Por Lucas Santos e Diogo Sampaio

Projetada inicialmente como Cidade da Música, o complexo cultural da prefeitura Cidade das Artes Bibi Ferreira, localizado no coração da Barra da Tijuca, foi inaugurado em maio de 2013. O conjunto possui aproximadamente 95 mil metros quadrados e conta, além das salas de concerto e música de câmara, salas de ensaio, galerias, camarins, salas de aula e outros espaços. Muito desta infraestrutura por anos foi dedicada a abrigar a realização de peças de teatro, concertos e ensaios de orquestras, além de todo tipo de atividade, muitas vezes voltadas para o que é chamado de um gosto mais erudito. O samba já se fez presente com artistas do gênero, no geral menos conhecidos, e até algumas coisas de carnaval como lembra o músico Alceu Maia, ainda que de forma mais esporádica.

Fotos: Lucas Santos e Diogo Sampaio/CARNAVALESCO

“Eu moro próximo a Cidade das Artes e acabo sempre recebendo, escutando a programação do espaço.Tem muito show de samba, pagode, tem teatro e o samba-enredo já esteve aqui. Eu já participei aqui de vários shows com uma mini bateria há muito tempo atrás e convidados. É uma coisa diferente, você não consegue fazer um ensaio completo de escola de samba em um local desses porque tem várias coisas acontecendo ao mesmo tempo”, esclarece o músico.

Desde 1985 participando do processo de confecção do disco oficial das escolas de samba do Grupo Especial, em 2024, pelo segundo ano consecutivo, Alceu Maia é o produtor do álbum. As faixas do próximo carnaval estão sendo gravadas pela primeira vez em uma sala de ensaio de orquestras na Cidade das Artes, e, também, de forma inédita, em um formato audiovisual. Ter as escolas de samba em um complexo cultural da Prefeitura é, sem dúvida, também uma forma de valorizar a música , a arte que é tão brasileira e tão carioca. É o que pensa o vice-presidente da Liesa e presidente da Edimusa, gravadora oficial da entidade, Hélio Motta.

“A gente está entrando na sala de orquestra. É mais um simbolismo. O samba está entrando dentro de um sala que até ontem era exclusivamente para a burguesia branca, em que se ouvia violino, piano, baixo, agora estamos escutando tamborim, violão de sete cordas, cavaquinho. É mais um ato simbólico”, define o dirigente.

O produtor Alceu Maia também vai pelo mesmo caminho, valorizando a cultura do samba-enredo, como grande expoente da cultura carioca.

“Está sendo icônico ser gravado aqui no espaço, que teoricamente, e historicamente, é reservado ao ballet, a música clássica, o ano inteiro com orquestra ensaiando aqui, e esporadicamente tem essa possibilidade de eventos maiores. Mas a ocupação do espaço é perfeita, tem tudo a ver, porque acho que a cultura mais carioca que tem é o samba, e o mais carioca do samba é o samba-enredo”, conclui Alceu.

Componentes das agremiações falam sobre representatividade

A movimentação dos artistas da folia carioca mexeu com a rotina do espaço cultural localizado na Avenida das Américas, na Barra da Tijuca. No rosto, muitos sorrisos de pessoas que nunca tinham pisado no equipamento da prefeitura. Para o integrante da ala de repiques da Porto da Pedra, Júnior Virgil, o ineditismo foi duplo, já que o ritmista está gravando a faixa pela primeira vez e nunca havia visitado a Cidade das Artes.

“É a minha primeira vez gravando, e é o meu primeiro contato com a Cidade das Artes. Admito que me impressionou, foi uma bela recepção, um lugar muito bonito, muita gente educada, a gente foi muito bem tratado. Eu acho que no Rio de Janeiro, não tem como não falar de samba. Se aqui é a Cidades das Artes do Rio de Janeiro, o samba precisa estar presente”, sinaliza o integrante da Ritmo Feroz.

