ENREDO: PRA CIMA, CIÇA!

cica viradouro
Foto: Renata Xavier/Divulgação Viradouro

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ESQUENTA–ATENÇÃO, SAPUCAÍ!

Vai subir! Repique chama, Furacão responde!

Pra cima…

Marquês de Sapucaí. Palco de homenagens inesquecíveis a notáveis do nosso tempo. No terreiro maior do Carnaval carioca, construiu-se um tipo originalmente brasileiro de reconhecimento em vida. Atravessar em triunfo toda a extensão do Sambódromo ao coro de um samba de enredo, composto especialmente para reverenciar os ídolos de uma nação, é uma forma única de aclamação popular. Um instante que fica para sempre na memória afetiva de um país.

A Unidos do Viradouro, ao completar 80 anos de fundação em 2026, ouve o próprio pulsar da bateriae celebra uma personalidade vitalnessa trajetória: o sambista Moacyr da Silva Pinto, artista do nosso Carnaval. Ao completar 70 anos de vida e 55 anos do seu primeiro desfile, Mestre Ciça cruzará a Sapucaí em pleno ofício. Fluente na língua do tambor, agora é a vez de escrever sua epopeia na melodia de um novo samba de enredo. É a Furacão Vermelho e Branco se olhando no espelho e dizendo…

PRA CIMA, CIÇA! OS TAMBORES DE 2026 VÃO RUFAR PRA VOCÊ!

 1ªCABINE – SAMBA DE SAMBAR DO ESTÁCIO

Pra cima! Era aonde olhava uma cidade que despertava para um jeito diferente de fazer samba. Autêntico movimento modernista nascido nos morros, exímios músicos dos terreiros pintaram no Carnaval uma nova tela ao encourar instrumentos percussivos em pele e fogo. Pioneiros do Estácio, que “num repente genial”, tiveram “uma ideia feliz”: esculpir um majestoso leão, pousado sobre uma carreta e levado em desfile pela rapaziada que circulava pelo São Carlos. Assim, o grupo fundador da Deixa Falar, agremiação híbrida, meio bloco, meio rancho, mas escola de samba na raiz, ergueu um totem altivo e feroz para, em torno de um único símbolo, reunir aquela comunidade essencialmente musical.

O Rio de Janeiro foi despertado no fundo da alma com a tal novidade sincopada de cadência explosiva, embalada no Berço do Samba. Com o ritmo mais batucado, o tambor rugiu em “paticumbuns” e “prugurunduns”. A massa entoava em coro novas melodias, com notas mais alongadas que as do maxixe e outras modas. No compasso dessa novidade uníssona com a realidade urbana carioca, o “samba de sambar” provocava o corpo de cada sambista, que passou a caminhar e a gingar com mais malemolência.

Em tempos de Unidos de São Carlos, na zona doMangue, hoje palco da nossa concentração, a comunidade atravessava o baixo meretrício fantasiada com a elegância de realeza foliã. Rufiões e mariposas vigiavam a Lua, enquanto virtuoses batuqueiros escreviam poemas sonoros em surdos, cuícas, reco-recos e pandeiros. Nesse berçário de feras, um filhote de leão brincava de Carnaval e, em 1971, tornou-se passista da São Carlos. Mas também riscou o chão em giros e mesuras como mestre-sala do Bloco dos Peninhas, uma dentre muitas agremiações carnavalescas do bairro. Depois de escrever o samba em bailado, aprendeu a desenhá-lo em arranjos percussivos.

2ª CABINE – O REI DOS NAIPES

Ali, onde flanava a nata da boemia estaciana a soluçar “bem alto o cavaquinho”, o franzino Moacyr foi aprender as manhas do jogo da percussão até dar as cartas e se afirmar como CIÇA (assim mesmo, em CAIXA ALTA), continuando a revolução rítmica no time do leão vermelho e branco. Baqueta partida, caixa de guerra ao alto, toque pra frente… era a busca da levada perfeita.

Na disputa carnavalesca de 1989 pela Estácio de Sá, o jogo virou e Ciça estreou como o Rei dos Naipes, com escudeiros fiéis que seguiram o comando da sua batuta. Com o enredo “Um Dois, Feijão com Arroz”, o novo Mestre já foi jogando seu “tempero especial” cheio de molho nas peças leves e na “cozinha”, mostrando que viria pra cima com seus achados percussivos. Mas foi na suspensão do som em bossa desvairada que se desenhou a trilha para o primeiro título.

Na cadência de um desfile consagrador, a “Medalha de Ouro”quebrou a banca e emoldurou o canto pintado em aquarela do inesquecível Dominguinhos. O apito do Trenzinho do Caipira se uniu ao do Mestre, atravessando a Passarela como um monumento musical à Semana de Arte Moderna. Era a glorificação de toda aquela gente bamba do bairro que expôs ao Brasil real as obras de uma autêntica revolução artística em forma de samba. A Estácio deu a artepro seu povo e não deu outra… LEÃO NA CABEÇA!

 3ª CABINE – OUTROS TAMBORES

O arrojo rítmico da bateria estaciana foi conquistando a Sapucaí.E nesses dribles épicos do destino, Ciça acabou sendo escalado para o centenário de duas paixões rivais. O coração cruzmaltino incendiou a arquibancada ao comandar a charanga rubro-negra em exibição de gala. Mais tarde, deixou a toca do leão para defender outras bandeiras. Desta vez, honrou o seu Gigante da Colina, agora sob o manto azul e ouro do Borel. Na batida do tempo, fez-se rei de muitos súditos e muitas rainhas em terras de Niterói e de Caxias, indo, anos depois, içar velas rumo ao colorido mar insulano.

