Enredo: Mogangueiro da Cara Preta
O termo “especiarias” era conhecido na Europa nos séculos XIV e XV para designar temperos e condimentos, que não só davam mais sabor aos alimentos como serviam também para conservá-los, sendo alguns usados como remédios. Os preços altíssimos cobrados então causaram indiretamente o “Descobrimento” da América e do Brasil.
Sua importância vai até os dias de hoje.
Quem nunca saboreou um mingau com canela ou um doce de coco com cravo da Índia – que até hoje mantém no nome sua origem?
Neste rol de especiarias, vamos listando a pimenta do reino, a canela, o açafrão, o anis, e até mesmo a noz moscada, natural da Indonésia, mas que se aclimatou muito bem na Índia, além do cominho e o curry. Na verdade, esses são alguns dos produtos que enriqueceram a mesa europeia a partir da Idade Média. Seu alto custo era cobrado por importadores que bloqueavam sua comercialização. A saída foi procurar um caminho direto a seus produtores, pelo mar – dando origem às “descobertas” de novas terras.
O comércio se tornou bastante comum entre o Ocidente e o Oriente.
E assim começa nossa história…
Conta-se que um carregamento de búfalos, originários da Índia, também fez parte desse grande rol de exportações.
Viajavam num navio que, devido a forte tempestade, acabou naufragando perto da costa brasileira. Muitos deles, milagrosamente, conseguiram se salvar nadando até a terra firme.
Chegaram a um lugar que, tal qual a Índia, era habitado havia milhares de anos. Desses antigos moradores, temos apenas restos de uma civilização admirável em seus trabalhos em argila, cuja fabricação era especialmente decorada.
Nossos búfalos sobreviventes se aclimataram muito bem nessa região. Foram se multiplicando e hoje formam o maior rebanho de búfalos do país. A terra que os acolheu era em alguns lugares alagadiça, e esses animais se refrescavam nesses oásis de águas cristalinas, por conta de sua constituição que lhes permitia sair d’água sem esforço graças a seus fortes músculos traseiros.
A terra a que chegaram tão bravamente, na verdade era uma ilha, a Ilha de Marajó, situada entre a desembocadura de um rio e o oceano. E seu povo tem por esses animais a maior reverência.
Aproveitando as influências de festas nortistas, Mestre Damasceno, grande artista popular marajoara, criou um “Búfalo – Bumbá”, uma adaptação do Auto do Boi, tendo como figura central o búfalo.
A presença do boi foi largamente disseminada entre os povos Bantos africanos que, no período da colheita, conduziam um boi estilizado, em procissão animada por cantos e danças.
Os escravos, cantadores de muitas gerações, usavam palavras e ritmos de seus universos poéticos, narrando aventuras de outros tempos e espaços, com histórias nas quais os bichos falavam, dançavam, cantavam e assombravam reinos humanos e os animais.
“Que já houve um tempo em que eles conversavam entre si e com os homens é certo e indescritível, pois que bem comprovado nos livros de fadas carochas. Mas, hoje em dia, agora, agorinha mesmo, aqui, ali e em toda parte, poderão os bichos falar e serem entendidos, por você, por mim, por todo mundo, por qualquer filho de Deus?!”
São histórias contadas pelas avós.
“Meu boi preto mogangueiro,
árvore para te apresilhar?
Palmeira que não debruça: buriti
– sem entortar…”
Os búfalos passeiam pela cidade, servem de montaria para a polícia e ajudam na coleta do lixo. E, à noite, ouve-se as vozes de mães ninando seus pequenos:
Boi, boi, boi da cara preta, pega essa menina que tem medo de careta…
Rosa Magalhães.
João Vitor Araújo.