“O carnaval é de todos e para todos, mas são os negros que sustentam as bases dessa cultura”. Essas são as palavras de Thiago Silva Mendonça, 32 anos, morador de Anchieta e mestre-sala na Imperatriz Leopoldinense. Com passagens na Beija-Flor (2003) e Renascer de Jacarepaguá (2011) o sambista é apaixonado e defende o pavilhão com amor ao lado da porta-bandeira Rafaela Theodoro. Thiaguinho é o personagem do “Lugar de Fala” desta semana e recebeu o site CARNAVALESCO para o bate-papo. Há 18 anos no universo do samba, ele revela a trajetória pessoal e os obstáculos.
“Cresci assistindo todos os desfiles em casa sozinho ou na casa da minha avó, não frequentava pois a religião que eu seguia não permitia”
No mundo do samba a mistura de concepções religiosas contribuem para a pluralidade de ideias, pensamentos, criações e pode ser considerada a porta da liberdade. Thiago experimentou essa realidade de perto e chegou a pensar que não poderia desfilar na avenida. Em casa o desafio foi superado, mas outra adversidade surgiu fora das quadras.
“Eu precisei convencer os pais da minha esposa que o samba me dá a base e projeção de carreira dentro e fora dele e diferente do que dizem, o carnaval não é bagunça pois trabalhamos com seriedade e somos remunerados por isso”
Participar dos desfiles e viver esse momento único são os presentes que o dinheiro não compra. O dançarino reconhece a grande responsabilidade que assumiu e a retribuição financeira que ajuda a pagar as parcelas da faculdade e sustentar a família. O samba pode ser considerado o microfone do povo para contar ao mundo as versões que foram excluídas durante anos, como os casos de preconceito na sociedade, principalmente, sobre os bastidores.
“Eu, como mestre-sala, ganho essa voz e a oportunidade de ser ouvido, além do cuidado ao falar”
O posicionamento de um homem negro, classe média e sambista é importante para legião carnavalesca. Escutar as pessoas que estão dentro e fora abre espaço para dialogar e amadurecer o pensamento sobre o mundo do samba, as diferentes classes sociais, culturas e religiões. Antes de alcançar o posto de mestre-sala, Thiaguinho, buscou por referências do meio artístico, entre os nomes citados está Julinho (Viradouro), Ubirajara (FlaMangaça) e Raphael (Tuiuti), pessoas que ele acompanha e quando tem a oportunidade assiste o desfile presencialmente.
“Esse ano eu acrescentei atividades, hoje faço aulas de ballet, além de atividades físicas de dietas. Não mudei minha rotina e os planos, apenas adaptei tudo devido às restrições”
Assumir a identidade de homem negro é renovar o surgimento do carnaval e a resistência do samba. É importante valorizar, conhecer e entender o papel que desempenha na comunidade, pois toda arte é acompanhada por crianças, jovens, adultos e os mais idosos com emoção.
“Nós somos referência para muitos, e muitos de nós somos vistos como exemplo de que o negro, pobre, suburbano pode encontrar uma maneira de sobreviver”
As conquistas alcançadas na vida do mestre-sala são nota dez dentro e fora da escola. No samba, Thiaguinho conheceu a esposa Cristiane e colabora para a perpetuação de um legado deixado por pessoas que marcaram a história da passarela como: Adamastor, Carlinhos Brilhante, Delegado e o Mestre Dionísio. O sambista enfrenta as consequências do cancelamento do carnaval e os reflexos na renda da população, apesar das tribulações ele se mantém firme e assumiu uma postura empreendedora.
“Além da empresa que trabalho, mantenho uma segunda atividade por conta própria, que está me ajudando nas contas”
Quando perguntado sobre os casos de racismo, o mestre-sala relatou dois episódios que fere toda sociedade de homens negros e mulheres negras.
“Um guarda já me cercou no mercado, taxista parou na minha frente, nem baixou o vidro e foi embora, a sensação é como se estivesse algo nada prazeroso escrito na testa”
Sair de um berço forte e criado para superar as barreiras, Thiago não esconde a pílula da motivação para driblar os problemas. “O sorriso, o bom humor, a simpatia, o foco, me traz bons resultados em qualquer aspecto”.
A oportunidade de defender o pavilhão no Grupo Especial, por exemplo, foi um dos maiores presentes que não demorou para chegar com base no preparo, dedicação e na paixão em servir a escola. Ser leve nos movimentos, ter brilho no olhar é um dom que o mestre-sala tem de sobra.
“Ainda um aprendiz, mas sempre com muita humildade e disposição para trabalhar e honrar a oportunidade que me foi dada. Eu sempre converso com casais para tirar dúvidas ou pegar uma dica, viajo para São Paulo para fazer aulas e volto com muitos conhecimentos, sempre aprendendo”, finaliza Thiago.