Depois do quarto lugar em 2024, o Salgueiro mostrou em 2025 uma Academia mais madura em um desfile que abusou da técnica,sem deixar muitos parâmetros para perda de pontos. Com plástica de qualidade nos carros, apesar de pequenos detalhes de falhas de acabamento, a escola passou muito tranquila na pista com força em alguns quesitos que já vem muito bem ha alguns anos, como s bateria, casal e harmonia (canto da comunidade). Ótimos figurinos do carnavalesco Jorge Silveira e uma estreia sem sustos, mas com bom funcionamento da proposta do coreógrafo da comissão de frente, Paulo Pina, fazem com que o salgueirense possa finalmente estar mais esperançoso na apuração da quarta-feira de cinzas. Enredo e samba também passaram bem, inclusive, melhor que o ano passado. Com o enredo “Salgueiro de Corpo Fechado”, a Academia do Samba encerrou seu desfile com 78 minutos.
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Comissão de frente
Paulo Pina fez sua estreia no Salgueiro levando para a Sapucaí uma comissão com 30 integrantes que se revezavam na coreografia. O coreógrafo também trouxe um elemento cenográfico representando o próprio terreiro ancestral do Salgueiro. A cenografia era inspirada em um tabuleiro de Ifá, no qual são realizados os jogos de búzios, com referências a arte africana em todo seu entorno.
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Nas laterais traseiras, um “gongá”, um altar com divindades e elementos de proteção, alegoria de qualidade estética de bom tamanho favorecendo a visualização da comissão. Na coreografia de deslocamento, danças mais tribais, a partir de Marabô que abre os caminhos para o Salgueiro. Em seguida, estes componentes sobem no elemento, seguem na dança, até que acontece a primeira transformação, quando os “marabôs” dão lugar ao matriarcado com as mães de santo benzendo o lugar com ervas na mão.
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No terceiro momento, o terceiro elenco traz elementos do carnaval como casal de mestre-sala e porta-bandeira (não o oficial obviamente) e rei momo, além de Xangô, o padroeiro do Salgueiro que é erguido com o carro tendo efeitos de fogo.
Mestre-sala e porta-bandeira
Elevando o pavilhão, o primeiro casal de mestre-sala e porta-bandeira do Salgueiro, Sidclei Santos e Marcella Alves, vestiram a fantasia “De corpo Fechado”. Em um corpo-armadura simbolizam a proteção da alma salgueirense. A dupla representou o poder de imantar e resguardar o Salgueiro. nosso. A indumentária trouxe ainda assentamentos individuais para Xangô e Iansã, dois orixás guerreiros, dando força para a narrativa da criação de fé, que protege e nutre no sujeito o desejo para a realização de seus objetivos, enfrentando
os percalços e os inimigos.
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Na dança, o casal apostou em um bailado mais tradicional com destaque, mais uma vez, para os giros da porta-bandeira que os sustentou em sequências bem grandes, com uma intensidade bem sobrea e equilibrada. Já Sidclei preencheu bem o espaço com um riscado bem em consonância com a porta-bandeira. Uma dança bem correta, sem incidentes, dentro de tudo aquilo que é pedido para o casal, não tendo aparentemente requisitos para que o jurado não lhes atribua a nota máxima.
Enredo
Com “Salgueiro de Corpo Fechado” Jorge Silveira levou para a Sapucaí um apanhado com os rituais de fechamento do corpo. Dividido em 6 setores, na abertura, o Salgueiro trouxe elementos de proteção que evocaram a ancestralidade e os saberes religiosos de sua própria comunidade. O território do Morro, que deu origem à escola de samba entrou como um lugar rico de manifestações culturais e religiosas. Em seguida, a escola navegou por ritos de fechamento de corpo no Império Mali, território que ficou conhecido através dos séculos não só por sua riqueza material, mas por sua forte espiritualidade.
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O terceiro setor falava de como a religiosidade nordestina absorveu série de práticas e saberes formados durante o período colonial e abordou também as crenças religiosas populares presentes a partir do cangaço nordestino. O quarto setor abordou as florestas do Norte e Nordeste destacando elementos das culturas indígenas relacionados com a busca pelo fechamento corporal. Em seguida, o Salgueiro destacou práticas que buscam o fechamento de corpo da cultura candomblecista.
A Academia do Samba encerrou seu desfile com a Umbanda reunindo ritos e práticas cruzadas de diversas outras etnias como devoção a santos, entidades e orixás africanos na busca pelo fechamento corporal. A história foi muito bem contada a partir dos carros, mais do que nas fantasias, ainda que a leitura dos figurinos fosse satisfatória. Enredo bem redondo com aquilo que foi prometido no abre-alas e no enfoque um pouco mais aberto que o Salgueiro queria dar ao tema.
Alegorias e Adereços
No geral, um trabalho destacado do carnavalesco Jorge Silveira, com bom gosto sobriedade, mas com algumas pequenas falhas de acabamento. O Salgueiro saudou no Abre-Alas todas as suas ancestralidades. Na missão de fechar o corpo, cumpriu ritos presentes nas religiões de matriz africana. Na frente do carro, estava a figura de um preto-velho, detentor de toda a sabedoria ancestral e um grande defumador na frente do carro.
O primeiro tripé “Sou Herança dos malês” tinha cavalos muito bonitos na frente, mas demonstrou problemas de acabamento como ferro a mostra no pescoço do cavalo e desgaste na torre que vinha acima do carro. No segundo carro, seguiu o intuito do primeiro, mas agora evocando Xangô, padroeiro da escola, com quem a agremiação tem uma íntima ligação. Ocupando o centro da alegoria, a imagem do orixá foi representada guardada em todas as direções por representações de Exu Pimenta.
