetem em diversas escolas em parcerias com muitos participantes, é sempre curioso ver um samba-enredo composto unicamente por uma dupla. O caso da Unidos de São Lucas para 2025, entretanto, é ainda mais especial. Quem explica os motivos pelos quais tal obra é tão curiosa é Bruno Leite, um dos compositores da mesma.
“Para além do samba, temos uma amizade da vida. Conheço o Ricardinho desde os 13, 14 anos de idade. Estamos sempre juntos: o samba é só um complemento da nossa amizade, estamos sempre conversando e compondo sambas de meio de ano ou de carnaval. A aliança é composta, também, de muito samba. As ideias foram surgindo nessas conversas, foi quando percebemos que o refrão principal tinha uma força e colocamos todo o nosso carinho e dedicação ali. É a nossa escola de coração, eu sou nascido e criado aqui na São Lucas, o Ricardinho também é cria da casa. Desfilamos aqui desde novos. É uma honra perceber que a escola nos percebeu. Nesse universo do samba, com escritórios e firmas, nós, em uma dupla, conseguimos chegar com todo carinho e respeito, compondo um samba para a nossa escola de samba do coração”, emocionou-se.
Ricardinho Olaria, o outro compositor da obra, não escondeu os olhos marejados ao falar: “Eu estou até emocionado por conta da nossa parceria de anos. Não escrevemos apenas sambas de carnaval: escrevemos sambas de meio de ano, temos um EP, um projeto juntos. O que fortaleceu mais essa parceria foi a nossa amizade e o nosso jeito de se entender. Fizemos o melhor que conseguimos para a São Lucas”, comentou.
Processo de criação
A mente da dupla de compositores, além de pensar na adequação ao enredo, também buscou ser diferente das demais canções: “Eu e o Bruno nos reunimos e vimos a proposta do enredo. Era maravilhoso! Pensamos, pensamos e viemos com uma proposta diferente da normal: como o tema é Ijexá, todo mundo vai vir fazendo samba inteirinho em tom menor. Vamos fazer um samba curto, refrão fácil… viremos mergulhando. Essa foi a primeira ideia”, comentou Ricardinho.
Outra característica importante foi citada por Bruno – a conexão afrobrasileira: “Ijexá é brasilidade pura, um tema fácil e legal. Lemos a sinopse e vimos todas as referências da música popular, fomos nos inspirando com essa ideia: um samba para cima, que fosse empolgante. Fechamos o samba, viemos com essa aposta e deu tudo certo”, comentou.
Elogios ao samba…
Mais que elogiar a obra vencedora, Edson Feliciano Marcondes, o Nêgo, um dos intérpretes da canção na final do samba-enredo (ao lado de Tiago Nascimento, Jorginho Soares e Vânia Cordeiro), elogiou, também, a dupla: “Eles são dois espíritos de luz. Eu tenho muita felicidade em ver os dois felizes na escola de samba que os projetou. Fico muito feliz de ver essa nova geração de sambistas. Sabemos que um dia a gente vai embora, mas, como diz a Alcione, o samba não pode morrer. São dois grandes, maravilhosos compositores”, pontuou.
Mas é claro que o atual intérprete da Acadêmicos de Niterói e que cantou na Unidos de Vila Maria no último carnaval também destacou a obra e o carinho com que foi recebido pela comunidade da Zona Leste de São Paulo: “Esse samba é melhor que dinheiro achado! Samba bom, quando gravamos esse samba no estúdio, falei para eles que esse samba é muito bonito. Tenho certeza que esse samba vai ganhar vários prêmios e vai levar a escola muito longe. É o meu desejo. Aqui é um lugar maravilhoso, receptivo, onde as pessoas te tratam maravilhosamente bem. Temos que agradecer uma escola de samba como a Unidos de São Lucas, inteiramente família. Tive o prazer de sair do Rio de Janeiro e conhecer a Unidos de São Lucas, que é maravilhosa. Quero parabenizar todos aqueles que participaram da disputa. Posso falar com a experiência de quem tem quarenta anos no carnaval, meu irmão está a cinquenta na Beija-Flor: é um samba muito bonito”, comentou.
