A Unidos da Ponte bateu o martelo para a sua temática do carnaval de 2023. A azul e branca levará para a Marquês de Sapucaí o enredo “Liberte nosso sagrado: o legado ancestral de Mãe Meninazinha de Oxum”, em que homenageia a saga contra o racismo religioso de uma das mais importantes Iyalorixás do Brasil. A narrativa celebra também a ligação da mãe de santo com a cidade de São João do Meriti, sede da Unidos da Ponte. A Unidos da Ponte será a segunda escola a desfilar na Marquês de Sapucaí, no sábado de carnaval, dia 18 de fevereiro de 2023, pela Série Ouro.
O enredo desenvolvido pelos carnavalescos Rodrigo Marques e Guilherme Diniz, com a participação do pesquisador Tiago Freitas, contará a luta de Mãe Meninazinha que durou três décadas, para libertar a coleção de objetos sagrados que estava em poder do Museu da Polícia Civil e que foi transferida para o Museu da República, depois de uma campanha liderada por ela e várias lideranças religiosas de matriz africana. Antes dela, sua avó materna e mãe de santo, Iyá Davina de Omolu, já falava sobre a importância de libertar aqueles objetos sagrados apreendidos em batidas policiais, ocorridas durante o período do final do império até a Era Vargas.
A homenageada recebeu recentemente os carnavalescos no Ilê Omolu Oxum, onde revelou: “O Nosso Sagrado agora está em um lugar digno, sendo cuidado e tratado com respeito. O nosso próximo passo é organizar uma exposição no museu, a partir de nossa visão, além de criar um programa educativo para que as crianças sejam educadas sem preconceitos e mentiras a respeito do nosso povo”.
Junto dela, sua sobrinha biológica, Mãe Nilce de Iansã, coordenadora dos projetos sociais do terreiro e da Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde (Renafro), reitera a importância de se preservar a memória e a cultura das comunidades tradicionais de terreiro e afirma: nós aprendemos desde muito cedo aqui no Ilê Omolu Oxum a preservar e cuidar da memória herdada de nossos ancestrais, pois temos aqui o Museu Memorial Iyá Davina, fundado em 1997, com objetos sagrados de nossa linhagem de axé, que datam desde o Século XIX e remontam a história do candomblé no Rio de Janeiro.
Leia abaixo a sinopse
Nossos caminhos se cruzaram em solos de São João de Meriti.
Nesse encontro desenhado pelo rei senhor da terra, Omolú, pedimos sua benção e proteção Mãe, para que nosso Carnaval de 2023 eleve o poder da voz doce da brandura e do respeito. Que esse lembrar da escuridão traga cura aos corações perdidos, para que assim tudo se erga num brilho de libertação.
ANTES DO NASCIMENTO DE MÃE MENINAZINHA, O ORIXÁ DE SANTO DE SUA AVÓ, OMOLÚ, FEZ UM COMUNICADO AO POVO DE AXÉ: “AQUELA MENINA, FILHA DE OXUM, SERÁ A HERDEIRA E LIDER ESPIRITUAL DO TERREIRO”.
“Esse é o grande pai Omolú, foi por ele que estou aqui. Dizem que ele é o Deus da doença. Omolú, para mim, é o Deus da saúde. Ele é o nosso médico. Quando você está doente a gente recorre a ele. Ele é o Deus da saúde”.
A doença não é só do corpo, é também do coração.
No coração do homem triste sempre fez morada o desejo de prejudicar e oprimir as
minorias.
Ainda faz.
Ainda tem muita tristeza no coração dos homens.
“Desde a década de 20 que nós somos perseguidos, que nossas casas são invadidas, que nossos sagrados são quebrados, que nossos babalorixás ancestrais foram agredidos fisicamente e expulsos de suas casas pela polícia”.
“Naquela época, a polícia invadia os terreiros, quebrava tudo, pegava o que era de Orixá e levava aquilo que era nosso, no maior desrespeito. Hoje, são grupos de fanáticos que invadem os terreiros e também quebram tudo. Nós estamos sofrendo o que nossos ancestrais sofreram. Gente, isso dói dentro da gente, isso dói”.
E de repente se fez escuro.
Silenciaram o atabaque.
Invadiram o terreiro.
Arrancaram o fio de contas.
Quebraram a imagem do Orixá.
Levaram a cabaça, o ajerê, o ados, o abará e o ekó.