A terceira alegoria do Salgueiro trouxe na arquitetura do carro, o casario colonial que remete às construções do período colonial, trazendo ainda elementos presentes nas igrejas, como velas, altares, ostensórios, mostrando a opressão da Igreja e também objetos de proteção que eram usados por católicos, representando assim o sincretismo religioso que permitiu que os povos escravizados seguissem professando sua fé.
O quarto carro, “A Fé que habita o sertão” mostrou essa amálgama presente no cangaço, surgida de crendices e tradições seculares que foram sendo ressignificadas ao longo do tempo, reafirmando a mística crença de que os cangaceiros tinham o corpo bem fechado, trazendo consigo toda a ancestralidade da fé brasileira. O ambiente seco foi representado não só pela vegetação típica da região, mas pela grande carcaça de um boi que se estendeu por toda a alegoria, que era muito divertida e irreverente.
O quinto carro mostrou os ritos de origem indígena para fechamento do corpo. A geometria e as esculturas presentes na alegoria se inspiram nos elementos presentes em cultos do catimbó-jurema. Entre eles, o torpor dos cachimbos dos mestres catimbozeiros. Alegoria de estilo mais rústico e com excelente uso das composições. Mas teve problema de quebra em um de seus elementos em uma barra na parte de cima.
O último carro trouxe o processo de iniciação no Candomblé como um dos ritos mais importantes da religião. No carro havia representações de Iaôs, inspiradas nas obras do pintor argentino Carybé. Em meio a essas cabeças, o carro também trouxe uma quartinha, objeto geralmente feito de barro ou porcelana, com um formato que remete à criação humana. Em destaque principal, os elementos do carro remetiam à simbologia do soberano, por isso, dois opaxarôs, que mostram a ligação da criação do mundo e os caminhos atravessados pelo orixá, assim como um igbá, nome do recipiente sagrado onde
são assentados os objetos de culto à divindade. Uma lua com a figura de São Jorge vinha no final acima do carro. E a maior surpresa foi o primeiro casal que depois da dança veio no último carro em local destacado.
Fantasias
Jorge Silveira teve um apuro muito grande com o conjunto de fantasias do Salgueiro, imprimindo o seu estilo, ainda que os figurinos tivessem um pouco menos leitura do que os carros. Mas, com muita qualidade de acabamento, bom uso das cores, destacando o vermelho e branco da Academia onde era possível, mas sem se fazer refém e se utilizando da paleta de cores dentro do que cada setor pedia. Destaque para a ala de passistas veio com a fantasia “Com o diabo no corpo” , em uma bonita fantasia no vermelho e preto, representando o intuito dos cangaceiros que se ligaram também com o profano como arma de defesa.
Harmonia
O Salgueiro teve um bom canto da comunidade, como já é esperado da Academia do Samba. Os componentes mantiveram uma canto regular por todo o desfile, até mesmo no final quando a obra aumentou um pouco seus BPMs (batidas por minuto). O carro de som, comandado por Igor Sorriso, em sua estreia no Salgueiro teve um desempenho muito satisfatório em relação ao samba, aproveitando das nuances melódicas dele com o intérprete oficial realizando boas vocalizações, terças, enquanto o restante das vozes de apoio seguiam uma linha melódica mais reta. Bom trabalho do carro de som que se mostrou muito bem ensaiado e preparado.
Samba-Enredo
O samba é de autoria de Xande se Pilares, Claudio Russo, Betinho de Pilares, Jussara, Jefferson Oliveira, Miguel Dibo, Marcelo Werneck e W Corrêa. A obra foi muito valente e teve características muito intrínsecas ao estilo que o Salgueiro gosta de levar para a Sapucaí. Melodia de fácil assimilação, com alguns molhos como o refrão do meio “Tenho a fé que habita o sertão” que tem algumas características bem particulares, com campo harmônico que não é de forma tão comum levado para a Sapucaí.
O andamento foi para frente, como gosta a “Furiosa”, mas permitiu que as batidas “bem macumbadas”, “de curimba”, fossem produzidas na obra como algumas bossas no refrão principal, no “macumbeiro, mandigueiro”. Na parte final do desfile foi perceptível uma elevação da velocidasde do andamento, que nao teve grandes efeitos negativos a rítmica da bateria. Não foi um sacode, mas a obra passou satisfatoriamente.
Evolução
A evolução do Salgueiro foi excelente, com muita fluidez e técnica a escola foi tomando a pista, realizando as suas apresentações com muito tranquilidade, sem apresentar buracos, ou mesmo grandes espaçamentos, saiu da Marquês de Sapucaí com 78 minutos sem correria ainda com a bateria brincando um pouco nos últimos setores. Correta, a escola não apostou muito em alas coreografadas, mas na espontaneidade do componente e a relação que o Salgueirense tem com essa temática. Tudo pareceu muito natural. Fez com excelência e perfeição.
Outros destaque
Antes do desfile Igor Sorriso relembrou Quinho, fazendo em conjunto com o público o “Arrepia Salgueiro”. Xande de Pilares, um dos autores do samba, cantou “Erga sua cabeça” no esquenta e, junto com Igor Sorriso, o ponto “adorei as almas”. A bateria “Furiosa”, dos mestres Guilherme e Gustavo, representou “Jesuíno Brilhante”, uma das figuras mais marcantes do sertão nordestino e considerado o primeiro cangaceiro da história brasileira. Fizeram bossas com utilização do atabaque e de xaxado. A rainha Viviane Araujo veio de “carcará” com uma fantasia com detalhes em led.