Tom Maior 2023: Um culto às mães pretas ancestrais
Mãe, entidade suprema que guia nossa jornada. Figura que nos traz tantos significados e representações pela vida afora. Que nos faz sentir acolhidos, amados, ensinados e, também por muitas vezes, feridos. Pois nem sempre compreendemos seus planos e vontades.
A Mãe é no nosso nascimento, como é na origem do mundo. A Mãe é o começo de tudo, apoio de nosso primeiro passo.
Contam os ensinamentos Yorubás que Olodumaré criou o conhecido e o desconhecido, o céu e a terra, o Orum e o Aye. Olodumaré é o Deus supremo. E com a missão de povoar o nosso plano, o plano do Aye, ordena a expedição da criação. Nela estavam Obatalá, Ogum, Exu e Odu, a primeira mulher. Nossa primeira Mãe preta. A Mãe que carrega a cabaça no ventre, símbolo da fertilidade e da criação. A fartura da terra. A fecundidade da vida.
A Mãe é a criação.
Mas Odu, que no cruzamento do Orum com o Aye, onde o terreno e o espiritual se encontram, jurou nunca trair aos homens, por eles foi traída. Feriram em mágoas o coração da Mãe. Em troca, Odu recebeu de Olodumaré os poderes de Senhora do Destino destes homens.
Um poder materno. Que rege, que ensina, que protege, que educa e que castiga. Sim, pois a disciplina é uma forma de amor, como o castigo é um gesto de cuidado. A forma de fazer compreender que nossos atos têm consequências e que o caminho da paz e da compaixão sempre serão o norte a seguir, mesmo que as vias pareçam tortuosas.
Porque em nosso coração o Bem e o Mal são representações daquilo que não sabemos explicar. Para criar ou transformar muitas vezes é preciso demolir, desviar caminhos. Nem sempre se compreende com clareza as intenções de uma Mãe.
Odu é a primeira Iyami, que em Yorubá significa “Minha mãe”. E as representações destas Iyamis se replicam nas tradições sagradas de diversas formas.
Contam as histórias dos griôs (aqueles que transmitem nosso passado) que de Odu descendem todas as Iyamis. E que na criação do Aye, nosso mundo, as Iyamis foram fundamentais para alcançar o equilíbrio. O balanço entre a alegria e a dor, a saúde e a doença, o começo e o fim.
A Mãe é a criação e o ensinamento.
Criar é guiar. As primeiras descendentes de Odu se materializaram em aves e estes pássaros habitaram os pilares de nossa existência. Sete árvores míticas que regem nosso destino. Em seus galhos, todos os sentimentos contraditórios e nem sempre compreensíveis de nossa evolução. A vida e a morte, a fartura e a privação, a surpresa e a decepção. A incerteza.
As aves sobrevoam nossa vida e, com a visão ampla que o vôo permite, compreendem para além de onde vão as colinas, as montanhas e as barreiras que nos limitam os olhos. E assim são as mães. As mulheres pássaro. As mulheres-eleié.
A Mãe é a criação, o ensinamento e a guia.
Para guiar é preciso ter força e conhecimento, como são fortes e sábias as mães pretas orixás, ou obirinsá. Elas que dominam as forças da natureza e conhecem as imperfeições de nossa natureza, nossa essência. Salubá Nanã! Ora Ye ye ô Òsun! Odoya Iyemonja! Epa hey Oyá! Ri Ro Iyèwá! Akirô Oba Yê!
Seu poder vem da consciência e do amor. Da humanidade de nos reconhecer fracos mas dignos de nossa existência. E a evolução vem da compreensão destas falhas e deste poder. Da certeza que um poder materno nos guia em busca da evolução. E beber deste poder, por meio da fé, nos faz homens e mulheres mais fortes.
A Mãe é a criação, o ensinamento, a guia e a força.
Às mães devemos respeito. Mais que respeito, devoção. Como nos festivais Gèlèdès, em que aqueles que cultuam as mães pretas entoam cânticos (orin), evocações (oriki), saudações (ibá) e rezas (adurá) a suas protetoras.
Louvar às mães pretas é honrar seu nome, sua história e aceitar seus ensinamentos. É compreender sua grandeza e sua importância em nosso aprendizado. Demonstrar temor e acatar sua liderança. É entender a nós mesmos pelos olhos da Mãe, os olhos de amor.
Amor manifesto em muitas mães pretas, infinitas representações de um mesmo sentimento, de uma mesma fé, embora muitas vezes personificadas em diferentes símbolos. A estas mães pretas cultuamos e pedimos bençãos.
A benção Mãe preta Aparecida, Mãe preta Monila de Hipona, Mãe preta Ifigênia. A benção Mãe preta Josefina Bakhita, a benção Mãe preta Anastácia, a benção Mãe preta Nhá Chica. Ao som de atabaques, harpas ou na voz crua e sofrida dos romeiros, é um mesmo sentimento que busca elevar aos céus em palavras nossa submissão e respeito. A aceitação e agradecimento por todo o amor. A Mãe é a criação, o ensinamento, a guia, a força, o respeito e a devoção.
Enredo: Flávio Campello
Sinopse: Judson Sales