Queimaram saia, alaká, Iketê, ojá, zinguê e tudo.
Prenderam o sagrado de Axé.
Chegou a escuridão. Se fez o pranto.
A polícia bateu, prendeu e fichou: “praticante de magia negra”.
A lei para o povo preto fere até tirar o sangue.
Na diáspora local, higienizaram o centro da cidade do Rio de Janeiro.
Todo povo de axé foi afastado para o que chamavam de distante.
Então, na boca da mata, reuniram-se os filhos do choro.
Fez-se o vento e a chuva.
O anúncio no Orum de Yá Davina apontava estrelas para um novo tempo de axé:
LEVANTE OS OLHOS E VEJA A COROA DE OXUM
LEVANTE OS OLHOS E VEJA A COROA DE OXUM
LEVANTE OS OLHOS E VEJA A COROA DE OXUM
Ali na beira e nas margens verdejantes se fez o sol. O brilho chegou.
“Nós estamos aqui para lutar. Nós nos chamamos resistência, nós resistimos até agora e vamos continuar resistindo. Resistir, conforme nós estamos resistindo, vem através da união, independente de nação. É Ketu, é Jeje, é Angola, é Umbanda, todos nós juntos, vamos resistir. E nós vamos continuar. Enquanto vida eu tiver, eu vou continuar nessa minha fala e nessa minha luta. Enquanto eu viver vou lutar por essa
religião. Eu por ela não mato, mas eu morro”.
“Para eles acabarem com a religião eles teriam que acabar com a natureza”.
“Os orixás são elementos da natureza. Não se chega no mato para tirar uma folha e vai embora. A gente conversa com as folhas, com os matos, a gente conversa com a água, a gente conversa com a terra que pertence a Omolú. A gente conversa com a natureza. No quintal, a gente olha pra cima, olha pra baixo e a gente conversa e agradece, principalmente”.
Firmando o Ponto como Ponte de amor, todos eram filhos de um terreiro de chão batido.
Eram crias de Maria!
Iyá Maria do Nascimento Mãe Meninazinha d’Oxum.
Filha das águas.
Senhora da palha.
Herdeira do assentamento de Omolú: Num balaio de Salvador à Meriti.
Mãe da nação Ketu!
Mãe da nação meritiense!
Mãe da nação Ketu!
Mãe da nação meritiense!
TODO AQUELE QUE INICIA NO CANDOMBLÉ RENASCERÁ PARA UMA NOVA
VIDA.
“O candomblé é muito matriarcal. A presença da mulher é importantíssima, como mãe,
como filha e como acolhedora. A mulher representa tudo isso”.
Chegou um novo tempo de amor, luz e sabedoria:
LEVANTE OS OLHOS E VEJA A COROA DE OXUM
LEVANTE OS OLHOS E VEJA A COROA DE OXUM
LEVANTE OS OLHOS E VEJA A COROA DE OXUM
“Mãe, nós estamos aqui admirando a sua coroa. Orixá é maravilhoso. Orixá só nos
traz coisas boas. Eu sou feliz por ser de Orixá. Eu não poderia ser de outra religião, eu
tinha que ser de Orixá”.
EU VI A ESCURIDÃO, MAS TAMBÉM EU VI A CURA.
A ESCURIDÃO PRENDE. FERE. ROUBA.
A CURA PERDOA. DEVOLVE. RENASCE.
NÃO PRENDAM MAIS NOSSO SAGRADO.
NÃO INVADAM MAIS NOSSOS TERREIROS.
LIBERTEM SEUS CORAÇÕES DA DOR.
CANDOMBLÉ É ORIXÁ, É NATUREZA E AMOR.
NOSSO SAGRADO SÃO PEÇAS SAGRADAS DE NOSSOS ANCESTRAIS.
INVADIR O NOSSO SAGRADO,
A PARTE MAIS ÍNTIMA DE NOSSA VIDA,
É UMA DAS PIORES DORES.
QUANDO NOSSO SAGRADO ESTÁ PRESO,
NÓS TAMBÉM ESTAMOS PRESOS.
Eu vi a Coroa de Oxum porque o amor venceu.
Se firmou o Ponto como Ponte de amor.
Somos filhos da Mãe Meninazinha.
Mãe da nação Ketu
Mãe da nação Meritiense.
Carnavalescos: Rodrigo Marques e Guilherme Diniz
Texto: Tiago Freitas
Unidos da Ponte
Carnaval 2023