Inquieto, o Maestro do Morro imprimiu em cada bateria o registro da ousadia, cuca antenada que nunca deixou de inovar. Pausas de mil compassos, joelhos abaixo, instrumentos pra cima… Pra cima, Ciça! (O que mais faltava inventar?)

Ainda no primeiro tempo do jogo com a Viradouro, elevou suas peças ao patamar do impossível. Ao tirar o fôlego da Avenida suspendendo a bateria, a arquibancada foi ao êxtase! Toque de Mestre em pegada de magia.

Feiticeiro das invocações das inquices, do Ijexá ao povo das águas e do Adarrum aos voduns, foi a fundo nas raízes místicas do tambor para decretar: “VAI TER MUITA MACUMBA NA AVENIDA”. Atabaques chamaram o sagrado e ergueram a vitória, consagrando-o premiado e duas vezes campeão.

O resto… é samba que ainda vai nascer…

4ª CABINE – BONDE DO CAVEIRA

Nessas andanças e memórias,Ciça foi traçando seu estilo arrojado nas agremiações pelas quais passou. A história das escolas de samba não é regida apenas pelas disputas, mas pelo sangue da música que corre nas veias de cada ritmista. Trilha composta em agudos e graves, tempo e contratempo nas oscilações do andamento da vida, mas sempre com pegada pra frente.

Dos fantasmas do percurso, às glórias do ofício, o Mestre é lenda viva para os que embarcam no balanço do bonde do Caveira. Muito além do momento de conquistar as notas na Sapucaí, a convivência durante os meses que antecedem a grande noite faz da bateria um aprendizado coletivo, no verdadeiro sentido do nome escola de samba.

Tanto faz se é “sarapo”ou “camisa 10”, cada componente é sopro na ventania. Tropa que abraça seu Mestre soltando a mão no couro, plangendo a cuíca, vibrando como os discos metálicos do chocalho, desenhando frases no tamborim, atacando nas caixas de guerra, na chamada do repique, pulsando nas marcações… Legião que encontra na bateria o real sentido da festa: fazer o Carnaval não ter fim.

APOTEOSE – UM FURACÃO QUE VAI PASSAR

O intrépido Moacyr é exemplo dos valores que sustentam o samba verdadeiro. Alegre, desvairado, apaixonado, da favela, popular, da amizade, do improviso, da disciplina, do jogo de cintura, do coletivo, da generosidade. Ele é por todos e todos são por ele. Vendaval de ritmo que nasce em brisa de ensaio. Trovão que ressoa em noite de Carnaval.

Nosso homenageado traz em si a energia de uma agremiação em desfile. Um Grêmio Recreativo Escola de Som que, aos 70 anos, acumula a ousadia dos moços e a sabedoria dos mestres.

Na batida do tempo, vira a esperança de uma garotada que se espelha no grande artista consagrado em enredo pela escola mãe.

Este desfile tem como Apoteose a continuidade de uma saga que não acaba em 80 minutos.

Obrigado, Mestre! E desculpe por não dar fim a essa história.

(É que ano que vem tem mais show…)

PRA CIMA, CIÇA!

Carnavalesco: Tarcísio Zanon
Texto: João Gustavo Melo

REFERÊNCIAS:

CABRAL, Sérgio. As escolas de samba do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Lumiar, 1996.

CASTRO, Maurício Barros de; VILHENA, Bernardo. Estácio: vidas e obras. Rio de Janeiro: Azougue Editorial, 2013.

CAMÕES, Marcelo; FABATO, Fábio; FARIAS, Julio Cesar; SIMAS, Luiz Antonio; NATAL, Vinicius. As Titias da Folia: o brilho maduro de escolas de samba de alta idade. Rio de Janeiro: Novaterra, 2014.

FRANCESCHI, Humberto Moraes. Samba de Sambar do Estácio: 1928 a 1931. São Paulo: Instituto Moreira Sales, 2010.

LIRA NETO. Uma História do Samba: As origens. São Paulo:Companhia das Letras, 2017.

SIMAS, Luiz Antonio; FABATO, Fábio. Pra tudo começar na quinta-feira: o enredo dos enredos. Rio de Janeiro: Mórula, 2015.

ENTREVISTAS E DEPOIMENTOS:

Canal SambaPod! – EP #58 – Mestre Ciça

SambaPod! – EP #58 – Mestre Ciça

Canal Quintas com Quintaes – Mestre Ciça

(323) Quintas com Quintaes – Mestre Ciça – YouTube

Canal Rádio Arquibancada

(337) Arquibancada em Casa – 21/07/20 – Mestre Ciça – YouTube

Canal Blog Ouro de Tolo: Memória do Carnaval: Mestre Ciça (I)

(323) Memória do Carnaval: Mestre Ciça (I) – YouTube

Canal Thalita Santos

Como os Mestres Criam as Bossas? Mestre Ciça.

Canal Mais Carnaval

📂 CIÇA || Mestre de Bateria da Viradouro e Seus Desfiles Marcantes no Carnaval

Canal CharlaPodcast

(323) O DIA QUE O MESTRE CIÇA COLOCOU A BATERIA EM CIMA DO CARRO ALEGÓRICO NO DESFILE 😱 – YouTube

Canal PodCarnavalesco

MESTRE CIÇA NO PODCARNAVALESCO RJ