Produtor musical, instrumentista e mestre de bateria da Vila Isabel, Macaco Branco falou sobre a experiência de gravar com a Swingueira de Noel no equipamento da Prefeitura.

“Acho que é um espaço que está aí para servir para isso mesmo, servir a nossa cultura, e a partir do momento que a gente pega para utilizar isso, tudo que são ferramentas para fazer que cada vez mais seja melhor o nosso trabalho, é muito válido. Estar vindo para esse lugar maravilhoso, com esse design, com esse tratamento acústico que tem a sala, é maravilhoso. A galera que vai ver o produto final vai gostar muito porque o projeto é muito bonito”.

Thiago Monteiro e Mauro Amorim, diretores de carnaval da Grande Rio e Imperatriz Leopoldinense, também aprovaram a iniciativa de trazer a gravação para o local.

“Eu gostei bastante da experiência, acho muito válido tentar sempre algo novo, e acho que a Liesa está de parabéns por essa iniciativa de tentar sair do lugar comum, tentar sair da mesmice. E sempre inovando, essa gravação na Cidade das Artes tem uma pegada, que não é ao vivo, mas ela tem mais emoção, uma pegada um pouco mais de ao vivo. Você pega mais um sentimento do que uma tecnicidade. Também quero salientar que foi muito positivo a abertura para as escolas fazerem seu arranjo, terem mais liberdade para criar a sua faixa e fez com que cada escola consiga trazer também o seu sentimento”, entende Thiago Monteiro.

“É uma experiência maravilhosa, a ocupação do espaço público pelo material que mais gera cultura popular no Rio de Janeiro, que transmite a cultura do Rio de Janeiro para o mundo. A gente está exportando cultura dentro de um patrimônio, de um espaço público carioca. É muito importante e muito gratificante gravar aqui dentro”, afirma Mauro.

Mestre Washington, da Inocentes de Belford Roxo, da Série Ouro, também é diretor da Bateria Supersom, comandada por mestre Marcão. Washington gravou como ritmista para a faixa da Azul e Amarela de São Cristóvão e enfatizou a importância do samba e da cultura relativa ao gênero estar presente nesses espaços.

“É uma experiência nova, é uma experiência bacana, acredito que nós estamos no lugar onde deveríamos estar, que é a Cidade das Artes, que já foi chamada Cidade da Música, e é muito gratificante. Gostei muito da estrutura, achei bem melhor que outros anos, espero que dê certo e que a gente continue aqui por longos anos. E que o samba continue, não só o samba, mas todas as nossas matrizes africanas, que já estiveram presentes aqui em exposições, por exemplo, é receber a arte do nosso país como ela é “, espera o diretor.

Filha de Laíla, Laísa Lima, diretora de tamborim da Beija-Flor, desde pequena sempre esteve presente neste universo das gravações de samba, inclusive comemorando o aniversário que acontece normalmente na mesma época do ano. Laísa conta que para as pessoas da Baixada a presença na Cidade das Artes é ainda uma experiência bastante única.

“Para nós ritmistas, para a grande maioria, cada ano é um ano. Tem gente que nunca gravou, nunca teve essa sensação de sair da escola. A gente é da baixada, para a gente tudo acaba sendo muito distante. Acredito que isso seja também muito bacana para a gente conhecer novos ares, locais importantes. Eu mesmo, acho que só vim aqui umas duas vezes e as duas vezes foi para apresentações de samba. Hoje temos aqui pessoas que nunca vieram, nem sabem o que que ‘rola’ aqui, não conhecem. Eu acho isso bacana, pelo visual, pela história que aqui tem, a gente agrega trazendo o carnaval para essa região”, define a ritmista que também é mestra de bateria na Leão de Nova Iguaçu.

