A Unidos da Tijuca realizou, na noite da última quinta-feira, seu sexto ensaio de rua, no Santo Cristo, Zona Portuária do Rio. O canto crescente da comunidade, a fluidez na evolução e a pulsação firme da bateria “Pura Cadência” criaram uma noite em que cada gesto parecia apontar para a mesma direção: a Tijuca quer reescrever a própria história. E já começa a reescrevê-la na rua. A escola será a última a desfilar na segunda-feira de Carnaval, com o enredo “Carolina Maria de Jesus”, assinado pelo carnavalesco Edson Pereira.
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Elisa Fernandes, diretora de carnaval, falou ao CARNAVALESCO. Segundo ela, a Tijuca está confiante, mantendo os pés no chão, mas consciente de que reúne condições reais de disputar as melhores posições do Carnaval.
“Acho que foi mais um grande ensaio. A escola tá muito feliz com o samba, com o enredo, e isso tá se transmitindo no canto. As pessoas tão felizes, se divertindo o ensaio inteiro. O Marquinhos muito bem, a bateria com bossas maravilhosas… a gente sente uma energia bem especial. E a gente tem falado sobre isso no barracão. A escola está feliz e acreditando que está em condições de brigar pelo título, de brigar para voltar entre as seis, por ótimas colocações, que é o que faz jus à história da escola”, declarou.

MESTRE-SALA E PORTA-BANDEIRA
No clima de afirmação que marcou o ensaio de rua, o primeiro casal da Tijuca abriu a noite com uma apresentação que sintetizou elegância e expressividade. Matheus André e Lucinha Nobre atravessaram o ensaio de rua com elegância no bailado que já é marca da dupla. Vestidos de maneira impecável, reforçaram o refinamento visual da escola: Lucinha em um vestido azul com detalhes dourados e bota igualmente dourada; Matheus em um traje dourado combinado com uma camisa branca, compondo uma paleta que dialoga diretamente com as cores da agremiação.
O casal apresentou um bailado seguro, comunicativo e reconhecível para quem acompanha os treinos de rua desta temporada, reiterando movimentos que se tornaram assinatura e funcionam bem na relação com o samba.

No trecho “Me chamo Carolina de Jesus, dele herdei também a cruz”, ambos projetam o pavilhão com vigor, criando um momento de alta intensidade, no qual o gesto de apresentar a bandeira dialoga com a proposta da Tijuca para 2026: reescrever sua própria história a partir da celebração da memória e do legado de Carolina Maria de Jesus.
Outro momento expressivo ocorre quando o samba menciona “a sina da mulher preta no Brasil”. Lucinha, mais uma vez, assume o protagonismo à frente, gesto que ecoa a escolha estética e política da escola: colocar as mulheres pretas tijucanas como narradoras vivas do enredo sobre a escritora. É uma proposta coreográfica que transcende o movimento corporal, transformando o bailado em discurso.
Ainda que a evolução do casal seja evidente ao longo da temporada, este ensaio registrou pequenas imprecisões, sobretudo na finalização e no encontro de alguns movimentos, o que não compromete o conjunto. A curva é ascendente, e há elementos suficientes para que Matheus André e Lucinha Nobre defendam o quesito com qualidade no desfile de 2026.
SAMBA E HARMONIA
A sensação dominante ao longo da temporada é que o samba da Unidos da Tijuca ganhou corpo, densidade e potência a cada ensaio. Nesta noite, esse amadurecimento ficou ainda mais evidente. O pré-refrão e o refrão principal — “Sou a liberdade, mãe do Canindé / Muda essa história, Tijuca! / Tira do meu verso a força pra vencer / Reconhece o seu lugar e luta / Esse é o nosso jeito de escrever” — surgem como motores emocionais da obra. São cantados de maneira explosiva, quase como um ritual de liberação coletiva.
A intensidade, no entanto, ainda não percorre o samba por inteiro. Há uma margem clara de crescimento: se a comunidade conseguir transferir para o meio do samba a mesma energia manifestada no pré-refrão e no refrão principal, o samba ganhará maior vigor e a sensação de virada se tornará permanente, não pontual. Sustentar o canto, e não apenas explodi-lo em momentos específicos, pode elevar a harmonia para um patamar decisivo.

