Enredo: “Cordas de Prata – O Retrato Musical do Povo”
Um dia viram um artesão colhendo raios de lua
Para fazer minhas cordas de prata,
Que vibravam e esticavam, amarrando o tempo.
Musicando o vento, encantando quem passava.
Dedilhava sobre madeira de pinho
E por esse caminho minha vida se formava.
Esse artista foi visto de maneiras diferentes,
Pelo olhar de tanta gente, várias histórias se contavam.
Ninguém sabe minha verdadeira origem
Pois em cada canto, por cada povo,
Construíram minhas rotas
Ganhando, assim, tantos nomes e formas
Sempre guiadas pelo valor de cada cultura,
Pelo som de minhas notas.
Talvez o artesão fosse um Deus,
Como me contaram, um dia, na Índia.
Como “veena” por Shiva fui tocada,
E aos poetas ensinava os acordes que do instrumento sairia
Formaram “sitares”, me levando a todos os lugares
Usando penas para vibrar suas melodias.
Dizem também que meus artífices eram Árabes,
Acompanhei Mouros viajantes em conquistas e cruzadas,
Com sua arte fui tatuada,
Por arabescos e filigranas em minha caixa
Sendo “oud” e, depois a latina “guitarra”.
Tantos braços e tantas cordas ganhei
Ao longo dessa jornada.
Chegaria, finalmente, na Europa onde ainda fui adornada.
Em feiras medievais, cantigas eu acompanhava
Sendo o tom dos alaúdes, o som da poesia cantada
No trobar dos trovadores, no teatro de padres e pastores,
Na interpretação dos atores, na serenata de tantos amores.
Como “viola” encantei as cortes
Mas no “novo mundo” minha vida seria transformada.
Cheguei em território tupiniquim como linguagem “erudita”,
Como ferramenta jesuíta para catequizar os donos dessa terra.
Nesse período de cruel dominação,
Bandeirantes exploravam esse chão, me levando em mãos,
Escravizando e dizimando como em guerra.
Mas ao poucos, esse tão sofrido povo me assumiria
Unindo a nossa alegria como símbolo dessa nação
Orientando cordéis e romarias; festas e cantorias
De repentistas do sertão
Acompanhando do fole, da sanfona e o cancioneiro
Me tornei um grande brasileiro,
O tão querido, de nome bonito: “violão”!
Por aqui me vi popular,
Passando a estar em todo lugar pelo apreço dessa gente.
Em ponteios caipiras, nas caravanas de ciganos,
Em sonetos gaúchos, em cortejos africanos,
O som de maxixes e modinhas,
O choro e a boemia dos malandros.
Me acusaram de vadio, vagando devagar,
Andando por bailes e ruas, por tantas mãos, de bar em bar,
Tocando uma canção qualquer, só por cantar
Escutando a alma dos músicos, que apertam ao seu peito
O bojo perfeito “compondo” a solidão e o prazer de amar
Desta maneira, virei a marca da cultura popular
E passei a ensinar, também, o povo a sambar.
Pelas mãos do sambista, lutei pela alcunha de artista
Contra preconceitos, integrando novos gêneros e conceitos.
Reafirmando a vocação de um país tropicalista,
Fiz uma bossa nova em sua musicalidade
E emoldurei para a eternidade tantos poetas e poetisas.
Declamei às rosas de Noel e Cartola;
Acompanhei o bandolim de Arlindo, o “Cavaquinho” e o “Viola”
Os prazeres de Heitor e o dedilhar de Yamandú e Toninho;
Estive nos braços de Nara e Powell mundo afora
O som da madeira de “Carvalho”, “Pinheiro” e Nogueira
Com meus “Tons” estive perto de Vinicius e João Gilberto
Fui “Luz” de Caymmi, de Caetano, Rita e Gil
Estive “Alceu” “grande encontro” com “novos baianos”
Sendo o maior companheiro de um Brasil!
Texto: Guilherme Estevão
Pesquisa: Guilherme Estevão, Sthefanye Paz e Caio Araújo.