Quem também ficou feliz com a qualidade da canção escolhida foi Adriano Freitas, o Nanão, presidente da instituição: “A gente ficou feliz porque tem um samba bom, de muita qualidade, fácil de se levantar. E, como há muito tempo não acontecia: é um samba da casa, é um samba da comunidade. A São Lucas chega com o que há de melhor para esse carnaval: o samba é de dentro de casa para representar o nosso desfile”, destacou.
Vanderley Silva, um dos diretores de carnaval da escola, pegou o mesmo ponto puxado pelo principal mandatário da Unidos de São Lucas:”É fácil, leve de cantar. E está completamente dentro do enredo. É um samba de melodia fácil, visando a parte técnica. Pelo menos a gente não enxerga nenhum problema técnico de critério de julgamento. É um samba que se adequa melhor para que a comunidade cante, que facilite a comunidade cantar e que também pode ter uma grande possibilidade de nos trazer a nota também. A gente não crava porque a gente não sabe, cabeça de jurado a gente nunca vai entender. Esse é o que a gente enxerga, que a gente tem a maior possibilidade de trazer a nota de samba e enredo”, disse.
Mais que a simplicidade, a capacidade de contagiar também agradou César de Oliveira, diretor de Harmonia são-luquense: “A gente encontra muita facilidade nesse samba, ele é intuitivo em vários trechos. É um samba fácil, como estamos mencionando. Trabalhamos bastante para ouvir a opinião dos times, ouvimos todos os jurados para entender o melhor momento e encaixar o samba. Ele vem para abrir os nossos trabalhos, essa caminhada de 2025 é muito importante. Contamos muito que o pessoal abrace esse samba, hoje nós percebemos que a comunidade ficou muito feliz e contente, sentimos a explosão deles. Isso facilita bastante o andamento do trabalho para que a gente alce novos patamares e alcançar novos resultados. A escola está trabalhando bastante para isso”, afirmou.
Andrew Vinícius, mestre da bateria USL, foi pela mesma linha: “O que me chamou mais a atenção nesse samba foi a simplicidade dele. Eu entendo que é um samba bem explicadinho dentro do tema, dentro da proposta que estava sendo pedido, com um refrão bem chiclete, empolgante. Gostei muito desse samba, principalmente pelo refrão de cabeça do samba”, pensou.
Sem citar simplicidade, o casal de mestre-sala e porta-bandeira da escola preferiu se apegar à capacidade da canção de contagiar: “Gostei muito do samba vencedor por conta da energia que ele traz. A comunidade se identificou com o samba. Observamos e, além da nossa opinião, deu pra ver que a comunidade aderiu. A energia desse samba, o refrão dele fala muito… e a comunidade abraçou. Isso já fala por si. Com certeza vai ser um desfile lindo", disse Erick Sorriso. Victoria Devone se rendeu ao ver a comoção da quadra na hora da apresentação: "O refrão pegou ali, a gente viu a quadra inteira vibrando, cantando, sabendo a letra… isso arrepiou. Quando arrepia, a gente já sabe que é aquele samba que a gente vai levar para avenida”, refletiu.
Já pensando na adequação da canção ao enredo, Fernando Dias destacou o quanto a obra deixa o trabalho mais encaminhado: “Eu acho que tudo está nesse samba. Eu comecei a pegar os detalhes e eu acredito que não vou precisar fazer muita coisa nele. Eu acredito que é um samba que faz a escola estar concentrada para entrar na avenida. Eu vejo a escola passando e vejo até a parte plástica, muito bem representada com esse samba”.
… e à safra
Muitos segmentos fizeram questão de elogiar, também, os sambas de parcerias derrotadas. Na final, foram quatro apresentações. A primeira delas foi do Samba 08, composto por Saulo Mesquita, Maradona, Juliano Braga e Thiago Japa e interpretado por Vaguinho – atualmente na Torcida Jovem.
A apresentação campeã, que tinha o 04 como número, foi a segunda a se apresentar. Além de compositores e intérpretes, chamou atenção uma participante vestida e agindo como Oxum. A parceria teve muita adesão da comunidade, com bandeiras vermelhas e pretas – cores da agremiação, juntamente com o branco.