Nesse processo, o papel de Marquinho Art’Samba é fundamental. O intérprete conduz com clareza e emoção, imprime verdade aos versos, convoca o tijucano a cantar com vontade, com raça e com aguerrimento. Mérito tanto dele quanto da equipe do carro de som, que sustenta o desempenho com segurança técnica.
Ao comentar o desempenho da noite, em entrevista ao CARNAVALESCO, Marquinho Art’Samba destacou que o crescimento da obra tem sido fruto do amadurecimento coletivo e da repetição constante dos ensaios:
“É o que sempre costumo dizer: quanto mais a gente canta o samba, mais vamos conhecendo as nuances do samba. É um samba que é construção e estamos chegando lá. A comunidade está cantando. Quando a escola escolhe aquilo que o povo quer cantar, não tem jeito”, disse.
EVOLUÇÃO
Na evolução, a Unidos da Tijuca evidencia um salto qualitativo construído a partir dos ensaios setoriais. Há mais fluidez no caminhar, mais liberdade corporal e uma alegria que se espalha pela pista. O componente, mais solto, brinca com o samba, interpreta a obra e encontra espaço para performar o enredo de 2026 com espontaneidade. Essa liberdade individual gera uma evolução coletiva mais natural, menos protocolar, que precisa ser aproveitada com astúcia pela direção da escola.
Esse avanço está ligado à segurança no canto. Quando o componente domina a letra do samba na ponta da língua, o corpo se libera. Surge a confiança para dançar, para ocupar o espaço. Durante a passagem das alas, era perceptível a leveza com que os segmentos ocupavam a rua com naturalidade. No ensaio, a escola preencheu a via D1 de ponta a ponta, transmitindo presença, volume humano e energia, elementos fundamentais para o quesito.
Para a diretora de carnaval Elisa Fernandes, essa mudança na evolução é fruto direto dos ensaios setoriais, pensados para liberar o corpo do componente e estimular uma performance mais viva e menos engessada:
“Na verdade, a gente tem começado a fazer os ensaios individuais por setores justamente para mostrar o que espera do componente. A gente não quer essa coisa engessada; quer que o componente se divirta, sabe? A gente tá preparando um carnaval tão bonito para a pessoa vir marchando, né? Não é o nosso objetivo. É um samba que puxa a escola, e as pessoas clamam, batem no peito, levantam a mão, erguem os punhos. A gente quer essa vibração, que as pessoas se divirtam, que ofereçam o melhor que elas têm para homenagear a Carolina. Esses ensaios individuais, com certeza, já são um pouco do que você está vendo de diferente. Estamos trabalhando muito para fazer um Carnaval maravilhoso.”
OUTROS DESTAQUES
A bateria “Pura Cadência”, comandada por mestre Casagrande, sustentou mais uma apresentação de alto nível no ensaio de rua da Unidos da Tijuca. A bateria atravessou a via D1 com firmeza e vitalidade, construindo uma cadência que impulsiona a escola e estimula o público a cantar com força o samba em homenagem a Carolina Maria de Jesus.

As bossas tiveram papel de destaque na noite. A executada na cabeça do samba abriu o cortejo com precisão; a bossa do refrão do meio construiu um diálogo direto com os cantores, enriquecendo a textura musical; e a do pré-refrão principal — “Sou a liberdade, mãe do Canindé” — apareceu bem marcada e com impacto. Juntas, reforçaram o caráter narrativo-musical do enredo.
No fim do ensaio, Casagrande explicou ao CARNAVALESCO que as três bossas foram pensadas para respeitar o regulamento, dialogar com a ancestralidade da homenageada e intensificar a comunicação com o carro de som:
“Temos três bossas do jeito que a gente gosta de fazer, sempre respeitando o regulamento. A primeira é na cabeça do samba, que é um jongo de umbanda, uma homenagem à ancestralidade de Carolina Maria de Jesus. A segunda é no refrão do meio, quando jogamos com o carro de som. E a terceira é a bossa da liberdade, um contra-canto da escola que vem com uma retomada muito forte, bem pra frente. Para quem achava que o samba era triste, conseguimos colocá-lo pra frente com um resultado excelente”.
Outro destaque foi a presença da rainha de bateria Mileide Mihaile, que completou a noite com brilho próprio. Vestida com um maiô rosa em degradê nas cores do arco-íris, Mileide exibiu muito samba no pé e forte comunicação com o público e com os segmentos da escola. Sua atuação transmitiu a sensação de realização plena no posto: ela não apenas desfila, mas vive o lugar de rainha em diálogo com a comunidade.
O momento final do ensaio sintetizou essa postura. No encerramento, Mileide convidou integrantes da ala de passistas para dividirem a roda, oferecendo espaço para que cada um se apresentasse. A cena criou um clima de integração leve, afetivo e espontâneo, reforçando o sentido de coletividade que a Tijuca busca projetar nesta temporada.