Confira a opinião de outros segmentos sobre o samba ocupar a Cidade das Artes

Marcelinho Calil (Diretor-executivo da Viradouro)

“Conversei com a produção, com o Alceu Maia, Helinho, eles estão muito satisfeitos com esse trabalho. A Cidade das Artes é um lugar muito bonito, tem uma representatividade artística para a cidade. Estou confiante de que as coisas vão caminhar muito bem e que vai ser um lindo projeto mais uma vez aí”.

Júnior Escafura (vice-presidente da Portela)

“A escola de samba faz parte da nossa cultura. Eu sempre costumo dizer que o cartão postal do país é o samba e o futebol. O samba precisa ser valorizado, precisa ser tratado como uma parte muito importante da nossa cultura. É importante estar todo mundo em prol do melhor para a nossa cultura. Apesar de ser um local diferente das gravações, ele foi preparado para se adequar bastante às escolas de samba. A Portela ficou muito feliz pela gravação, recepção, todo mundo recebeu a gente muito bem aqui, e a gente espera que fique um trabalho muito bonito”.

Marquinho Art’Samba e Dowglas Diniz (intérpretes da Mangueira)

“Eu percebo muitas semelhanças com aquelas gravações que eram realizadas na Cidade do Samba. O que faltou um pouco mais foi a comunidade e hoje é carro de som juntamente com a bateria. É uma coisa legal você juntar o erudito da Cidade das Artes, da sala que nós utilizamos, com o samba. A realidade é que tudo acaba em samba (risos)”, acredita Marquinho.

“É uma experiência maravilhosa voltar com um projeto que era feito na Cidade do Samba. O clima do ao vivo é muito diferente do estúdio. Ali a gente brinca, a gente toca. O ao vivo é muito mais gostoso. Estou muito feliz com o resultado, a estrutura está muito boa, equipamentos, produção. É como o Marquinho falou, tudo acaba em samba. A gente estar podendo trazer um pouquinho do samba para cá é muito legal e gratificante”, afirma Dowglas.

Jonathan Diniz (ritmista da Mocidade)

“Eu já vim aqui fazer show com a Mocidade mesmo e estar trazendo essa cultura do samba para a Cidade das Artes intensifica bastante porque abre o conhecimento de algumas pessoas que não conhecem o espaço e gravando é um espaço bonito. E samba e arte é tudo que combina com o Rio de Janeiro. É muito bacana esse espaço ter sido cedido para a gente. E o modelo de gravar, o cenário destaca a gente, sair da gravação que era só no fone e uma sala de vidro fechada e tendo o audiovisual fica mais bonito. Igual antigamente, só que era na Cidade do Samba, agora é na Cidade das Artes”.

Pablo Barreto (ritmista do Salgueiro)

“Ao meu ver eu entendo que a Cidade das Artes é um complexo muito bem estruturado, é um lugar bastante interessante, que eu acredito que deva ser melhor utilizado. Tem toda uma questão de localização que acaba muitas vezes não contribuindo em relação a ter um acesso tão fácil. Mas é importante que o samba também ocupe este espaço, que a cultura popular ocupe esse espaço. É um espaço ligado muitas vezes mais a cultura erudita, às óperas, orquestras, e ter o samba, ter o Salgueiro, e todas as outras escolas ocupando este espaço é muito interessante e muito importante, tanto para a nossa cultura do carnaval, quanto para própria Cidade das Artes também”.

Thais Rodrigues (ritmistas da Unidos da Tijuca)


“Além da beleza, tem toda uma atmosfera, clima mesmo, clima cultural que a gente chega, já sente, pela vista, eu achei incrível. Espero que continue sendo aqui. Eu vim aqui poucas vezes para trabalho, apresentações, show, teatro. Não tenho muito o hábito de frequentar aqui. Acho que essa troca entre o erudito e o popular fez muito bem, esteticamente e musicalmente. Só de estar neste lugar já criou um clima totalmente diferente positivamente. É importante esta interação entre culturas. Se a galera dessa cultura dita mais erudita chegar em uma quadra de escola de samba, eles vão sentir diferença, como a gente sentiu aqui. Mas é muito boa essa mistura”.