Depois, foi a hora do samba 05 se apresentar, composto por Xandinho, André Ricardo, André Filosofia, Nando, Edson, Felipe, Fredy Viana e Ronny Potolski, ele foi cantado pelo intérprete da Mancha Verde, pelo integrante do carro de som da Acadêmicos do Tatuapé e, também, por Rodrigo Atração – profissional da Imperador do Ipiranga. Com muito papel picado, a parceria também teve boa recepção.
O samba 10, composto por PH, Serginho do Cavaco, Enzo Dhirie, Celso Lovetro, Jozimar Pereira e Daniel Marinho e interpretado por Chitão Martins (atualmente na Independente), contou com torcedores que empunhavam bexigas vermelhas.
Nanão foi um dos entusiastas da safra: “Nós tivemos uma safra muito boa de sambas, e o tema ajudou pra caramba. Dentro da sala, a briga foi acirrada, foi por coisa de pouquíssimas diferenças, mas nós tínhamos quatro sambas muito bons. Todos teriam condições de representar muito bem a Unidos de São Lucas no Anhembi. É uma coisinha ou outra para estarmos alinhando”, comentou, já pensando na avenida.
Tuca Maia, intérprete da agremiação, ao falar dos demais concorrentes, não escondeu a felicidade com o resultado: “O que chama a atenção ao longo de toda a eliminatória foi o fato de termos, no mínimo, três grandes obras. Uma se sobressaiu pela melodia: é um samba leve, gostoso, e a gente sentiu isso na hora do anúncio, com todo mundo cantando. Não tinha como dar outro resultado que não fosse esse”.
Vanderley, ao destacar o processo de escolha do samba-enredo, deixou implícito que o nível foi alto e todos os quatro sambas tinham defensores na diretoria: “A escola tem os jurados, um grupo de jurados, e a gente respeita muito a opinião de todos os jurados. Os jurados são escolhidos pensando em dar representatividade na escola: cada um representa um grupo e foi uma escolha como qualquer escolha de samba-enredo. Cada um tinha uma opinião, foi se desenvolvendo, a gente fez uma audição interna que nos ajudou bastante a tomar a nossa decisão – e, hoje, ela foi sacramentada com a escolha do samba”, comentou.
Já Fernando focou na gratidão a todos os participantes: “A gente tinha uma safra de sambas muito bons. Tanto que a final foi bem disputada, foi bem acirrada. Até para nós e para a diretoria, foi bem difícil chegar a uma conclusão. Foi no mínimo do mínimo de detalhe para chegar ao samba campeão. Agradeço a todos os compositores por ter acreditado na São Lucas, na nossa sinopse, na nossa história, e ter feito obras maravilhosas”, agradeceu.
Histórico recente em alta
Um detalhe foi levantado por Tuca Maia: nos últimos anos, não é a primeira vez que a Unidos de São Lucas terá sambas de boa qualidade na avenida. Ele fez questão de enumerar os três que ele interpretou pela escola para argumentar: “O fato da Unidos de São Lucas ter escolhido sambas bons nos últimos anos ajuda muito porque a gente tem profissionais que estão muito cientes do que é necessário fazer no carnaval. Estamos tomando muito cuidado para escolher os sambas e, em 2025, nós abriremos uma noite de carnaval. O ‘Jongo’ (2023) foi um grande samba, o ‘O Canto das Três Raças… o grito de alforria do trabalhador!’ (2024) foi maravilhoso e, agora, escolhemos mais um grande samba que vai nos ajudar a fazer um grande desfile. Eu fui um dos jurados e a gente conversa sempre com a comissão julgadora, com diretores, com todo mundo”, pontuou.
Coroação e presenças ilustres
A bateria USL terá uma nova rainha em 2025. Trata-se de Priscila Nogueira, a Pepita, que foi coroada no evento – que, além da final de samba-enredo, também teve um arraiá com diversas comidas e bebidas típicas e bandeirinhas juninas. Ela, que foi madrinha dos ritmistas em 2024, assume o posto que era de Juliana Fenix, também da comunidade são-luquense (como frisou, em discurso, o presidente Nanão) e presente no evento que coroou a sucessora, sendo muito aplaudida – ela levantou para agradecer a todos.
