A Viradouro, atual campeã do Grupo Especial do Rio de Janeiro, se prepara para o Carnaval 2025 com o enredo “Malunguinho: O Mensageiro de Três Mundos”. Em entrevista ao site CARNAVALESCO, o carnavalesco Tarcísio Zanon e o enredista João Gustavo Melo compartilharam detalhes sobre a origem do enredo, os momentos mais impactantes durante a pesquisa e suas opiniões sobre as escolas de samba com temas de matriz africana. Tarcísio Zanon contou como surgiu o enredo através de pesquisas e estudos ao longo da pandemia e a importância de Malunguinho como uma figura histórica e cultural, sendo um exemplo da luta do povo afro-brasileiro e indígena que atravessou gerações.
“Costumo dizer que a gente não escolheu o Malunguinho, foi o Malunguinho que nos escolheu. Eu tinha já uma pesquisa, no ano da pandemia, eu estudei muito, a gente ficou em casa e aí eu tive uma pesquisa sobre Jurema e seria uma das propostas de enredo, a árvore Jurema e esse culto a Jurema. Esse ano eu comecei a estudar mais sobre os encantados e descobri essa história do Malunguinho. E fiquei muito encantado quando descobri que ele, além de sobreviver dentro do culto da Jurema, ele foi achado em um registro policial através do professor Marcos e a partir daí ele passa a ser um personagem não somente da Jurema e sim um personagem da história do Brasil. Um dos maiores quilombolas como foi o Zumbi dos Palmares. É muito interessante a gente conseguir entender que o povo preto, o povo indígena levou essa história através dos cânticos e agora ele também entra para história e se Deus quiser ele vai chegar no lugar onde ele precisa estar que é no Panteão dos Heróis Nacional”, contou Tarcísio.
João Gustavo, em sua reflexão sobre o enredo, compartilhou a importância e o significado de Malunguinho na trajetória da Viradouro com a continuidade nos enredos de matriz africana.
“O mais importante que eu acho é que o Malunguinho veio até nós, assim como o Dangbé veio até nós, e eu acho que é uma consequência também de uma trilogia de enredos que a Viradouro vem fazendo. E agora a gente veio nessa energia da Jurema, que é algo muito poderoso, que quando a gente esteve em Pernambuco, a gente pôde entender melhor e pôde entrar nessa energia. E eu acho que a gente tem uma grande responsabilidade, mas também um grande afeto por contar essa história do Malunguinho”.
O que mais impactou o carnavalesco o durante a pesquisa do enredo foi a imersão profunda na cultura da Jurema: “Todo esse processo de imersão que a gente está tendo de poder ir nas casas, de conhecer os mestres, de conhecer os juremeiros, isso tem sido uma coisa muito interessante e intensa. E o que foi mais legal para mim nesse processo foi poder ter tomado a jurema indígena da tribo Funiô e a jurema urbana nas casas de Pernambuco. Como a gente sabe, a jurema é um remédio e é um psicoativo, isso ampliou muito a minha criatividade e com certeza a gente vai respeitar muito, fazendo o Malunguinho ser esse grande rei na Marquês de Sapucaí”.
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E para João Gustavo, a descoberta sobre Malunguinho foi a parte mais marcante da pesquisa, ele destacou a profundidade e a beleza das vivências da Jurema, onde Malunguinho, além de ser uma entidade espiritual respeitada, desempenhava um papel muito importante na comunidade, atuando como um médico espiritual e ajudando as pessoas em suas necessidades físicas e espirituais, o que torna sua história ainda mais rica e inspiradora.
“Acho que a figura histórica do Malunguinho, cruzado com a entidade que ele se tornou, porque no culto da Jurema, você ser entidade de três mundos é algo raríssimo, para não dizer inédito. Então, o Malunguinho é mestre, é caboclo e é Exu/Trunqueiro. Ele é três coisas que são muito difíceis de acontecer, você ter as três entidades. Então, a gente entrar nesse mundo, poder entrar no mundo dos invisíveis, no mundo espiritual, conhecer um pouco das vivências da Jurema, que são vivências lindas, que é como o João Monteiro falou, não havia médico nessas localidades mais pobres, o doutor do mundo era Malunguinho”, destacou João Gustavo.
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Ao serem questionados sobre o que não pode faltar no samba-enredo para 2025, Tarcísio Zanon e João Gustavo Melo, deixaram claro a importância de capturar a essência e o sentimento de Malunguinho como um herói não reconhecido, a necessidade de transmitir a luta e a transformação de Malunguinho de um personagem marginalizado a uma figura heroica e espiritual, dando importância na profundidade e na riqueza de sua história para o samba da Viradouro.
Tarcísio desabafou que não pode faltar esse sentimento do herói que ainda não foi reconhecido e que lutou a sua vida toda, assim como a Viradouro que segue lutando pelo próximo título: “Não pode faltar esse sentimento, que é o sentimento desse herói do avesso, esse herói que não foi reconhecido ainda, mas que a Viradouro, nesse momento, que ela poderia estar comemorando seu título, ela está lutando pelo próximo título, assim como o Malunguinho lutou sua vida toda e ainda luta através desse espírito que fala conosco, dessa energia que fala conosco”.
João Gustavo complementou, destacando a figura do herói não convencional que foi Malunguinho: “Eu acho que não pode faltar no samba-enredo é um sentimento de Malunguinho como esse herói do avesso, quando a gente fala herói do avesso é justamente o anti-herói, o cara que era perseguido, que só estava documentado nas páginas policiais e que o povo fez dele um herói e uma entidade de três mundos, como o caboclo e o ,estre Exu/Trunqueiro. Você desenvolver esse novelo, contar essa história, é o grande barato do samba”.
João também compartilhou sua visão sobre esse momento das escolas de samba do Rio escolhendo enredos que abordam a matriz africana. O enredista acredita que o cCarnaval é uma força para contar histórias importantes e esquecidas do Brasil, especialmente, em um momento em que o racismo e a intolerância religiosa estão tão visíveis.
“O nosso futuro é ancestral e a gente tem responsabilidade, o carnaval das escolas de samba, como evento midiático, ele tem responsabilidade de contar histórias que falem sobre o Brasil profundo. Contar histórias que não só sejam também um elemento de reflexão e que reverbere nas escolas, nas universidades, porque o Brasil está, nós estamos sob ataque. As religiões de matriz africana estão sob ataque. O racismo nunca esteve tão exposto no Brasil como agora. As escolas têm um dever como entidades que recebem dinheiro público de levar histórias com responsabilidade, de levar histórias com esse Brasil profundo. Eu acho que as escolas, no geral, têm tido esse compromisso, o que não inviabiliza outros tipos de enredo e outra diversidade de enredo. Mas nós, da Viradouro, estamos assumindo, junto com outras escolas também estão contando isso, mas de trazer elementos de um Brasil desconhecido e que tem uma responsabilidade, uma reverberação para atacar fogo no Brasil”, destacou João.