Enredo: “A delirante jornada carnavalesca da professora que ao tinha medo de bruxa, de bacalhau e nеm do pirata da perna-de-pau”
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Sinopse
Muitos devem achar que um desfile nasce de uma ideia da cabeça de um artista. No entanto, em alguns casos, um desfile pode também surgir da conversa entre a mente e um livro. Palavras e mais palavras que, juntas, vão construindo sentido e nos levando para lugares distantes, nos apresentando a personagens históricos ou inventados. Logo, na magia da Avenida, tudo isso ganha vida. O que antes era apenas abstração de letras agora ganha forma no traço que risca o papel, outrora vazio. Da ideia original, da palavra lida, um mundo de texturas e cores preenche a folha em branco para que, depois, tudo seja materializado em tecido, estrutura e adereço. Desse processo, nascem milhares dos desfiles que cruzaram a passarela da ilusão.
Em nossa delirante jornada carnavalesca, partimos de uma grande biblioteca adornada de volutas, anjinhos e candelabros. Esses volumes de capa dura formam o fabuloso portal para a mente de uma artista genial: Rosa Lúcia Benedetti Magalhães. A professora que traçou histórias escritas com arte e por tantos mundos navegou. Seguimos os caminhos orientados por nossa “Rosa dos Ventos” em um reencontro emocionado por seu universo de páginas. Ela, entusiasta exploradora e narradora do deslocamento, fez de seus cortejos verdadeiras cartografias carnavalescas, dominando um oceano de memórias afetivas na pista da Sapucaí.
Somos poetas da canção e embarcamos rumo a um reino encantado no qual criaturas fantásticas ganham vida. Dos fascículos desta coletânea, emergem galantes heróis de capítulos e letras em pomposas carruagens. Dos povos que aportaram na Avenida, Rosa foi amiga de muitos. Se esbaldou com os bobos da corte, dançou ao som de alaúdes em meio ao luxo e a bonança, com louças e pratarias “cheias dos rococós”. A comida era farta e bem confeitada, o açúcar estava na mesa da nobreza. Toda a fidalguia se fez presente em uma festança das boas, que celebrava o encontro inusitado da corte da Rainha de Ramos, do Reizinho de Madureira e da Princesa da Vila.
A farra foi tanta que seguimos o trajeto ainda meio empapuçados para além das montanhas cobertas de neve. Eis que ancoramos na Terra do Faz de Conta, recebidos por um cisne altaneiro na vasta coleção de causos e lendas que o povo soube inventar. Um lugar de moinhos de vento e teatro de bonecos no qual cenas inusitadas acontecem: fadas tropicais contracenam com cavaleiros de capa e espada. A bailarina troca o amor do Soldadinho de Chumbo pelos gracejos do pirata malandro. A Boneca de Pano e o Visconde de Sabugosa recebem bichos que ainda falam com humanos. E até mesmo a bruxa malvada saiu para tomar uma com o saci-pererê. Vixe, que confusão!
E foi… daqui pra lá, de lá pra cá… singrando os mares; a ordem da mestra era navegar e reunir riquezas de além-mar. Nosso itinerário literário avança por águas bravias, cruzando novos e antigos mundos… Culturas que embarcam e reinventam geografias, unindo em poucos parágrafos terras tão distantes. Acompanhamos expedições científicas que se aventuraram rumo ao desconhecido, seja a pé, de jegue ou de avião, cruzando do Norte da América até o Oriente conhecer. Os mitos, que enlaçam antigas tradições, fazem todos se encontrarem bem ali, na esquina do mundo. Bem onde comerciantes habilidosos pechinchavam para vender o verdadeiro bacalhau, as especiarias da Índia, os marfins de Angola e até um chiclete tutti-multinacional, que gerou o maior “tititi”. Lugar mais bonito, porto da Utopia, no qual se respeitam as diferenças, abraçando imigrantes e refugiados de todas as partes do globo para descansar à sombra de um pau-brasil.
Aqui, no país com nome de árvore, a excursão ganha ares científicos, fazendo saltar das páginas um fascinante teatro de coisas naturais, povoado por imagens do Brasil pintadas por artistas viajantes. Nessas obras imortais, cintilam os tons da terra, do verde das matas até o amarelo escaldante do sol. Resplandece a formosura de aves do paraíso, flores vibrantes, animais singulares e frutas exóticas que revelam o amor por esse chão. No fim das contas, em Terra Brasilis, tudo que se planta dá.
Mas não foi apenas pela lente da natureza que tentamos compreender o que nos faz Brasil. A arte, entre apagamentos e celebrações, também se lançou no desafio de decifrar nossa identidade. Do lado de cá do Equador, nos aproximamos das prateleiras onde se acumulam intelectuais, pensadores e pintores e músicos que se debruçaram sobre a construção do nosso orgulho nacional. O país se revela em seus muitos volumes: o indianismo forte e romântico, a celebração contraditória do modernismo e até a festividade irônica da Tropicália. Foi devorando e deglutindo as heranças artísticas definidoras de nação que Rosa foi, generosamente, colocando mais água no feijão para quem chegasse.
Depois de passear por terras geladas e desertos áridos, e de investigar as belezas da nossa nação, nossa incansável heroína volta para sua casa momesca. E, nessa história, assim como em muitas outras, tudo acaba em Carnaval. A seção mais animada da mestra, que investigou e cantou nossa folia como ninguém. Tudo se torna um verdadeiro paticumbum, com mais de mil palhaços, pierrôs e colombinas no salão. Somos da lira, afinal, não podemos negar. Nesse sassarico, não poderia faltar ela, a eterna freguesa, aluna dedicada da Academia do Samba, que retorna para ser coroada, neste reino de Xangô, como uma autêntica Rainha Momo. Herdeira legítima do homem que não tinha medo de fazer revolução e do menino romântico que transformou a Avenida em Ribalta. Aqui, aprendeu como fazer a mistura de um bom vermelho, a brasa que deu nome ao nosso país, em um caldeirão efervescente no qual a combinação de branco e rubro deu Rosa.
Professora, hoje, sua herança desfila aqui. Em cada memória, em cada enredo sonhado, em cada lágrima emocionada na arquibancada. Todos somos seus honrosos alunos. Legado que está estampado nos pavilhões multicoloridos e nas batidas furiosas de um surdo. E se, no samba, antes faltava este traço de amor, agora não falta mais. A sua história — feita de tantas outras histórias — segue viva, encantando e ensinando, como um livro que nunca fecha, uma festa que nunca termina. Afinal, a plateia pede bis!
À mestra, com carinho.
Enredo de Jorge Silveira, Leonardo Antan, Allan Barbosa e Ricardo Hessez.
Texto de Leonardo Antan.