Fenix não era a única pessoa com história na Unidos de São Lucas que foi saudada. Além da histórica Vânia Cordeiro, intérprete da agremiação nos dois anos em que a instituição esteve no Grupo Especial (2001 e 2002) e com mais de duas décadas de ligação com a comunidade, foi muito aplaudida – tal qual Mestre Pelé, outro baluarte com histórica ligação com os são-luquenses.
Quem também chegou para sambar com a já coroada Pepita foi Thelma Assis, musa da Mocidade Alegre e vencedora do Big Brother Brasil 20. Ambas sambaram à frente da bateria USL com Pamela Lino, musa dos ritmistas.
Preparação já iniciada
Muitos segmentos da instituição aproveitaram para falar sobre o quanto o trabalho para o carnaval 2025 já está sendo desenvolvido. Vanderley, por exemplo, citou as próximas datas importantes para a escola: “A gente está com os nossos protótipos finalizados, a gente vai fazer uma festa de pilotos mais interna. O próximo evento grande que a gente tem é o dia 24 de agosto, que é o nosso aniversário, quando a gente já vai lançar o samba na voz do intérprete oficial já gravado. O evento vai ser aqui na quadra, dia 24. E, a partir do dia 30 de agosto, a gente começa toda sexta-feira os ensaios aqui. Os ensaios aqui são de sexta-feira, das 20h30 até às 23h, toda a sexta-feira. A partir do dia 30 de agosto, toda sexta, a gente tem ensaios”, destacou.
Já César focou no trabalho que será desenvolvido pela equipe de Harmonia da São Lucas: “O trabalho continua com o que estamos implementando, mas vamos aperfeiçoar o que já fazemos continuando na mesma linha. Vamos trabalhar bastante aqui dentro de casa, faremos a lição de casa para que a gente chegue no Anhembi a façamos um grande espetáculo, que tenha uma explosão de canto e que as pessoas sintam a mesma energia e vibração que sentimos nesse samba, para que tudo isso aconteça de forma natural. É um trabalho árduo e contamos com a participação de todos”, pontuou.
Andrew trouxe detalhes da Bateria USL e não negou que já está com a criatividade borbulhante pensando no próximo desfile: “Pensando em como melhorar ainda mais esse samba, a gente já se adiantou. Aqui a gente já está com umas três, quatro bossas. Estamos vendo qual vai se adequar mais ao samba. Mas… a cada hora que você escuta uma ideia vai surgindo. Em questão de andamento, a gente vai manter o mesmo da eliminatória. Vai ser sempre 144 ou 142. A gente vê qual que fica melhor, mais confortável. Em cada ensaio a gente vai bolar um plano e um objetivo diferente. Mas o ideal mesmo é manter aquele 144. Uma bossa simples e uma mais ousada para poder chamar a atenção do público. O carnaval é sério, mas também tem que dar uma descontraída”, relaxou.
Por fim, o casal de mestre-sala e porta-bandeira não fugiu da responsabilidade: “Já estamos pensando em muita coisa desde antes da escolha do samba principalmente por causa do Ijexá, que é um ritmo. Ele tem ginga, ele tem uma pegada mais afro, também. A gente está trabalhando bastante em cima disso agora. E, com o samba vencedor, a gente vai poder desenvolver a nossa coreografia e, quem sabe, fazer uma coisa que pegue não só pra gente, mas também pros demais componentes da escola", comentou Victoria. Erick Sorriso também aproveitou para prometer muito entrega do quesito: "A minha porta-bandeira falou exatamente tudo. Eu fiquei feliz desde a escolha do tema. Eu falei pra diretoria que eu fiquei muito feliz porque eu sou muito grato a Oxum, e vem a nossa escola falando sobre Ijexá. E agora, com a escolha desse samba (que como eu falei, é um samba de energia, é um samba de personalidade, de garra), a nossa dança não vai ser diferente. Vai ter tudo isso, vai ter a questão afro, vai ter garra e vai ter muita identidade, pode ter certeza”, finalizou.